Capítulo LV

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Killian imaginou que sentiria alguma espécie de satisfação enquanto observava o último resquício de seu meio crime, e erro, queimar até não ser nada além de um punhado de cinzas. Mas o sentimento nunca veio. O fogo não conseguiu destruir o que ele tinha feito, da mesma forma que fez com as palavras que o condenavam.

Quando o último papel queimou, o capitão tinha quebrado uma das regras principais de não mexer com fogo durante uma tempestade e ainda assim continuava sozinho em sua cabine, longe de Emma e da criança deles, com a certeza de que havia partido seu coração. A ausência dela lhe causava um mal-estar físico. Era como se seus pulmões tivessem parado de funcionar e ele mal conseguia respirar. Ele queria estar enroscado nela, como sempre ficava todas as noites. Queria o calor e o cheiro. A sensação macia da pele dela. Queria seus sorrisos.

Olhou para a cama ainda desarrumada, que mantinha a presença dela ali, e se arrependeu por ter dado um dia inteiro para que ela pensasse. Emma sempre tinha o dom de deixar seus pensamentos levá-la para o outro lado do que Jones queria dizer. Ele achava que já tinham superado isso, que agora ela acreditava que o amor que sentia era real e só dela.

Maldição, Emma sabia o tempo todo que ele era seu guerreiro. Não havia dito com todas as palavras, mas havia ficado claro pela forma que tinha expressado.

Você me traiu antes mesmo de me conhecer....

Então por que custava tanto para ela acreditar que ele estava arrependido? Por que custava a continuar confiando nele?

Por que o afastou?

O barulho de passos no convés o tirou dos pensamentos melancólicos. Amanhã pela manhã iria até a casa da irmã e não sairia do lado de Emma mesmo que ela ordenasse que ele fosse embora.

Os dois tinham um compromisso. Não importava que tivesse sido feito simbolicamente em frente de uma lareira da casa de Belle. Ele tinha jurado protegê-la e amá-la e era isso que iria fazer. Quando ele provasse com gestos e maldição estivesse quebrada, Emma saberia que tinha sido verdadeiro e seriam felizes.

Levantou-se e sentiu as articulações reclamarem do movimento repentino após tantas horas em uma mesma posição. Killian esperava que ao ficar parado não doesse mais do que já estava, mas foi uma tola ilusão. Era como se um buraco negro estivesse se abrindo em seu peito de pouquinho em pouquinho, consumindo-o. Ou como se ácido estivesse gotejando em cima de seu coração, corroendo-o lentamente.

O barulho da água sendo pisoteada pelas botas do capitão ecoou na cabine. E ele olhou com desgosto para a piscina rasa que se formava ali. O certo seria que tivesse ido se hospedar em uma estalagem como Landon havia feito. Mas a ideia de ficar em um quarto escuro e gelado, sozinho, o atormentava mais do que estar ali, sendo chacoalhado de um lado para o outro e com água vinda dos conveses entrando por debaixo da porta.

Naquela cabine bagunçada e molhada ainda existia vestígios de conforto. A pintura dele que Emma havia feito estava cuidadosamente colocada no alto para que não se estragasse com a água. Ele ainda a penduraria no escritório da casa deles e contaria aos filhos sobre o retrato feito pela mulher que entrara para a sua tripulação. Talvez floreasse a história e deixasse de fora a parte do trabalho e das mentiras. Contaria para eles sobre a mulher que fugira com a sua tripulação para escapar de um casamento que não queria e que no fim pilhara o coração do capitão para si. E que essa mulher estava na cozinha, preparando o jantar.

Em sua cabeça conseguiu visualizar a casa simples, mas aconchegante que morariam. Em sua cabeça a viu correr em sua direção ao fim do dia quando ele chegasse em casa após o trabalho, que Killian ainda descobriria qual seria quando deixasse de ser um pirata, e abraçá-lo. Ele a envolveria, morto de saudades e logo seus filhos se juntariam ao abraço de boas-vindas. Viu a sala à luz da lareira e Emma sentada ao chão, com um vestido simples e cabelos soltos, rindo com os filhos enquanto brincavam de desenhar. Então eles os colocariam na cama. Ele iria contar uma história de ninar enquanto Emma se preparava para dormir. Quando as crianças tivessem pego no sono, deixaria um beijo em cada testa — era isso que os pais faziam, não? — e iria ao encontro de sua esposa.

Traiçoeiro (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora