A estação fora embora e tu junto com ela

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Capítulo 42



- Assim é melhor...



Thomas estava mexendo na minha mão e quando avistou o meu anel de ouro, girou para baixo as pedras e deixou para cima a parte lisa fazendo com que parecesse agora uma aliança. Eu sorri para ele de volta.



- Você acha? - perguntei feliz.



- Sim, tem que ser assim nesse dedo. Liso.



Nós rimos um para o outro e nos beijamos calorosamente. Ele se deitou no meu colo e eu fiquei com as minhas mãos descobrindo cada centímetro do seu rosto, fazendo círculos com o dedo sobre a sua barba e os caminhos que cada pêlo fazia. Segui contornando o desenho no seu pescoço que formava um redemoinho e beijei levemente com meus lábios cada pedacinho do pescoço dele. Era bonito ver aquela bagunça em que a sua barba crescia. Ele me puxou para baixo para que eu continuasse ali perto dele e fechou os olhos parecendo estar gostando. Era tão bom sentir-se amada e saber que eu estava no futuro dele. Eu me sentia tão aquecida nos seus braços. O tempo parecia ter parado para mim ali no quarto dele com a sua cabeça no meu colo sentada naquela cama.



Em um lapso de tempo em que abri a minha caixinha de jóias e pus meu anel, entrei em um estado de delírio lembrando daquele dia em que Thomas começou a virar o meu anel toda vez que via a pedra para cima. Aquela foi a primeira vez de muitas em que ele repetia essa cena virando o anel para parecer que éramos casados. Doía olhar para o meu anel agora. Fiquei revirando ele enquanto lembrava daquelas memórias que pareciam ser á muito tempo atrás. Senti uma fisgada no peito e os meus olhos se estreitaram em uma tentativa de segurar a próxima enxurrada de lágrimas que queriam sair desesperadamente de mim. Contive o choro, essa foi por pouco. A minha garganta ficou doendo por segurar.



O que deu errado? Ele sempre falava essas coisas para mim, sobre um comprometimento maior, demonstrando que queria mais, mas eu não entendo como tudo isso virou um grande talvez subitamente. Mesmo quando eu permanecia cuidadosa quando ele comentava essas coisas sobre o futuro eu tentava sempre manter minhas expectativas baixas, mas ele sempre continuava naqueles sonhos e delírios do que haveria de vir. E mesmo com todo esse zelo que tive, cada memória que tenho das coisas que ele disse, mesmo não querendo, me pegava sonhando um pouco com ele. Entrava desapercebida naqueles devaneios e imaginava eu e ele na varanda olhando para a rua abraçados. Eu tinha as vezes esses minutos de imprudência. E agora cada lembrança que vinha, cada sonho que sonhamos juntos, parecia como se eu tivesse levando uma surra.



Surra.



É irônica essa palavra. Quando a ouço sempre acho que alguém foi agredido e que está com no mínimo, um olho roxo. Mas existem tantas formas de bater em alguém sem realmente fazê-lo sangrar não é mesmo? Eu estava cheia de hematomas, e cara, se houvesse médicos de corações partidos acho que o doutor diria que o meu quadro estava bem feio. O que sentia era mais para uma hemorragia interna, aquela que vai te matando por dentro, e ninguém percebe porque por fora aparentemente está tudo ok, tudo perfeitamente normal. Sentia como se cada folha das árvores que caíam lá fora levassem também cada vestígio de que o verão tivera por aqui e cada pedacinho de que "nós" realmente existiu.



Ele se foi assim como o verão e levou consigo todas as respostas. Eu tinha vontade de perguntar a ele se todos aqueles planos eram mentira, se todas aquelas palavras ditas eram só para me iludir e brincar um pouco mais comigo. Se alguma coisa do que tivemos fora real, mas eu já não poderia mais fazer isso. Eu que sempre tive tanto cuidado, alertava as pessoas dos perigos de se acreditar nos homens e até mesmo fugia de estereótipos suspeitos de serem jogadores, de nada adiantou, eu fui só mais uma das garotas no mundo fatalmente machucada e iludida por um cara. E agora eu sabia qual era o significado de ser enganado. Eu, que sempre me achei tão esperta, não tive poder contra o amor. Ele fez gato e sapato de mim, e pior, com o meu consentimento. Agora entendo esse negócio de parecer idiota quando se ama alguém. É como se entrássemos em um estado de demência, não conseguindo discernir a verdade e a mentira achando o bem em tudo e em todos. Agora conseguia enxergar com mais clareza, a frieza dele, a falta de atitude, de carinho nos últimos dias, a indiferença em me ver em silêncio.



