Os gritos em coro são o suficiente para interromper os protestos contra o Governador.
Todos os rostos se voltam para a entrada do centro, onde se encontram os vigilantes, que em sua maioria também se retiraram de seu posto para ouvir o pronunciamento. Atrás deles, pessoas em uma multidão de vestes escuras, mesclando-se ao céu noturno, correm em direção a este espaço, em direção a nós.
Um sem-número deles, vindos da esquerda e da direita.
Armas em punho.
Gritos de guerra se formando e ecoando.
Eu sorriria se soubesse que isso não me prejudicaria, se não tivesse o receio que tenho. Porém, não sou a mais corajosa de nós e não é momento para ser pega.
Apesar de estar longe de onde deveria, sei que sou capaz de me misturar o suficiente para ir. Pequena o bastante para caber em locais apertados e com a quantidade certa de planejamento, poderia chegar até a Rua Três. A perfeita oportunidade, com certeza.
"Finalmente, chegou minha hora de encontrar meu lugar", quero gritar.
Mas, não. Contenho-me. Meu lugar não é com os Traidores, tampouco em Mônaco.
O sentimento de contrariedade me cala, fazendo-me perguntar a mim mesma o quanto do que espero será, de fato, o que me disseram ser real. O quanto eu estarei segura ao me juntar àqueles que surgem em grupos enormes do horizonte, descendo as vias principais da cidade.
Eu continuaria em meu devaneio, permitindo-me ser conduzida pelo menino, se não fosse pelo som do tiro tão próximo, mais alto que o restante da saraivada que soa em todos os cantos mais afastados e difíceis de identificar nos arredores. Um homem de preto e com um tecido cobrindo a boca esbarra de forma violenta em minha lateral, quase derrubando Lucca e eu na guia esburacada.
Noto, tarde, que se trata de um Traidor ensanguentado, que se infiltrara entre os habitantes de Mônaco. E agora ele está morto.
Faço careta para o pouco sangue que gruda na pele da minha mão, onde ele me tocou ao cair. Lucca está paralisado, os olhos arregalados em choque.
— Acorde agora, Lucca! Deixe-me aqui. Encontre Chiara, depressa — grito, chacoalhando o menino.
Lucca desvia a atenção da flecha de rifle pousada dentre as omoplatas empapadas de líquido rubro do homem e me encara.
Ainda que minha voz saia abafada, tenho certeza de que ele me ouve, e ele obedecerá, sempre obedece.
Sem olhar para trás, corro, embora para um rumo diferente.
Preciso buscar, preciso pegar...
Os empurrões me atrapalham e tentam me arrastar para o lado oposto ao que eu desejo ir, mas os corpos servem como uma boa camuflagem para meu caminho na direção contrária ao centro, correndo pelas ruas que me levarão aos campos e ao abrigo.
Em alguns passos, ficarei exposta tanto para os Soldados e Oficiais quanto para os Traidores. Mas eu buscaria refúgio naqueles que o Governo deseja exterminar, de qualquer modo. Esse era o plano do Espião, e se tornou o objetivo de Lorenzo. Eu correria no sentido daqueles que me deram, de forma involuntária, não uma só vez, a chance de viver.
Eles podem ser minha salvação ou perdição, eu sei.
Só posso torcer para que a primeira opção seja a correta.
Os gritos são ensurdecedores, o pânico da proclamação feita se misturando ao terror causado pelos tão temidos invasores, o caos agora instalado nas ruas de Mônaco. Forço minhas pernas ao máximo, sem conseguir encontrar meus aliados. E eu preciso buscar meu único tesouro, antes de ir com eles.
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...