O dia é preenchido pela animação e expectativa pelas festividades, mas eu permaneço no quarto o dia todo lendo o diário de Alessandra. Chiara se recusava a falar comigo e eu tampouco insisti.
Quando ergo a cabeça novamente, jogando um olhar para o lado de fora do quarto, tudo o que vejo é o céu escuro, com uma quantidade ainda maior de nuvens do que há pouco tempo atrás, e o corredor está silencioso com a ausência de vozes femininas às quais me acostumei nas últimas semanas.
Não é um silêncio qualquer, entretanto. Ele está carregado, de alguma forma. Sinto comichões por cada centímetro de minha pele e debaixo dela.
Elevo o tronco, apoiando-me em meus cotovelos. Meus dedos são velozes ao travar a janela bem fechada, pois sinto-me exposta ao aparecer por entre as bandas dela. Ergo os meus pés e solto-os ao lado de minha cama, sentindo quando minhas terminações nervosas lançam uma onda de tremores por meu corpo, quando sinto as fisgadas da gélida firmeza do chão.
Sou compelida por algo que não posso explicar, algo que me leva à ansiedade enquanto dou nós apertados em meus calçados. O diário de Alessandra volta para seu vergonhoso esconderijo quando vou em direção à porta.
O corredor está vazio, de fato, mas todas as luzes permanecem acesas. Não posso dizer que isto ajuda a amenizar o ar de terror que a mansão possui neste momento.
A magia está presente aqui, eu posso dizer sem sombra de dúvida. Ela tenta me atingir, de algum modo. É uma sensação estranha e desconfortável, como ter álcool aplicado em um ferimento aberto, ou retirar uma farpa de debaixo da unha.
Coloco os pés para fora da hipotética segurança de meu quarto, inclinando-me um centímetro à frente. É aí que noto. O peso em minhas costas denuncia o olhar sobre mim. Mas, por mais que eu queira trancar-me dentro do quarto como uma garotinha assustada, tenho a impressão de que o perigo não está no corredor, e sim dentro de meu suposto esconderijo. Olho para trás, para as duas camas, a cômoda e todos os objetos inanimados que compõem o cômodo. Não há nada que denuncie presença alguma, mas recuso-me a voltar para dentro. Puxando a porta por detrás de mim, vou para fora do dormitório.
A sensação de ser observada é cortada de imediato.
Minha primeira ideia é ir até a praia, entretanto a última coisa que desejo é perder a noção do tempo e acabar ficando presa do lado de fora à mercê das criaturas noturnas.
Infelizmente, não consigo sequer fingir que estou me referindo às corujas ou morcegos.
Tirando um cacho escuro da frente de meus olhos, prontifico-me a caminhar, indo em direção ao único lugar que posso neste momento sem sair da mansão.
O hall está tão vazio e silencioso quanto o primeiro andar, e tão iluminado quanto, de tal forma que meus olhos ardem com tanta claridade, à qual estou desacostumada, após anos passando as noites à luz do Sol ou de velas. Tenho ímpetos de apagar todas as luzes, de não gastar tanta energia elétrica, um item que é tão caro em Aliança, um luxo que jamais desperdiçaríamos desta forma.
A chuva deu uma trégua, convertendo-se em um fino garoar que golpeia ininterrupta e insistentemente as laterais da construção antiga. Embalada por esta trilha sonora, eu me coloco em movimento, rumo ao corredor seguinte, adentrando a área onde as colunas e paredes baixas dão lugar às enormes placas de vidro que trazem uma boa visão da área externa da Reserva, a partir do lugar onde estou.
As sombras ensaiam uma dança estranha nos arbustos lá fora, jogando com minha visão. Eu tenho a impressão de ver um vulto correr do lado de fora quando me viro para ir em direção à biblioteca, captando a imagem com o canto dos olhos. Franzindo o cenho, paro em frente um dos vitrais. Ao inclinar-me para visualizar o exterior, vendo nada mais do que encontro uma forma feminina refletida atrás de mim.
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...