Capítulo Bônus

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Olhos vermelhos. E violetas. E azuis. Olhos castanho-claros. E castanho-escuros. E verdes. Olhos cinzentos. E negros. E brancos. Conhecidos, mas que desconheço. Neste mundo de olhos, sou observada por todos eles todo o tempo, sem parar, sem descanso, sem mais privacidade que a de um piscar.

Por que me encaram? Por que fitam cada um de meus passos? Por que não me deixam sozinha? Eu nunca estou sozinha aqui. Eu sequer sei o que estou fazendo aqui.

— Olá? — Soa em meu ouvido, para mais tarde eu notar que fui eu quem falou.

Em um mundo de olhos não há bocas para falar.

Sou observada quando corro, sendo seguida por cada um daqueles globos oculares num arco-íris sinistro que me persegue sem parar. Eu corro e corro e corro. Não há nada, nada, nada fora isso.

— Por favor, eu só quero ir embora — imploro.

— Venha.

O sussurro baixinho adentra meus ouvidos. Não sei de onde vem, mas continua me alcançando, um coro de "venha" ininterrupto. Eu vou. Eu sigo o som suave às cegas, pois meus próprios olhos estão ardendo com lágrimas não derramadas que embaçam minha visão.

— Não se esqueça disso, menina — sussurra em meu ouvido. — Veja não só com os olhos, mas com a alma e o coração. Lembre-se do passado, viva sem medo o presente e adentre o olho do futuro furacão.

Abro a boca para questionar, mas meu pé se choca com um degrau oculto.

— Ai! — Exclamo, ao cair para frente.

Estou agora em uma sala escura, negra e sem vida. Não há olhos aqui. Nem nada. Estou sozinha, estou perdida.

— Olá? Por favor, eu só quero ir embora — repito em tom alto, sendo seguida de um eco que pergunta "embora?" muitas vezes, no coral invisível que me rodeia. — Sim, sim, por favor, deixem-me ir embora. Mostrem-me como sair daqui.

— Preço, preço, pague o preço — reponde o coro, submergindo da escuridão eterna que envolve cada um dos cantos da sala onde estou.

— Que preço? O que querem? — Grito, sem querer que me deixem só outra vez. — O que querem para me mostrarem como deixar este lugar?

Um segundo passa. E dois. E cinco. Quando acho que não terei mais resposta, ela vem em um novo coral mórbido de vozes cantantes.

— Dê-nos o que podes ver e daremos o que podes entender — cantam e riem, repetindo e repetindo a piada que não compreendo.

— Eu não entendi — digo, esfregando os olhos molhados, lacrimejantes e ardidos que me ferem por minhas tentativas de ver algo no escuro. — O que devo dar a vocês?

— Dê-nos, dê-nos, dê-nos os seus olhos.

Eu recuo um passo, ouvindo-os repercutir e reiterar a frase macabra que cantam em minha cabeça. Eu grito e grito, grito que não posso dar o que pedem, rogando para que me deixem. É quando meus dedos chegam à minha face e eu sinto as lágrimas que uma luz clara, avermelhada, fraca, se acende ao longe, revelando um espelho de corpo inteiro num espaço à frente.

— Escolha, escolha — repetem quando corro para longe daquelas íris coloridas que não me deixam. — Escolha agora ou perderá.

Achego-me ao espelho, à imagem bonita de uma cachoeira que aparece ali, agradecendo por sair da negritude infinita. Aproximo-me dele e toco em sua superfície, vendo a imagem ondular e ficar disforme, substituindo a paisagem por eu mesma, primeiro os pés e subindo pelo corpo.

E me arrependo em seguida.

Estou olhando para meu corpo, num vestido antiquado da Elite de Aliança, e enxugando as lágrimas que escorrem por meu rosto, mas... Não.

O coro agora dá risadas e canta uma canção mórbida sobre ver e entender, prenunciando o que vem a seguir: quando fito meu reflexo ali, envolto em altas chamas vermelhas, vejo que não existem lágrimas em minha face, como eu pensara. É sangue. E meus olhos... Eles já foram arrancados de mim.

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Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora