Deixei de viver, passei a existir...

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Capítulo 43

— Hey! Porque foi embora ontem à noite? Eu poderia ter te levado para casa… — disse
Augusto um pouco chateado na ligação pela minha saída repentina do bar.
— Ah eu só… Estava cansada e fico mais chata que o normal em momentos assim,
então não quis chatear vocês…
— E aí, pronta para a nossa nova Trip? — perguntou ele claramente entusiasmado com
a ideia trocando de assunto subitamente.
— Acho que sim — respondi indiferente.
— Só mais alguns dias e estaremos lá naquelas praias lindas e paradisíacas! Já
pensou?
— É verdade… — concordei sem muito entusiasmo. Era incrível como Augusto era
alegre. Mesmo sabendo que eu estava um porre, ainda sim ele tinha paciência comigo
e isso me fazia adorá-lo ainda mais. Eu estava deitada na minha cama falando com ele
no celular quando avistei uma caixinha preta no canto do meu quarto no chão e
comecei a sentir um mal estar, uma dor repentina no estômago e eu fiquei nervosa.
— Desculpa Augusto, surgiu algo aqui e vou ter que desligar, depois a gente se fala…
Desliguei o telefone rapidamente sentindo aquela ardência na garganta e ela se
apertando cada vez mais. Achei que não conseguiria mais respirar. Lentamente fui até a
caixa e abri tirando a caneca de dentro.
— Eu nunca sei o que dar para as pessoas de presente… — eu disse a Thomas
enquanto olhávamos uma loja no shopping.
— Eu também não, é tão complicado… — ele pegou uma caneca da mão e ficou
olhando-a. — mas eu tenho uma tática — começou ele — sempre que não sei o que
dar de presente a alguém eu dou uma caneca. É útil, bonito e relativamente barato…
Além do mais, as pessoas adoram canecas, e assim eu me livro da bronca de dar o
presente — terminou por fim.
— Você tem razão, é uma ótima tática. Vamos levar essa para o Ricardo então! —
decidi enfim comprá-la para dar de presente ao meu amigo que estava de aniversário.
Senti a caneca deslizando das minhas mãos e ouvi o barulho dela caindo no chão do
meu quarto me tirando daquela lembrança. A maldita caneca não quebrou porque caiu
em cima do tapete. Juntei ela novamente e coloquei dentro de uma outra caixa que
estava juntando coisas para doação. Eu não queria mais vê-la. Thomas tinha tanto
desinteresse em me presentear que no dia dos namorados nem se deu ao trabalho de
procurar algum presente que significasse algo para mim, algo para… Nós. Ele me
presenteou como qualquer outra pessoa que ele dava uma caneca para se livrar, como
ele mesmo havia me dito uma vez.
Me sentei no chão e abracei as minhas pernas olhando para o nada. Cada flash de
lembrança agora parecia estar me mostrando a realidade que eu não tinha enxergado.
— Eu era um estorvo para ele mesmo, definitivamente — pensei. Segurei forte as
minhas pernas e apertei meus olhos para não chorar, mas as lágrimas já estavam ali.
Ficava pensando se um dia essa dor iria passar. Era como se um grande buraco
estivesse no meu peito e nada pudesse preencher. Não lembro exatamente o momento
em que deixei de viver e comecei apenas a existir, mas sei que ainda me encontro
nesse limbo. No começo pensei em me matar, depois eu queria o ver bem, e agora tudo
o que me sobrou foi a raiva e o arrependimento por ter conversado com ele a primeira
vez. Não fosse aquele maldito dia em que ele sentou ao meu lado, tudo isso não estaria
acontecendo agora. Tomava paracetamol o tempo inteiro e sonhava com o dia em que
toda essa dor iria passar, mas nenhum remédio nem nenhum dia teve o poder de
terminar com a minha dor sem fim. Eu era como aquela teoria da caneca dele, fácil de
comprar e de se livrar do problema.
Os dias passam diante dos meus olhos vagarosamente, e eu só sentia vontade de
dormir. Quando chegava em casa do trabalho, logo ligava a TV e colocava em algum
canal em que estivesse dando algo engraçado porque eu simplesmente às vezes me
dava ao luxo de fingir que tudo estava bem e de que não estava doendo; e quando tinha
aula, prestava atenção redobrada no professor e tive excelentes notas devido a tanta
dedicação. Mas às vezes, só às vezes, me pegava pensando nele.
Era a coisa mais difícil no mundo, tentar conter o choro em meio de várias pessoas no
bar da faculdade, da sala de aula ou até mesmo na hora de jantar com a família ao
lembrar do lugar da mesa em que ele costumava sentar. Tudo doía, do mais simples
gesto, ao perfume idêntico ao dele que passava na rua sendo usado por algum
completo desconhecido. Tinha a sensação de que a minha vida parou desde aquele
instante que o vi entrar naquele carro e agora eu parecia aquelas pessoas sem nenhum
rumo. Várias vezes quando saía do trabalho, andava por ruas perdida em pensamentos
e nada nem ninguém conseguia me tirar deste estado de entorpecimento. O outono
fazia parte de mim agora.

Capítulo 43, Outono em mim

Outono em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora