Capítulo 35 - Parte Dois

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Quero vomitar.

Kash é o primeiro a notar nosso sobressalto, colocando em um gesto ligeiro a mão sobre a boca de Chia, abafando um grito que é engolido à força. Estou apoiada no ombro de Frida, que balança a cabeça, como que dizendo que o silêncio deve permanecer e que nós não devemos sair.

— De onde você é? — Pergunta Neena, posicionando-se nas costas de Enzo, com as mãos segurando a cabeça dele deitada. — De que país e cidade?

— Aliança, Sétima — responde ele, cuspindo sangue no chão de madeira.

Sam faz uma careta e se afasta, apoiando-se na mesa, fora do campo de visão de seu prisioneiro, como se a imagem a afetasse. Não sei se acredito em seu asco.

Contenho um grito. Quero berrar com Sam e ao mesmo tempo comigo. Ela sabia que Enzo estava aqui e não nos disse nada. Mesmo que ele seja um cafajeste mentiroso, dissemos a ela o quanto era importante encontrá-lo. E eu, fraca como sou, penso no quanto gostaria de ter sabido que o rapaz está bem.

"Ingênua", eu me recrimino em silêncio, com as unhas fincadas nas palmas das mãos. "Ingênua por se importar quando ele mesmo não se importou".

— Como adentrou a Reserva e como chegou aqui? — Continua Neena, sem sair de sua posição. — Disse para Caleb que foi levado. Quem te levou e para onde?

— Vim com os outros de Aliança — replica, com solicitude. — Tomei banho, como indicaram, e saí para encontrar a minha irmã. Bateram na minha cabeça e eu desmaiei. Acordei uns dias depois num lugar escuro e úmido, com as pernas e mãos amarradas e um rasgado no pescoço que sangrava pra caramba. Não vi o rosto de quem me apagou, mas acho que eram uns dois homens que me levaram. Um parecia bem jovem.

Noto quando Caleb levanta a cabeça em uma expressão incrédula que passa despercebida aos outros; eu a notei e quero saber a razão de sua descrença. Ele sabe mais do que aparenta.

— Como conseguiu fugir? — É Samuel quem pergunta, recebendo uma careta de Neena. — Sabe o que eram?

— Só sei que soltaram meus pés quando enfim me permitiram comer com algo que não as mãos e eu consegui fugir. Isso foi anteontem. Aí eu cheguei perto de uma floresta sinistra e... Nada. Acordei hoje com esse cara me arrastando por uma estrada.

Aponta para Caleb, com olhos semicerrados; se de dor, como desafio ou pelo inchaço, não posso definir. Chia chora ao meu lado, derramando lágrimas silenciosas pelo gêmeo mais velho, fungando sem soltar som. Eu estou imóvel.

Por que Enzo está colaborando assim? Ele nunca se deixaria nas mãos de desconhecidos ou possíveis líderes. Ele lutaria e fugiria e faria uma loucura para escapar das mãos de qualquer um que não seja um Traidor.

— O que eles queriam? — Retoma Neena, voltando a deitar a cabeça dele quando Enzo tenta incliná-la para frente. — O que ouviu?

Chia aperta meus dedos, deslizando um dedo em minha palma em sincronia com o filete vermelho que escorre pelo corte no rosto de Lorenzo. Ao meu redor, o sentimento de opressão que tenho pelo local apertado que ocupamos mescla-se com um manto mais denso.

Magia...

Minha pele reconhece aquilo que rodeia a sala e chega até nós em poderosas ondas brutais, meu coração acelera, mesmo que eu não seja o alvo. Lorenzo está ocultando a verdade e a magia usada ali o está aprisionando aos poucos, à espera de uma mentira que o sufocará.

— Ele parece cansado — comenta Caleb, inclinado um tecido molhado para tirar um pouco do sangue que escorre da boca de Enzo, com a delicadeza que lhe faltou ao jogá-lo na cadeira. — Está sangrando muito. Não seria melhor deixar que cuidem dele e continuamos amanhã?

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora