- 18 - Coisas Banais

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Luisa narrando
...

Há momentos em sua vida que você acha que está bem ou tenta se convencer que está. Você ignora os sinais ruins que seu corpo te manda como se não fosse nada de mais, como se já não fosse mais novidade. Isso é um problema, você sabe que é, mesmo assim você não é capaz de admitir em voz alta, e você não é capaz de fazer algo pra resolve-lo. Por que vai passar. Sempre passa, mas também sempre volta. E é o mesmo sentimento, e te destrói todas as vezes. Nao importa o quanto você tente ignorar.

16 anos com a própria morte forjada não é fácil, só porque não reapareci não significa que não foi porque eu quis, há mais fatores, fatores importantes que temos que considerar, há sentimentos envolvidos. 16 anos sobrevivendo a todo ano como se fosse o último é uma grande luta. Tive que me organizar, escrevi diários contando cada ano que eu passava, todas minhas frustrações e meus sentimentos, toda a confusão que habitava dentro de mim em diários.

Fiz pastas explicando detalhadamente como comandar minha máfia e minha empresa, com quem ela ficaria, quem iria explicar minha segunda morte a minha família, quem iria dividir minha herança, com quem Ramona iria ficar, onde e como iriam me enterrar e quais eram os possíveis inimigos que tentariam atacar quando eu morresse. Foi algo prático, algo preciso, algo frio e extremamente calculista. Um plano de morte. Que eu pensei que usaria dezenas de vezes.

E embora eu ainda não tenha usado isso não significa algo totalmente bom.

Eu gosto da frase "morrer é fácil, difícil é sobreviver. "

Quando se tem centenas de mortes nas suas costas como cicatrizes, que por ironia você as tem literalmente, quando sua alma está em frangalhos e sua mente não é mais a mesma é realmente difícil sobreviver. Passar por desafios nunca é fácil e eles sempre arrancam um pedacinho de você, que se supõe que você recupere e fortaleça.

Talvez isso só aconteça com as pessoas boas, fortalecer sua alma com esses desafios eu quero dizer. Minha alma continua a mesma, cada vez mais podre e arruinada, provavelmente vendida pra uns três demônios diferentes se possível, ou talvez ninguém mais a queira.

Há muito melodrama, auto mutilação, sangue, cicatrizes e pó nela. Eu não tinha felicidade duradoura, usava drogas e bebia, ia a festas e transava, aquilo me fazia feliz, pelo menos por alguns momentos, mas até isso você cansa. Matar também não me traz tanto prazer, até torturar não traz a mesma adrenalina todas as vezes,as vezes o discurso do vilão é simplesmente melhor ser evitado, uma guerra é melhor ser evitada, um desafio é melhor ser perdido ou impedido.

Não porque você é covarde ou fraco, mas porque você poderia fazer coisas melhores com seu tempo, porque você poderia parar de se lamentar e procurar felicidade em coisas ocas e fazer outras coisas. Deixar a tristeza de lado e parar de perder as oportunidades que estão logo a sua frente.

Eu encontrei a Ramona, tive que cuidar dela, a educar e a fazer estudar, ensinei uma criança a virar uma mulher, e ainda faço isso, ela me trouxe felicidade, porque embora voce possa ser muito bem feliz sozinha, as vezes você realmente se sente muito... sozinha. Abandonada. Esquecida e morta. Principalmente quando você não tem uma familia a quem pode recorrer, ou bons amigos que te conheçem de verdade. As vezes alguém preenche esse seu vazio ou parte dele, as vezes você mesma da um jeito, eu não sei, mas se você fica inteiramente vazio você não vive, você existe e respira. Você fica tão útil quanto uma pedra. Isso é triste. Isso é patético.

Passei dias em galpões escuros pensando que se eu morresse não haveria alguém pra chorar por mim, não haveria drama ou tantos sentimentos, haveria praticidade, haveria pessoas trabalhando dobrado pra fortalecer meu legado e não o deixar cair, era aquilo que me fazia sorrir, eu era poderosa, eu sou poderosa, e mesmo assim, tenho sentimentos comuns e um vazio confuso dentro de mim.

Entre cicatrizes e recomeços - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora