Após uma semana, - Emma estava contando – ela tinha plena certeza que não havia nascido para aquela vida. Todas as noites, recusava o jantar e caía dura em sua nojenta rede e ia até o dia seguinte,- em um daqueles dias, não havia escutado o sino indicando o início de mais uma manhã de trabalho e fora acordada com a cara no chão quando um de seus companheiros achou boa ideia despertá-la virando sua rede com tudo. O gosto de sangue invadiu sua boca quando sentiu uma dor excruciante na língua e reprimiu o grito de raiva. Então percebeu que comportamentos como aqueles eram comuns dentro do navio. Os homens estavam constantemente trocando agressões "pacíficas" que Emma odiava com todas as forças, principalmente quando ela era o alvo. Não tinha um trecho de pele em seus braços que não estivesse roxo das brincadeiras. Havia um corte em sua sobrancelha direita e no canto esquerdo da boca, resultados do "companheirismo" dos marujos.
Na maior parte do tempo, Emma estava exausta e irritada demais se preocupando com o que aconteceria caso alguém descobrisse sua identidade. Mesmo que ninguém até aquele momento tivesse desconfiado, - e a jovem não conseguia evitar de se sentir apreensiva ao estranhar esse fato – ela passava todo o minuto pensando no que faria caso – ou seria uma questão de quando? – fosse descoberta, apesar de tudo indicar que isso não aconteceria tão cedo.
Pouco importava que seu couro cabeludo coçava a ponto de deixá-la louca dentro da touca que não tirava por nada, - não queria nem imaginar o estado que estaria o que restou de seu cabelo para não cair na tentação de chorar mais – seus seios doíam por estarem esmagados há tanto tempo e, em um momento que conseguiu ficar sozinha, ao estudá-los, percebeu que pequenas feridas começavam a surgir na pele irritada. Porém se isso era o que a manteria "segura", aguentaria o quanto fosse necessário.
Naquela manhã a jovem já estava deixando os ovos na cozinha para o Cirurgião, - aquela era sua primeira tarefa diária, pegar os ovos das galinhas que ficavam no convés inferior e levá-los para o cozinheiro – que a cumprimentou com um bom dia animado, como sempre fazia, mesmo que toda a resposta que tivesse era um sorriso desanimado por parte dela. A jovem evitava o máximo falar e quando era necessário soltava uns muxoxos incompreensíveis. Seus companheiros já haviam desistido de importuná-la ou de ter uma simples conversa, porque Emma simplesmente ignorava qualquer provocação ou tentativa.
Sua segunda tarefa diária, era a que ela mais detestava. Tinha certeza que preferia limpar o porão com a língua, - certo, talvez fosse um pouco de exagero – mas ela tinha vontade de chorar de desgosto toda vez que batia na porta da cabine do capitão para deixar o seu café da manhã – que era melhor que o que ela era obrigada a comer –, e o jeito que o homem a olhava fazia seu sangue ferver de raiva, a indiferença acompanhada do olhar zombeteiro como se estivesse se divertindo horrores a fazia querer cuspir em sua comida ou arranhar toda a sua cara para tirar aquele sorrisinho torto que insistia em exibir sempre que seus olhares se encontravam. No restante do dia, não era obrigada a ter que lidar diretamente com ele, mesmo assim, em alguns momentos em que estava trabalhando, sentia-o estudando-a atentamente.
Então após o seu café da manhã, que ela preferia não refletir muito sobre o que era e só se limitava a engolir e ouvir a conversa dos marujos, evitando todo e qualquer contato visual.
—Eu juro para você que vi uma figura feminina caminhando entre as redes noite passada. – ouviu de um de seus companheiros, que mantinha a voz baixa, como se estivesse com medo. —E ela soava melancólica. Implorava sem parar para que a ajudasse voltar para a casa.
Isso atraiu sua atenção e ela sentiu o corpo enrijecer.
—E como ela era? Um fantasma bonito pelo menos? – zombou outro com a boca cheia, tirando um coro de risadas dos homens que ouviam a história.
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Traiçoeiro (Em Revisão)
FanfictionHouve uma época, em que os homens não lutavam por poder e que apenas o divino regia sobre os planos. Todos viviam em harmonia. Nada além da paz era conhecido e cultivado. Até que o ouro roubado, por aquele que abriu mão do amor em troca de possuir t...