Frida e Chiara, em frente às portas duplas da biblioteca, esperam-nos para entrar.
O pequeno e inocente discurso de Penny acalma-me o suficiente para eu não entrar em pânico, mesmo que eu sinta meus dedos tremerem com violência quando adentramos o espaço da biblioteca que é pontilhado por mesas de estudo. Rodeamos as prateleiras altas e ultrapassamos as escadas que levam aos três andares que se elevam do que estamos. Passamos em uma caminhada considerável por debaixo de um comprido túnel de concreto que une as gordas estantes recheadas em um novo andar, tendo aberturas apenas para possibilitar a entrada em novas fileiras, vendo-nos em um espaço aberto igual ao anterior que revela o fim do térreo da sala, onde está a mesa que reunia o grupo de Samuel, da última vez que estive aqui.
Agarro as mãos de Penny, mascarando, num gesto involuntário, o temor que sinto.
Deste lugar, vejo a continuação do primeiro andar da biblioteca rodeando-nos por todos os lados, como se este espaço com a grande mesa de reuniões fosse um buraco feito no meio de uma sequência de prateleiras de livros, escaparates de amostra e exibições de obras artísticas que nunca vou ver necessidade de gastar dinheiro para ter, como um esconderijo dentre palavras e tinta e papel.
Samantha encontra-se sentada na ponta da mesa, à nossa frente, oposta aos vitrais que enfeitam o outro canto da sala. Estranho o fato de estes, apesar de serem compostos por imagens formadas por vidrinhos transparentes, não darem em uma paisagem do exterior, como nas igrejas de Aliança e nos outros vitrais do prédio, que permitem a exibição do exterior. Ao invés disto, vejo nada mais que uma parede branca que não notei estar como plano de fundo dali na última vez que vim aqui.
- Vocês estão bem? - Pergunta Samantha, erguendo-se ao ver-nos entrar.
Ela dá dois passos para frente e para, esperando nossa resposta.
- Sim, é claro -, diz Chia, acenando como se não entendesse a pergunta.
- Estamos bem. Um pouco perturbadas pela comoção e surpresa de um ataque à Reserva. Não esperávamos por isso -, adiciona Frida, em uma ação inesperada.
- É claro que sim, nenhum de nós esperava por algo assim nesta época -, concorda Samantha, oferecendo-nos com a mão as poltronas que rodeiam a mesa.
Noto a forma como acrescenta, quase que sem consciência, "esta época" à frase, como se dissesse que isto era esperado em outro período. Por respeito a ela, que tem sido gentil e não me deu razões para desconfiar de si, até agora, e recordando-me que desejo reconstruir minha vida aqui, eu nada digo.
- Por que a pergunta? - Indago, sem me conter, ao sentar-me com Penny em meu colo, agarrada ao meu pescoço. - Não que eu não ache que você se importa -, digo, tentando ser mais gentil ao ver a expressão de Samantha decair com minha falta de aptidão com as palavras -, é que você chamou a nós quatro aqui para perguntar isto, mas não chamou mais ninguém.
Ela suspira, desviando o olhar para o corredor de onde viemos.
- Evelyn viu os... - Hesita, olhando para cada uma de nós, antes de continuar a frase. - Lobos, na floresta. Disse que estava com suas companheiras de quarto na hora que foram para seu quarto e os viu. Foi ela quem me alertou sobre a presença deles.
Não sei quem é Evelyn, mas logo me lembro da imagem da desconhecida de cabelos curtos entrando em meu quarto com as meninas, correndo em seguida para fora do cômodo, assim que viu a cena que se desenrolava atrás de minha cabeça.
- Ela se ofereceu para mostrar o caminho, quando nós três nos perdemos no corredor -, diz Frida, solicita. - Fomos procurar por Chia, que estava caminhando no jardim.
- Se precisam de explicações, ou conversar, eu posso falar com vocês -, Samantha parece atrapalhada, como não esteve nos últimos dias, desde que a conheci. Ela balança a cabeça. - É confuso e incompreensível, e Nori já queria ir embora sem uma situação destas, então entendo que deve querer muito mais agora, mas eu posso garantir que se ficar...
- Não vou -, interrompo-a, fazendo todas me olharem pasmas, exceto Penny.
A bambina segura minha mão, apertando-a como se me dissesse que está comigo, que me apoiará qualquer que seja a decisão que eu tomar. Esse gesto carinhoso é mais consolador que palavras.
- Não vai? - Repete a mais velha, parecendo preocupada. - Não vai ficar? Nori, eu quero ajudar, sério. Só preciso que confie em mim.
Chia permanece com os olhos fixos no chão, passando o dedo no vinco em sua testa.
- Não, você não entendeu -, detenho-a, outra vez. - Eu não vou embora. Quero confiar em você. Minha exclusiva petição -, ela assente, para que eu prossiga -, é que seja sincera. Seja sobre o que fazem aqui, o que são-, hesito, ao olhar para Penny -, ou sobre o que Penny tem a ver com isso.
A mencionada ergue a cabeça para mim e torce a boca, aquiescendo para ninguém em específico.
- Não poderei dizer tudo, sempre, mas -, ela respira fundo, parecendo mais aliviada -, feito.
Frida bate palmas duas vezes, levantando-se.
- Ótimo saber que está tudo bem -, sorri, olhando para Samantha -, mas, quando começamos?
A mais velha balança a cabeça, como se reprovando a atitude de minha nova amiga, e sorri em seguida, passando os dedos nos cabelos crespos da menina. Sam imita o movimento Frida, levantando-se enquanto chama nosso pequeno grupo para sentar-se à mesa.
- Tudo bem?
Chia apruma-se quando escuta minha pergunta, balançando a cabeça em concordância quando nos sentamos à mesa, observando Samantha procurar um livro na prateleira mais próxima à porta onde estava Penny quando vim aqui na última vez.
- Um pouco chocada pelos acontecimentos recentes, como quase todo mundo.
Minha amiga parece cansada de uma forma que nunca vi. Marcas arroxeadas emolduram seus olhos.
- Tudo bem, Chia -, asseguro, pegando suas mãos entre as minhas, deixando Penny se entreter com uma história de Frida. - Vamos passar por tudo juntas, como sempre fazemos. Ok?
Ela sorri, baixando a cabeça, para desviar-se de meu olhar. Sei que pensa em Enzo e Lucca, os irmãos que pode não ver outra vez.
Ela não é a única a pensar nas pessoas que deixou no meio do caminho até aqui.
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...