Emma não conseguiu pregar os olhos a noite inteira.
Ela havia tentado. De verdade. Se virou de um lado para o outro em sua cama, tomando cuidado para não acordar Granny que roncava baixinho ao seu lado. A jovem estava alerta para todo e qualquer som que vinha de fora. Sua mente se recusava a entrar no tão desejado estado de inconsciência. Uma pressão cada vez maior crescia em seu peito e ela tinha impressão que alguém a vigiava da escuridão.
Puxou a coberta até o queixo para, em seguida, cobrir a cabeça e encolher os pés até que estivesse desconfortável. Era ridículo como estava se comportando como uma criança. E mais ridículo ainda como se sentia protegida de baixo da coberta.
Até que o ar começou a faltar e Emma precisou colocar a cabeça para fora, tomando cuidado para permanecer com os olhos bem apertados como se assim evitasse de ver algo horrível.
A questão é que ela estava abalada e com adrenalina demais com todos os acontecimentos estranhos da noite. O vento repentino e o silêncio que o seguiu. O homem terrivelmente perturbador em sua escada. O desespero de seu pai.... O pingente encontrado e a fala de Granny.
Sentiu uma mudança na atmosfera, como se ela se tornasse mais leve e menos densa. Abriu os olhos o mais lentamente possível e quando percebeu que um ponto luminoso começava a surgir no horizonte, Emma finalmente aceitou que era inútil continuar na cama e se levantou cuidadosamente. Envolveu-se no roupão e calçou as pantufas. Apertou os dentes com o frio que sentiu assim que saiu da cama quentinha. Não via a hora do inverno chegar ao fim e ter os longos dias de calor de volta.
A casa ainda estava no costumeiro silêncio matinal. O ar era fresco. A luz cinzenta que vinha de fora preguiçosamente começava a se esgueirar para ocupar a escuridão. Na cozinha, alguns criados já começavam seu dia de trabalho.
Emma os cumprimentou com um aceno de cabeça e um murmurado "bom dia". Eles continuaram seus afazeres, acostumados com a presença da jovem ali, em momentos variados do dia. Ela gostava de cozinhar quando se sentia triste, inquieta ou quando algo a incomodava. Achava terapêutico poder dedicar sua atenção a alguma coisa capaz de limpar todos os outros pensamentos. Ali na cozinha ela precisava de toda a sua concentração para que o prato saísse o mais comestível possível.
Sorriu de leve ao lembrar como sua mãe odiava encontrá-la ali. Cora havia inclusive ordenado que a cozinheira parasse de ensiná-la, – com a ameaça de que a mandaria embora – afinal uma dama não deveria saber fazer sua própria comida se havia criados para que a preparassem. Contudo Emma continuou com seus testes por conta própria, no meio da madrugada, quando estavam todos dormindo, até que uma vez quase havia colocado fogo na casa se não fosse por seu pai encontrá-la. Após esse episódio, Henry e Cora, muito relutante, concordaram que ela poderia aprender a cozinhar como passatempo.
Ao seu redor, enquanto se concentrava na massa do bolo de laranja que preparava, a cozinha tornava-se mais viva a cada minuto. A cozinheira em determinado momento havia parado ao seu lado e elogiado seu trabalho. Apesar da movimentação de criados, Emma havia sido deixada sozinha em uma mesa, como se eles não pudessem chegar perto dela. Na hora de colocar o bolo no forno, um dos criados se precipitou para fazer isso por ela, como se fosse um absurdo que se abaixasse e chegasse perto do fogo.
Engoliu a irritação que sentiu e apenas se limitou a agradecer. Então, escolheu um dos bancos da cozinha e se aconchegou por ali, satisfeita por estar sendo envolvida pelos diferentes aromas que eram criados no ambiente e pelo calor acolhedor dos fogos que lentamente cozinhavam os alimentos. Puxou o caderninho de desenhos que estava no bolso do roupão e começou a folheá-lo, distraída. Seu último esboço era de duas noites atrás, da imagem que havia tido de seu quarto, os mastros do navio furando a densa neblina que se abatera sobre o mar. Virou para a próxima página em branco e ficou encarando-a por alguns minutos. Enfiou aos mãos nos bolsos, procurando o pequeno lápis que sempre deixava junto do caderno e começou a rabiscar, formando o rosto do homem detestável da noite passada.
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Traiçoeiro (Em Revisão)
FanfictionHouve uma época, em que os homens não lutavam por poder e que apenas o divino regia sobre os planos. Todos viviam em harmonia. Nada além da paz era conhecido e cultivado. Até que o ouro roubado, por aquele que abriu mão do amor em troca de possuir t...