Outono em mim

Não é porque o sol esteja longe que signifique que ele não queime

Capítulo 14

Querido D,

Às vezes a vida me engole. Hoje em vários momentos me passou frases e pensamentos na qual eu gostaria muito de escrever e deixar gravado para não esquecer. São momentos tão ímpares, tão extintos assim como ver beija-flores na rua.

Mas não tinha como, era horário de trabalho. É o sistema...

Hoje vi ele, conversamos e não tremi, não fiquei tensa, mas cada movimento seu era detectado por mim inconscientemente. Porque há muito dele ainda aqui dentro, eu não queria, mas tem. Mas como eu poderia matar ele dentro de mim? Isso não seria um suicídio?

Depois daquele passeio na serra, encontrei o Thomas em uma reuniãozinha que a maioria dos jovens da minha cidade costumava fazer para se encontrar, cada um levava um prato de comida, bebida, um violão e pronto: já estava feita a bagunça. Ficávamos bagunçando até algum vizinho nos denunciar pelo barulho.

Após algumas musicas e conversas com outras pessoas que estavam ali, nós conversamos e logo no começo quase me denunciei, pois estávamos falando sobre coisas aleatórias de mim (o que é estranho, pois ele quem perguntou sobre mim, sobre o que eu estava fazendo e etc)e era uma curiosidade no mínimo esquisita. Mas eu estava pouco a pouco me acostumando com esses dias loucos.

Só que de repente no meio daquela conversa surgiu uma necessidade de saber dele, de como ele estava, se todos esses meses em que nós não nos falamos ele se cuidou, se está com saúde, se está feliz... Como toda a pessoa que se importa com alguém e quer apenas ver ela sã e a salvo de tudo e qualquer coisa que possa lhe ferir. Mas algo terrível aconteceu... Meus pensamentos estavam gritantes demais na minha cabeça.

- Você está bem?

- Sim, por quê?

Claro, como assim você está bem? Que idiota, claro que está, já estamos conversando há minutos e conversamos uns dias atrás na viagem!! Aaaa sua estúpida! Porquê você fez isso? De onde veio isso? Mas que...

A denúncia foi feita pelos meus próprios lábios, meus pensamentos me traíram e mostraram a ele nada sutilmente que eu ainda me importo.

Por quê a vida não é mais fácil? Por quê relacionamentos são tão complexos? Por quê temos que fazer o contrário do que queremos? E se nós tivéssemos um mecanismo diferente onde jamais mentiríamos e sempre fosse os sinceros? Será que isso resolveria? Se você vai na casa de alguém e te oferecem um café e está delicioso e te oferecem para tomar mais, mas você acha chato tomar uma segunda vez então você declina. MAS NÃO É O QUE VOCÊ QUERIA de verdade. Funciona mais ou menos assim a vida. É basicamente assim os relacionamentos com as pessoas.

Depois desse momentos estranho, continuamos conversando normal até altas horas da noite e eu me despedi de todos, inclusive dele. Eu queria voltar sozinha.

Eu não quero ficar presumindo coisas dele como da outra vez. Passou a segunda-feira e ele sumiu de novo. Na terça-feira decidi que se ele ainda se importasse comigo, ele lembraria do dia do passeio quando estávamos voltando da serra à noite e falávamos dos nossos livros prediletos e eu comentei a ele um título que eu tinha vontade de ler e ele disse que tinha o livro e me ofereceu emprestado para eu ler. E eu não iria ficar esperando o livro emprestado dele, quem dirá uma vida. Se Thomas não se lembrou de me levar um simples livro na minha casa, ou no trabalho ou até mesmo por um amigo! Então quer dizer que eu não sou uma prioridade, um pensamento diário digno de sua atenção. Não sou o que eu gostaria de ser para ele e tenho que aceitar enfim isso e seguir em frente. Por mais que doa. É difícil querer ir para frente quando o seu coração insiste em ficar olhando para trás.

Capítulo 14, Outono em mim