Quando o silêncio diz tudo

72 3 0
                                    

Capítulo 50


Exausta. Essa era a palavra que me definia após 10 horas de caminhada na trilha dos


cânions. Apesar de estar cansada, me sentia em um estado de realização e de


liberdade. Estar naquela floresta me fez pensar com mais clareza as coisas, eu estava em uma profunda paz de espírito naquele silêncio natural ouvindo apenas o barulho dos

meus próprios passos e folhas balançando.

Na volta quando estávamos dentro do ônibus, estava com a minha cabeça sobre os ombros de Augusto e comecei a pensar em algumas coisas que até o momento estava


evitando. Eu sabia que em algum momento chegaria a hora em que eu não poderia


mais continuar fugindo das coisas, eu teria de enfrentá-las, mas para a minha sorte,


faltava apenas uma semana para a minha viagem a L.A.


O demasiado cuidado que Augusto tinha comigo e o tanto de carinho que fazia em mim deixava difícil alguém acreditar que éramos apenas amigos, e às vezes eu me sentia em uma profunda intimidade com ele que eu mesma esquecia disso. Estar com ele era tão natural como respirar, mas havia um enorme buraco no meu peito e Thomas permanecia em mim. Ele havia ido embora fisicamente, mas continuava aqui


impregnado na minha alma, no meu coração. Não conseguia imaginar amando outra pessoa, eu só... Não conseguia.

Tinha para mim que um sentimento intenso e profundo é sentido apenas uma vez na


vida, e depois os outros que se seguem são apenas genéricos. Nada é tão forte e bom


como o primeiro. E eu conseguia perfeitamente achar que jamais amaria alguém como


amava Thomas.

- Bom acho que é isso... Foi muito legal o final de semana... - eu disse para


Augusto que tinha acabado de me ajudar com as malas na porta da minha casa.

- Eu me diverti muito esse final de semana também... - ele disse.

- Bom, tirando a noite em que não lembro quase nada, eu também me diverti muito...

Augusto sorriu para mim e baixou a cabeça olhando para os pés. Eu sorri também e


fiquei chacoalhando as chaves nervosamente. Fiquei imaginando se aquela risada por baixo do fôlego era sobre alguma cena que eu fiz e que ele não tinha me contado.

- Bia, eu preciso te dizer uma coisa...


De repente o ar mudou e o semblante dele também. Imediatamente fiquei tensa. Eu não estava preparada para isso, aliás, isso não era para estar acontecendo. Não agora.

- Não! - o desespero tomou conta de mim, eu não queria que ele falasse as palavras,


ele iria estragar tudo. Eu precisava de Augusto desesperadamente e depois de ele falar o que eu pensava que iria, tudo ficaria complicado e o drama não demoraria muito a chegar.

- Não o quê? - Augusto perguntou confuso.

- Não tem nada o que falar.

- Sim Bia eu tenho, e preciso dizer de uma vez antes que eu me engasgue com isso.

- Não faz isso, não estraga tudo! - implorei.

- Eu não quero estragar nada!

- Você... Por favor!

- Bia eu...

- Não! Não...

- Eu.. Eu te amo.

Fiquei paralisada olhando para ele e tenho a leve sensação de que deixei cair as


chaves. Olhei para baixo nervosa e verifiquei que estava certa. Desajeitada, eu e ele nos abaixamos na mesma hora e quase batemos com a cabeça, mas eu tinha uma


sensibilidade muito boa e levantei rapidamente sem causar o acidente eminente.

- Huh... Eu preciso ir... - eu disse apressada pegando uma das malas no chão.

- Bia, você não vai dizer nada?

- Eu disse para você não fazer isso! Que droga! - gritei furiosa e respirei profundamente tentando pegar o máximo de ar possível e soltei cansada.

- Que droga! Que droga Augusto! Porque tudo tem que ser tão complicado? Por que


você fez isso comigo?

- Isso o quê? Bia, não estou entendendo!


Não era para você me amar! - comecei a empurrar ele dando leves socos no seu peito e logo as lágrimas já estavam descendo no meu rosto.

- Bia o quê? - Augusto ficou sem ação recebendo meus socos no seu peito duro e


definido.

- Vem aqui... - ele me abraçou mesmo eu relutante tentando ainda dar socos nele,


mas ele era muito mais forte que eu então acabei desistindo e fiquei ali chorando no


abraço apertado dele sem conseguir me mexer.

- Tá tudo bem Bia...

- Eu não tenho nada para te oferecer Augusto... - falei gemendo com a voz trêmula em meio ao choro.

- Eu sei Bia, tá tudo bem.

- Ele levou tudo que tinha de mim...

- Calma, não precisa falar nada... - Augusto percebeu que eu tinha parado de bater nele e me soltou levemente para conseguir acarinhar a minha cabeça com uma das suas mãos.

- Eu vou estar sempre aqui para você...

Eu ouvia cada palavra dele e me doía estar nesse estado, porque eu era vazia. Chorei


porque tinha raiva por Thomas ter levado a melhor parte de mim e agora só restava
essa coisa sem sentido e sem uma perspectiva de melhora. Chorei porque eu não merecia Augusto. Ele merecia alguém inteiro, e eu jamais conseguiria ser essa pessoa para ele. Chorei porque eu precisava dele mais do que qualquer uma, mas não poderia prender ele para sempre. Eu precisava deixá-lo ir, mas ele era tudo o que eu tinha, tudo o que estava me mantendo viva.

.- Eu sou como um carro quebrado Augusto... É como um carro condenado a


demolidora... - disse sendo completamente sincera agora um pouco mais calma e


limpando as minhas lágrimas. Como explicar a alguém que não tem solução, que você não enxerga nada a não ser a dor, que você sabe que não existirá ninguém que possa fazer você voltar a ser o que era nem a capacidade de fazer ninguém feliz?

- Gosto de desafios...

Eu ri em meio as lágrimas e senti ele rindo também, embora não pudesse ver. Augusto me soltou e sorriu para mim. Olhei nos olhos dele em silêncio e me despedi. Era como se o silêncio explicasse o meu "sinto muito" para ele e o silêncio dele falasse que "entendia" para mim. Talvez fosse a melhor conversa que poderíamos dar um ao outro


naquele momento e que, inconscientemente, o corpo tinha achado uma maneira de explicar para ambos com o olhar.

Capítulo 50, Outono em mim

Outono em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora