Capítulo 18 - Parte Um

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 — Finalmente.

Suspiro, sentindo-me mais aliviada com a solidão.

Relaxo a postura e rodo a cabeça, massageio o ponto dolorido no ombro, tentando tirar a tensão que se acumula sobre meus ombros. Com isso, entra em meu campo de visão a imagem das bandagens que cobrem minhas mãos. Com um suspiro, agarro as pontas soltas e puxo, deixando a mostra o pequeno conjunto de cicatrizes que eu mesma me impus em Aliança e depois com Samuel, formando uma sequência de tiras que se unem e transpassam umas às outras, clareando aos poucos. Passo os dedos pela pele, concordando a velocidade da cura levemente acelerada deva ser atribuída aos medicamentos que me foram fornecidos, os quais eu jamais teria ao alcance em Mônaco.

Deixo as gazes na minúscula lata de lixo ao lado da penteadeira, caminhando em direção à cama, permitindo-me cair sobre ela pesadamente.

Sequer assimilo o que faço. Quando vejo, estou com os dedos procurando em movimentos rudes pelas dobras do casaco, com tanta rapidez que demoro mais tempo do que precisava para desdobrar a roupa e conseguir pegar o alvo de minhas mãos ansiosas.

Retiro o papel e enrolo-o nos dedos, deitando-me com os pés virados para a janela, a cabeça apoiada na lateral da cômoda.

— O que você significa? — Sussurro, fechando os olhos.

Deixo minhas mãos erguidas, o papel-pergaminho suspenso com elas, como se relutasse em dar-me por vencida e desistir. Abro os olhos de novo, num exercício tolo de certificação, como se fosse encontrar uma imagem diferente da anterior.

Nenhuma outra palavra. Nenhum segredo revelado. Nenhuma resposta.

— Que tolice.

Debocho num bufar, abrindo a mão para largar o pedaço de papel.

— Ai!

Sento-me ereta, ao sentir a ponta do papel roçar em uma parte ainda sensível de um dos cortes, que cai em meu colo. Esfrego a mão com mais força do que o necessário, para tirar a sensação de picada e a súbita coceira que acomete minha pele. Aproximo o rosto da palma ferida. O raspão abriu um pouco um dos cortes que se fechava, mas nada com que eu precise me preocupar.

Deixo o braço frouxo, apoiando-me uma vez mais na cômoda, ajeitando o travesseiro com a mão livre, enquanto a machucada fica apoiada na coxa oposta à que serve de apoio para o pedaço inútil de papel, que não me deu nada mais que dúvidas e frustração, desde que o encontrei. Passo o dedo na borda rasgada oposta ao lado que ocasionou meu machucado, suspirando. Percorro com a visão os mesmos traços antigos e as marcas de dobradura que me chamaram a atenção quando encontrei esse quebra-cabeça sem solução, agora enfeitado na ponta com uma manchinha de sangue, na parte de cima do papel. Então, olho para minha mão e...

Pulo em meu lugar, sentando-me ereta com o susto.

— Mas o quê...?

Alterno o olhar entre um e outro, tentando, sem sucesso, normalizar minha respiração. Viro os olhos, sem saber o que fazer, ou conseguir acreditar no que vejo. Sinto-me desnorteada como quando caí naquele buraco idiota que não vi no meu caminho, confusa como quando olhei para todos os lados e não vi nada que não fosse vultos e a intensa escuridão.

Movo a mão que feri com a nota para trás da mesma, segurando a respiração com o que vem a seguir. O que vejo agora é o encaixe perfeito dos cortes que fiz com os traços do pedaço incompleto do papel, como se eu os tivesse usado como molde para os ferimentos em minhas palmas.

"O que significa isso?", quero gritar.

A forma como as marcas avermelhadas em minhas mãos se cruzam e viram são idênticas às linhas existentes no bilhete manuscrito, sendo que não diferença alguma para ser mencionada.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora