— Estava esperando você chegar.
Frida anuncia, quando entro no quarto que divido com Chiara e Penny.
A bambina encontra-se sentada de pernas cruzadas em nossa cama, com Frida mexendo em seus cachos loiros, com os dedos descendo em movimentos fugazes, formando trancinhas espalhadas. A mais velha questiona-me sem palavras, mas eu resguardo-me a um suave negar de cabeça.
— Vou levar Penny para tomar banho no banheiro compartilhado do corredor —, diz a mais velha, lançando-me um olhar significativo —, mas Penny não quis ir sem avisar por causa daquele pequeno acidente que teve lá embaixo, por mais que eu dissesse que está tudo bem. Quer vir com a gente?
— Ah, não —, recuso, sorrindo para a menina quando me apoio na penteadeira antiquada do quarto. — Prefiro deixar para tomar banho depois do almoço, se não se importam.
Não olho nos olhos de nenhuma das duas, fazendo-me de ocupada ao puxar um fio de cabelo solto que grudou em meu braço.
— Vai ficar aqui? — Penny indaga, com uma careta insatisfeita.
— Está tudo bem agora, Penn, não se preocupe. Vou esperar por você bem aqui —, dou-lhe outro sorriso. E, para que elas saiam logo e me deixem sozinha, não penso duas vezes quando acrescento: — E, quando voltar, posso ensinar um dos jogos que tínhamos no Colégio.
— Vai me ensinar a Canção do Relógio que Chia falou na mesa, hoje de manhã?
Meu interior estremece, e não sei o que responder graças a essa descoberta. Penny acaba de me revelar um ótimo motivo para que eu preste mais atenção nas conversas de café-da-manhã.
"O relógio faz tique...", a voz soa em minha mente. Ignoro-a.
— É claro, querida.
Olho para a janela entreaberta, com o minúsculo acolchoado que ocupa o parapeito interno, onde termina o apertado corredor que faz a divisão entre as duas camas, ambas com as cabeceiras encostadas nas paredes e os pés, paralelos entre si, fazendo pequenas paredes que delimitam o espaço dentre elas. A verdade é que tenho que conter o desejo de ir trancar as partes de vidro que fornecem uma proteção mínima para nós, pois o uivo que ouvi há pouco não sai de minha cabeça, assim como a imagem do homem tropeçando para o chão ao gritar sobre um ataque que viríamos a encarar.
Suspiro, cansada, batucando a superfície dura da frente de uma das gavetas. As cômodas estão vazias, mas Samantha disse que em breve receberíamos uns conjuntos novos de roupas e Chia, Penny e eu poderíamos dividir entre os espaços da cômoda e as gavetas na penteadeira.
Não posso evitar a involuntária reação de desviar o olhar para a cômoda ao lado de nossa cama, aos pés de Penny, onde posso ver uma parte do casaco sobressaindo-se, assim que penso em roupas. O pequeno papel está lá, no bolso, escondido, repleto de mistérios esperando para serem revelados...
—... Chia?
Foco nas duas figuras que esperam minha resposta à pergunta que não ouvi.
— Ãhn... — Balbucio, sem saber o que dizer.
— Chiara —, ajuda-me Frida. — Você sabe onde ela foi?
— Ah, ela foi falar com Samantha —, digo, por fim. — Queria saber se ela tem notícias sobre Enzo, ou algo assim...
Meu suspiro, ao fim da frase, é seguido de um momento de silêncio.
— Eu vou levar Penny para o banheiro —, Frida anuncia, enfim, levantando-se de minha cama. — Vamos Penny, lá eu arrumo toalhas e umas roupas para nós duas.
Penny pula da cama, ajeitando o vestido emprestado, muito largo, que usa.
— Quer que feche a janela? — Frida pergunta. — Abrimos para ventilar um pouco.
Visualizando a cena da floresta de ontem em um flash mórbido, anuo para ela.
Penny dá um grito, sobressaltando-me, quando a forma robusta passa em um farfalhar de asas escuras pela frente da janela, pulando para trás como num reflexo de minha própria reação. Frida ri de nossa expressão transtornada e inclina-se para fora, apoiando-se no estofado.
— É só um pássaro. Suas medrosas. —, diz ela, ainda rindo, enquanto volta a ficar em pé e fecha a parte de vidro das janelas. — Vai chover. Eles devem estar procurando abrigo.
À menção da palavra, sinto-me ficar tensa. A lembrança do que deixei para trás é dolorosa e prefiro não pensar no que perdi.
— Voltamos logo —, despedem-se.
Forço minha boca a formar um sorriso suave, acenando-lhes quando saem, até ouvir o clique da porta se fechando e os passos das duas se afastando.
************************************
Não se esqueça de clicar na estrelinha!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...