Embora eu saiba que fui uma completa imbecil em alguns dias que estivemos juntos, nos últimos momentos eu lutei, tentei puxá-lo para mais perto, eu achava que éramos como uma âncora, mas percebi que não passávamos de um laço. E o laço que me ligava a ele era frágil de mais, já se tinha arrebentado antes que eu pudesse perceber. Fechei a caixinha de jóias e quando olhei para frente, dei de cara com o espelho. Eu me olhei no reflexo e desprezei cada parte de mim. Eu despertava repulsa nas pessoas. Eu não era capaz de encintar o amor em alguém. Eu tinha a consciência de que eu o tive, mas não tive a competência de mantê-lo por perto, de ser boa o suficiente para fazê-lo ficar. E eu teria que viver com isso o resto da minha vida.



Quando ele disse que não dava mais, o que eu iria fazer? Dizer para ele ficar? Dizer para ele me amar? Eu sabia que eu não era tudo isso. Eu não valia tanto assim para querer barganhar com alguém, disso eu tinha a consciência.



A pior sensação do vazio é saber que você foi rejeitado como quem vai em um buffet de sorvete e prova um sabor e depois de não gostar, apenas empurra para frente o copinho e diz que não quer mais. Eu era aquele copinho. Era a pior coisa do mundo, saber que talvez você não é capaz de fazer alguém ficar, ser sempre a pessoa que vê os outros indo embora e perceber que eles não têm a menor intenção de voltar. Eu estava parada em pé de frente para o espelho girando o meu anel ponderando em fazer o maior ato covarde da minha vida. Por minutos fiquei olhando os meus pulsos. Fiquei imaginando se eu conseguiria aguentar ver o sangue escorrendo de mim. Foi quando o telefone tocou e eu sai daquele estado de coma. Era a Annie me convidando para sair e comer alguma coisa com uns amigos. Eu topei. Fazia dias em que eu não saía do meu quarto. Até nisso eu era ruim, eu era egoísta de mais para me matar. "Oh meu Deus, estou ficando louca, nem acredito que acabei de pensar nisso" pensei. Eu precisava desesperadamente esquecer por pelo menos alguns minutos essa dor. Precisava de algo que fizesse isso parar.



Cheguei lá timidamente, e eles me olhavam com certo receio, como seu eu fosse quebrar a qualquer momento, com alguma palavra dita ou algo do gênero. Tentei manter a máscara, fiz algumas piadas e eles riram surpresos,e no final das contas acho que fiz um bom trabalho. Augusto estava lá. Foi então que surgiu uma ideia no meio da conversa.



- Vamos para a Bahia!



- O quê? - Annie perguntou.



- É... vamos sair, faz tempo que não viajamos todos juntos! Vai ser legal! Ricardo começou.



A princípio eu fiquei em dúvida, mas depois achei genial. É aquele ditado, viaje para esquecer, viaje para lembrar, viaje para fugir e viaje para se encontrar, não importa, apenas viaje. E eu precisava desesperadamente de algo que me distraísse dessa dor. Começamos então a planejar o dia e roteiros de lugares para conhecer. Ouvia eles falando como murmúrios porque eu já não estava mais ali. Fui pegar uma batata frita para comer e me lembrei que sempre pedíamos a mesma coisa: ele pedia batata frita e hambúrguer de bacon e eu pedia milk shake de chocolate e mais alguma coisa qualquer. Eu não me importava muito com o meu pedido porque acabava sempre roubando as batatas fritas dele. Aquela batata na minha boca parecia uma borracha quando me veio esses flashes do passado. Tentei engolir, e quando finalmente consegui, sentia ela descendo até a boca do meu estômago. Despedi-me de todos e fui para casa. Vi um cachorro deitado na calçada parecendo uma bola e tremia com o vento. Me abaixei e fiz carinho na sua cabeça e ele abanou o rabo em retorno. Naquela noite eu não tinha nenhuma diferença daquele cão, nós éramos iguais. Não pertencíamos a ninguém.



Capítulo 42, Outono em mim



Outono em mimOnde histórias criam vida. Descubra agora