Capítulo XIII

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O sangue pareceu ter sido drenado do corpo de Emma enquanto ela encarava a caligrafia tão conhecida de Cora. Olhou em volta, imaginando que tipo de brincadeira sem graça era aquela que estavam fazendo. Será que aquilo era obra de seu pai? Algo que Cora havia deixado escrito para caso algo acontecesse com ela e fosse entregue no futuro para Emma?

Com dedos trêmulos desdobrou o papel, um bolo crescendo em sua garganta. Tinha medo do que encontraria ali. Congratulações por ter encontrado alguém que a quisesse apesar de sua aparência que Cora tanto detestava? Mais dicas de como ser uma boa mulher, recordando-a que quanto mais ficasse de boca fechada era melhor?

Abaixou a folha, sem ter certeza de que conseguiria ler as palavras. Estava há um ano sem ser atacada por elas. Um ano sem os ataques de sua mãe. Será que ela não era capaz de deixá-la em paz nem mesmo depois de morta?

—Quanto mais rápido eu ler, mais rápido poderei me livrar disso. – constatou com ansiedade. E com uma energia que não sabia de onde havia tirado, respirou fundo, aproximando-se do castiçal. — Você não pode me atingir mais. – recordou-se.

Ao menos ela esperava que não.

Querida filha,

Antes de dizer o que preciso, tenho algo a pedir: esta carta não deve de forma alguma chegar até seu pai. Se decidir por ignorá-la, por favor, queime-a assim que terminar de ler e esqueça que algum dia a viu.

Sei bem que uma carta minha é a última coisa que esperaria encontrar ou que gostaria de ter com que lidar se estiver passando por um momento difícil, como imagino que está. Posso estar errada, não seria a primeira vez, e talvez não vá acreditar em mim – não a culparia se não acreditasse, nunca dei motivos para que sua confiança fosse forte o suficiente em mim, sei disso – mas precisava tentar e vou apelar para o seu bom e doce coração para me dar esse voto de confiança.

Estou há um ano longe de casa. E fora de sua vida. Você e seu pai provavelmente choraram e viveram o luto. Sinto muito que tenha tido um ano perdido, tendo que se esconder dentro de casa e honrar minha memória.

Mas você não sabe tudo o que aconteceu. E eu não podia tentar contatá-la antes que fosse seguro. A ignorância pode ser uma benção para a sobrevivência, mas isto não é viver, por esse motivo decidi mesmo assim contatá-la, apesar dos riscos.

Seguro do quê?, você deve estar se perguntando.

Seguro para nós, Emma. Sei que o que todos sabem é que eu desapareci durante uma tempestade, mas não foi bem assim que aconteceu. As coisas entre seu pai e eu não estavam boas há muito tempo. Eu sentia que Henry me sufocava e eu queria mais da vida, e queria que você também tivesse mais que o mesmo destino que o meu. Não fui uma boa mãe para você, sei disso, mas como poderia se eu nunca quis a vida que levava em Atabilifen? Você era um constante lembrete do que o destino supostamente tinha reservado para mim. Um casamento sem amor, uma filha que eu não queria.

Claro que nada disso era a culpa sua e conforme você ia se tornando uma mulher comecei a perceber isso. Meu erro em tratá-la do jeito que tratei, me fez começar a procurar meios de tentar mudar isso, o seu destino também em um casamento sem amor exigido por nossa sociedade. Foi quando Henry descobriu. E ele decidiu que eu era uma ameaça para a preciosa garotinha dele e que precisava desaparecer. E ele tentou. Ele só não contava que eu seria mais esperta. Sei que na sua cabeça ele é o melhor pai do mundo. Henry ensinou a você, coisas que outros pais não ensinam as suas filhas. No entanto, apesar de todas as exceções, seu pai infelizmente é como muito dos homens que acredita que nossa única função é estar dentro de casa, dando continuidade à uma linhagem. E sei que é isso que ele deve estar cobrando de você agora que não é mais criança. Que encontre um marido e aceite seu destino.

Traiçoeiro (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora