Santiago Castillo
Eu deveria beber. É, encher a cara até ter um coma alcoólico para expurgar toda raiva que eu sinto da minha ex-esposa, por ser mentirosa, por omitir de mim a verdade empírica que quase gritava, me dizendo que tudo, absolutamente tudo estava indo na contramão.
Mesmo que eu bebesse, enchesse a cara até cair, de nada adiantaria. No dia seguinte eu continuaria a carregar meu fardo, da miserável culpa que me condenava todos os dias.
Eu sei que magoei a mãe do meu filho, e por miseráveis segundos dessa minha cabeça de vento, pensei que me casando com outra consertaria a bagunça que fiz. Se eu soubesse que ela estava esperando um filho, eu nunca teria agido da forma como agi, nunca teria a tratado como uma mercadoria barata de feira como a tratei.
Com a certidão de divórcio em mãos, respiro o ar frio e húmido da noite; já são quase nove horas e eu não tenho rumo, lugar algum onde eu possa ir e me sentir em paz.
Entro no meu carro, pensando onde é que vou passar a noite, embora a chave da casa ainda esteja comigo, não quero voltar para pegar nada, nem roupas, ou qualquer outra coisa, só para não ter o desprazer de olhar para a minha ex-mulher com seu cinismo e seu falso arrependimento.
Aperto o volante com força, observando o vento ao lado de fora levar alguns papéis que estão ao chão e mover as folhas das árvores.
Sinais visíveis de uma chuva forte estão à minha frente, junto da decisão de ir ou não para casa, ou para o hotel onde fiquei instalado até formalizamos o divórcio de um casamento que nunca deveria ter acontecido.
Entre pensamentos e os primeiros sinais da chuva que já alcança o para-brisa do carro, começo a dirigir tomando as ruas que eu sempre tomava para visitar Giovanna, e depois que tudo de errado, o mesmo caminho que passei a tomar apenas algumas vezes ao mês, para visitar o pedaço de mim que ficou com ela.
Christian é o meu maior motivo de orgulho, um lindo garotinho de quatro anos, que carrega consigo fortes traços meus, não apenas na aparência com seus hipnotizantes olhos verdes claros, pele parda e cabelos escuros escorridos, como também nas atitudes. Meu filho mesmo sendo muito pequeno demostra que será um grande homem no futuro, e eu não tenho dúvidas disso.
Após minutos dirigindo, entro no condomínio de casas na Barra da Tijuca. Um organizado jardim de gramas e arbustos me recebe. Estaciono o carro entre meio as faixas de pedras que dividem o jardim em dois, e vejo que a porta da garagem está fechada. O andar de cima está escuro, há apenas uma pequena luz acesa nos fundos da casa, onde fica a sala e a cozinha.
Saio do carro sentindo as grandes gotas caindo sobre a minha cabeça, umedecendo meus cabelos e minhas roupas. Em passos lentos sem me importar em estar ficando molhado, me aproximo da grande porta. Resolvo tomar coragem e tocar a campainha.
Espero ansioso, para vê-la... Para vê-los e quem vem abrir a porta é meu filho. Animado e receptivo, ele pula em meu colo, me fazendo sorrir pelo simples fato de sua existência.
— Onde está a mamãe? — Pergunto e ele aponta para dentro da casa.
E quando menos espero a imagem de Giovanna se personifica à minha frente. Como sempre perfeita. Seus lisos e longos cabelos em tom castanho escuro, estão presos em cima da cabeça com um coque. Ela usa um casaco largo com o desenho do Mickey Mouse, e um short curto, mostrando sua silhueta em forma. Seus lábios estão curvados, com um pequeno sorriso, mas quando me vê, como quase sempre, ela endurece seu semblante.
Mesmo sem demonstrar o mínimo desejo de me ver, ela dá o seu melhor, tenta conversar naturalmente, mas vez ou outra, consigo captar seu olhar triste.
Depois de uma breve conversa na cozinha onde deixo bem claro que não tenho mais nenhum vínculo com a mulher que quis nos destruir, vamos juntos à sala ver meu pequeno, pois após as visitas gosto de me despedir com um beijo e dizer que vou voltar sempre. Essa promessa tenho conseguido manter, mesmo entre troncos e barrancos.
Quando eu descobri que seria pai, tudo se tornou mais complicado, principalmente porque na época eu já estava casado com Amanda, e isso interferiu diretamente no meu casamento. Minhas ex-esposa pediu... implorou que eu não levasse mais aquele problema para o nosso matrimônio — que mal havia começado e já estava desgastado com tanta mentira —, mas eu não consegui.
Além de saber que meu filho não era um problema, eu tinha a plena consciência de que eu havia trazido ao mundo uma vida, e essa ideia me pareceu uma responsabilidade muito grande para simplesmente ignorar, como se a existência daquela criança não me afetasse. Eu amo meu filho de uma forma que chega doer, principalmente por ele ter sido gerado pela mulher que amo... É, isso mesmo, eu ainda amo Giovanna, como a cinco anos trás, e isso é uma realidade da qual eu não consigo fugir, uma realidade que me atormenta todos os dias.
Precisei enfrentar céu e terra para conseguir pelo menos algumas horas com o menino, sem precisar acionar o poder judiciário para resolver a questão. Giovanna estava magoada e não queria me ver, e eu entendia perfeitamente seu estado e até mesmo concordava com o fato de ela não querer me ver, afinal eu já havia magoado aquela mulher o bastante para me portar como um canalha cruel, mas eu não podia abrir mão do nosso filho, um elo que uniu as nossas vidas para sempre.
Após uma conversa madura com o pai de Giovanna, que na época era o mais racional no meio da bagunça: chegamos ao consenso de que eu tinha todo direito de me aproximar do menino. E, com o passar do tempo Giovanna começou a aceitar a ideia de me ver frequentar a sua casa, para visitar nosso filho. As visitas eram sempre cheias de consternação e aspereza da parte de Giovanna. Não a culpo, ela era muito jovem e estava recebendo uma responsabilidade imensa. E, quando viu sua vida mudar tão repentinamente com a responsabilidade de ser uma mãe tão jovem e infelizmente solteira, ficou desesperada.
Também tive que lidar com os ciúmes que minha esposa sentia na época, tornando a minha vida um verdadeiro inferno, e para amenizar toda aquela situação, me ausentei por algum tempo, só conversava com Giovanna por chamadas, para saber se o menino estava bem.
Algumas vezes ela fazia vídeo chamada para que eu pudesse ver a criança, me permitindo assim, acompanhar o crescimento dele via webcam.
Por ser dono de uma empresa de arquitetura e isso me permitiu enviar todo mês um valor abastado para Giovanna e para a criança; ainda que ela rejeitasse a parte que eu dizia ser para ela. Aquela foi uma forma de aliviar a minha consciência. De aliviar o pesar de saber que eu não podia fazer por eles nada além de mantê-los financeiramente, estando longe.
Foram tempos remotos e difíceis, de um lado eu tinha a mulher que eu amava, que era mãe do meu filho, distante de mim, sentido raiva e todos os sentimentos avessos que um ser humano pode sentir pelo outro. E, do outro lado, eu tinha a minha esposa a mulher com quem me casei por pura formalidade, que nunca amei, com ciúmes e espalhando boatos de que Giovanna havia engravidado, só para nos separar.
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Quando tudo deu errado
RomantizmNo passado Giovanna Martins viveu um romance intenso com Santiago Castillo, o pai de seu filho Christian de apenas quatro anos. Juntos eles enfrentaram muitas circunstâncias que nem sempre foram a favor desse amor deixando muitas marcas e mágoas ent...