Os primeiros raios de sol atrás das nuvens

260 15 0
                                    

Capítulo 4


Naquela noite fui dormir pensando nele. Essa coisa de sentimento é tão estranha. Primeiro você começa a sentir uma curiosidade sem motivo por alguém e quando vê, aquela curiosidade se tornou metade de pensamentos do seu dia. Não que eu esteja apaixonada por ele ou algo do tipo, até porque pss imagina eu... Estava tão cansada que isso foi a última coisa que pensei antes de capotar na minha cama.


Foi quando tive esse estranho sonho. Estava sentada um dia ao lado de uma amiga que toca comigo na orquestra e ela me cutuca fazendo sinal para que eu olhasse para baixo na plateia. Eu não entendi na hora e segui os seus olhos para ver do que se tratava. Bem no canto do banco a direita, tinha um rapaz encolhido olhando timidamente para nós.


- Então Bia, tá vendo aquele rapaz? Ele é meu meio parente. E você está solteira e ele também...


- Oh meu Deus! Você está louca? Eu disse a ela extremamente ofendida. - aquele sujeito ali? Nunca! Não leve a mal, mas não faz o meu tipo... Falei me sentindo extremamente magoada por ela pensar que aquele rapaz feio e franzindo, poderia ser alguém para o meu naipe.


- Ah que pena Bia, não seja preconceituosa. Ele pode ser bem legal. Além do mais, gostaria de ser parente sua...


Até entendo essa parte. Juro. Mas eu? Não poderia ser mais bondoso Deus? Pensei. Não. Ele nunquinha.


- É... pois é... Foi tudo o que consegui responder a ela naquele momento.


Acordei desse sonho me sentindo estranha. Olhei para o relógio e marcava 5:15 da manhã. Mal conseguia mantê-los abertos. Me virei para o outro lado e tentei dormir de novo. Comecei a lembrar sobre a noite passada. Reparei no cabelo dele enquanto ele me contava de suas trilhas que não me interessavam muito. Era incrivelmente negro e liso. Olhando daquele angulo poderia dizer que é extremamente macio. Por um momento senti vontade de... Oh meu Deus!


De repente tudo veio à tona.


As lembranças começavam a chegar como aquelas chuvas de verão, que te enxarcam em segundos.


Aquele estranho sonho não passava de meros flashbacks de lembranças que estavam totalmente escondidas em minha memória. Era ele o rapaz que desprezei quando minha amiga me indicou no ensaio aquele dia. Era ele que uma vez sentou ao meu lado em um banco perto de um lago quando fomos a excursão em grupo. Tenho plena certeza até que naquela excursão chegamos a trocar algumas breves palavras. Mas eu era uma pessoa tão esnobe que consegui minimizá-lo ao máximo a sua existência em minha vida. Me senti tão idiota. Se eu tivesse me olhando no espelho, tenho certeza que enxergaria minhas bochechas queimando de vergonha. Então era isso. Estava no escuro do meu quarto com vergonha de mim mesma e minhas atitudes, e o universo estava se divertindo com as revira voltas que o mundo dá.


Ok universo pode rir. Talvez eu esteja interessada no "nunquinha" que outrora disse. Finalmente consegui dizer isso em voz alta em minha mente. Mas a questão é: seria um interesse mútuo?


Acordei pela manhã e vi uma correspondência endereçada a mim. Tratava-se de uma prima minha falando que ela estava saindo do seu trabalho e que tinha essa vaga aberta caso eu me interessasse. Bom, eu não tinha chance de ser uma musicista profissional e eu não poderia me dar ao luxo de não trabalhar então tratei de me inscrever para a vaga.


Dois dias depois o telefone tocou. Nunca vi ser tão fácil conseguir um emprego. Quinze dias depois eu já estava trabalhando.


Nesses últimos dias, conversava bastante com Thomas. Ele não era fã de leitura, mas gostava muito de outros tipos de arte. Descobri que ele gostava de desenhar. Tinha uma extrema curiosidade sobre seus desenhos, mas sempre conversávamos a distância por causa do trabalho então, ver e querer eram duas coisas completamente diferentes para a minha realidade. Conversar com ele até altas horas da noite pela internet se tornou rotina e aos poucos aquilo se tornou um vício. Quando ele demorava a entrar no chat, me sentia completamente irritada. Hoje era um dia desses. Vi quando seu estatus apareceu online.


- Oi. Comecei


- Oi. Respondeu ele.


- Como foi o seu dia?


- Comprando peças... Fiquei até tarde pintando a lataria do mustang


- Wow, legal! Em parte me senti aliviada em saber que ele estava o dia envolvido com um carro e não com outra coisa...


- Então, vai ficar bonita a caranga? Perguntei.


- Vai ficar maravilhosa! Mas falta muito ainda para ela sair andando...


- Tenha paciência - respondi - no final tudo dá certo.


- Não entendo seu interesse por carros, não é uma coisa normal para mulheres.


Aquela frase me deixou tão irritada que eu poderia muito bem sentir minhas bochechas atingindo um teor escarlate de cólera.


- Pois saiba que uma das minhas paixões são os carros. Na escola eu tinha mania de recortar escondido fotos de revistas que tinham imagens dos lançamentos de carros e colava para colecionar no meu álbum. Não é uma coisa que costumava falar para alguém, mas se alguém tinha que saber, definitivamente, depois dessa era ele.


- Sério? Estou surpreso. Definitivamente você é uma garota diferente das outras.


- Vou supor que isso seja um elogio... Escrevi.


- Sim, e é. Gosto disso. Gosto do seu jeito.


Fiquei sem responder por alguns minutos. Era a primeira vez que ele parecia dar a entender alguma afeição a mim. Mas não queria criar expectativas.


- Fiquei sabendo que tem Bienal na cidade... Você gosta? Começou ele.


Fiquei surpresa de ele puxar assunto, e ainda mais que era sobre a bienal, uma mostra de vários artistas da América do Sul que eu estava me corroendo até o último fio de cabelo de vontade de ir. Senti uma extrema empolgação naquele momento.


- Adoro! Aliás, estava aqui pensando em ir no final de semana


- Eu também, eu queria ir. Ele respondeu.


Eu não me atrevi a escrever nada.


- Nós poderíamos ir né? Perguntou ele.


Eu mal conseguia acreditar no que estava lendo. Um leve tremor inundou meu corpo e me recompus.


- Acho que sim...


- Então vamos combinar durante a semana... Esta tarde agora, preciso dormir, se não vou ser demitido... Ele brinca.


- Hahaha, sim porque eu vou contar tudo para o seu chefe se você chegar atrasado no trabalho amanhã. Escrevi.


Thomas era o gerente do negócio familiar que eles tinham e a ironia de chegar atrasado é que ele trabalhava na sua própria casa.


- Boa noite, eu escrevi.


- Boa noite, ele devolveu com um símbolo de sorriso.


E assim fui dormir, com mil suposições e projeções de como seria sair sozinha com ele para um lugar extremamente cool que tanto queria visitar.


Era estranho esse jogo que eu estava me envolvendo. Na maior parte das vezes ele me chamava para uma conversa, mesmo eu me corroendo de vontade de chamá-lo primeiro, eu esperava. Ele sempre tinha essa mania de começar um assunto me fazendo pensar em algo mais e depois trocava de assunto rapidamente. Ele era como alguém que chega bem perto da sua boca e espera você fazer o resto da aproximação dos centímetros que falta para o beijo. Esse jogo ainda iria me matar.

Capitulo 4, Outono em mim

Outono em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora