Capítulo 26 - Parte Dois

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— O que é isto?

Chia pergunta, em um fio de voz, embora passe em sua cabeça a mesma palavra que se fixa na minha. Sua mão aperta meu braço, agarrando-se a mim.

— Não sabemos com certeza — responde Samantha, sem notar que a indagação de Chia foi uma retórica. — Samuel não me permite ter muito contato com esta área da mansão, então sei pouco sobre eles. A maior ciência que tenho é que as enfermeiras têm que usar cores escuras ao entrar lá dentro, pois todas as cores claras parecem queimar os olhos dos enfermos. Acredito que isso seja o que chamam de Peste.

Nunca vi nada deste tipo, nem soube de coisas assim.

— La Cólera Roja — afirmo, usando o nome original. — Surgiu no litoral mais ao Sul da Sexta e Sétima Cidade.

— Estamos de mãos atadas. — Ergo a cabeça para encontrar o cenho enrugado de Sam, que fita o vidro com pesar, como se sentisse a dor de cada um dos presentes. — Se pudéssemos juntar informações sobre isso, trabalhar com algum tipo de remédio ou magia... — Viro o rosto à menção da palavra que segue causando-me desconforto. — Poderíamos salvar muitas vidas.

Juntar. Vidas. Pergunto-me se ela imagina o quanto essas palavras miúdas têm significado para mim, nos últimos dias. Tenho passado muito tempo pensando nas letras daquele pedaço de pergaminho, cujas formas parecem-me muito com as palavras do livro que Sam nos mostrou.

Um simples papelzinho que me traz sensações conflitantes. Meu segredo parece ser mais importante do que sei, e, se minha intuição diz isso, não a ignoro.

— Por que nos trouxe aqui?

— Achei que você pudesse achar seu irmão — diz Sam. — Sei que não é a mais bonita das condições, mas é melhor que nada.

Não encontramos nada quando começamos a procurar, comigo buscando de modo involuntário, por uma cabeça raspada ao estilo militar. Miramos rosto por rosto, dos visíveis, e cada porte, corpo ou cabelo daqueles que não podemos ver bem, mas não há nada. Ele não está aqui. E eu não sei se devo sentir alívio ou entristecer-me com a expressão de Chiara, ao ver que seu irmão não está entre estes condenados.

— Chia, ele pode estar...

— Não — interrompe-me. — Basta disso. Eu agradeço a ajuda, Sam, mas chega. Não quero mais procurar em um lugar que ele não está e não quero ter uma esperança que logo será eliminada. Se eu for ver Enzo de novo, será ele que terá que voltar.

Ela passa os dedos pelos olhos úmidos, secando a parte de baixo destes. Os círculos arroxeados não me passam despercebidos, mas deixo isso para outra hora.

— Vamos para a biblioteca — digo, um minuto e meio depois. Elas me olham com caretas confusas. — Tenho que mostrar uma coisa.

Sam vai para a biblioteca com Chia, esperando enquanto busco em nosso quarto o casaco com o segredo que a mãe de Penny compartilhou comigo, grata pelo fato de Frida ter levado a bambina para dar uma volta durante este fim de tarde. Estou imersa em pensamentos conflitantes sobre a relevância das palavras estranhas, por isso não noto a sombra que me segue.

Chego ao quarto em passadas furiosas, contendo meu desejo de mergulhar numa corrida feroz. Ignoro a porta fechada por saber que o corredor fica vazio durante esta hora da tarde, graças aos jovens que insistem em ficar ao ar livre no período que precede o jantar.

— Cadê você?

Bagunço os pares de camiseta e calças que recebemos ao ingressar no grupo de moradores da mansão, buscando o casaco emprestado, cujo cheiro de orvalho some aos poucos, adquirindo o odor de roupa guardada, que não foi reivindicado desde que chegamos. Meus dedos se enroscam no tecido curtido do algodão da vestimenta masculina, resultando numa careta concentrada.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora