Capítulo 15 - Parte Um

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Permaneço em silêncio pelos minutos que seguem minha declaração. As três se inclinam para mim.

- Bom dia!

Seguro um alto suspiro de alívio ao ver Samantha tomar lugar perto meio do palco, onde foram colocados dois conjuntos de três cadeiras cada, poucos metros atrás de Victoria, que toma a posição de oradora.

Penny me lança um olhar atravessado, ao ouvir o bufar contrariado de Chiara com a interrupção. A menina me dá um sorriso mínimo e reconfortante quando se coloca à minha frente, que correspondo sem titubear, e torna a olhar para o palco.

Todas nos posicionamos na entrada da varanda.

Caleb, Samantha e uma das mulheres que estavam na biblioteca formam um dos trios, Samuel e um homem que desconheço ocupam duas das três cadeiras restantes. Não deixo de notar a forma como todos os adultos ali a fitam por um instante, antes de observarem o restante do refeitório.

Samantha me avista e concede um suave aceno, que correspondo com o mínimo de hesitação. Mesmo que não confesse em voz alta, ela é a mais próxima de receber o benefício da dúvida, comigo. Por alguma razão que eu não consigo entender, ela me passa uma sensação que só posso classificar como tranquilidade.

- Bom dia -, repete Victoria, quando o silêncio se faz presente. - Uma vez mais, desejamos as boas-vindas àqueles que chegam este ano, e um cumprimento caloroso aos que voltam.

Um grupo variado e agitado que ocupa cinco das compridas mesas ao lado das janelas ao Oeste, com uma boa quantidade de integrantes, solta gritos empolgados que incentivam a arqueira a continuar.

- Todos vocês que estão aqui esta manhã entram agora em um processo lento e difícil de adaptação. A partir deste momento, vocês são considerados alunos, aprendizes e futuros Cae. - A palavra traz um arrepio, que sobe por minha coluna. Não sei se isso é bom, mas não é ruim. - Isto é uma honra e carrega deveres consigo, mas não vamos falar de responsabilidades agora, não é?

Aplausos e assovios de aprovação soam no mesmo grupo, assomados com os de outros adolescentes espalhados pelo refeitório.

- Os moradores de New Long Beach e os arredores da Reserva poderão pegar seus horários pela próxima hora com a Paulette -, aponta para a mulher ao lado de Samantha -, caso seja seu primeiro ano. Ela será a instrutora de vocês pelo próximo ano. Os que conhecem como funciona o sistema de anos passados poderão, assim que terminarem o café, seguir o professor Caleb à Ala Leste para iniciarem o treinamento.

- Treinamento? - Pergunto, com o cenho franzido. Chiara mira-me com expressão dúbia. - Ninguém falou nada sobre treinamento. Eu sabia que não seria tão simples...

- Nori, calma -, Frida pede, quando vê meu transtorno. - Não é o que você está pensando.

- O que vocês têm escondido de mim, Frida? O que você sabe e não tem me contado?

Minha indagação sai em tom acusatório, e é o suficiente para calá-la.

- Aos novatos, peço que aguardem para serem orientados por Samantha. Acredito que tenham questionamentos a fazer. Suas perguntas serão respondidas com o tempo, mas nos esforçaremos para sanar as mais crucias antes de indicarmos suas atividades.

A conclusão de Victoria, ao recuar um passo, permite que a mulher, que reconheço como sendo Paulette, dê um passo adiante e chame a atenção para os que deverão segui-las. Não escuto as indicações que ela dá, pois estou colocando Frida no foco.

- Que atividades são essas? O que você sabe sobre os Cae? - Ignoro a maneira como a palavra brinca com minha língua e faz meu sangue esquentar. - E que treinamento é este de que falam?

- Você não precisará estar no treinamento se não quiser, Nori.

Franzo os lábios, olhando para baixo. Giro o corpo devagar para encontrar a pose serena de Samantha, que me estuda com paciência.

- Suas reservas a nosso respeito são compreensíveis, minha cara, mas acredito que poderia conceder-me ao menos a chance de explicar, não acha?

Entorto a boca, como uma criança teimosa sendo repreendida. A atitude sóbria e segura de Samantha não ajuda minha consciência a se sentir menos infantil. Eu contenho um bufar, porém, afirmando em silêncio que não sou mais uma menininha que precisa se envergonhar de desconfiar das pessoas, mais ainda as desconhecidas. Tenho motivos de sobra para fazê-lo.

Ela se dá por satisfeita com meu discreto aceno.

- Pode deixar Penny aos cuidados de Magda -, aponta a mulher, que reconheço como a enfermeira. Contrariada, deixo que Penny solte minha mão e vá com a mulher. - Agora, venham comigo -, e tira os olhos de nosso trio para olhar nossa plateia -, todos vocês.

Enfio as unhas nas palmas das mãos, agradecida por ter me lembrado de trocar as ataduras em minhas mãos, que recebem o golpe de meus dedos enrijecidos, ao ver a pequena multidão que me observa, e que, de certo, ouviu nossa rápida interação com Samantha. Fingindo não notar os olhares surpresos, os hostis e os que parecem estar ao meu lado, limito-me seguir os passos da mulher até a porta que nos guiará para fora, consolando-me com o fato de que poderei, finalmente, fazer algumas das dezenas de perguntas que desejo fazer.

Por mais que meus instintos gritem para que eu corra, eu sei que está na hora.

Está na hora de conseguir respostas.

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