Capítulo 42 - Parte Um

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O dia amanhece tranquilo. Muito diferente das últimas semanas que tive aqui, quando a magia me saúda logo que abro os olhos, não tenho ímpetos de espantá-la, ignorar sua existência. Na verdade, é um tanto assustador notar que quero acolhê-la, aceitá-la, deixar que o pedaço de meu ser que por anos negligenciei seja cultivado de tal forma que, como Sam, como Frida, como Kash, eu não tenha medo de usá-lo.

Por algum motivo, o fato de estar aceitando-a parece torná-la ainda mais presente e evidente. Mesmo que eu siga mantendo um rígido controle sobre aquilo que há dentro de mim, já não tenho pavor de conviver lado a lado com a magia em mim, vendo-a como uma criança pequena: bela e divertida, mas que deve ser observada de perto para não causar confusão.

Eu continuo tentando entender as indiretas de Sam. Sim, eu sabia de minha veia de magia; conheço sua existência desde a infância, desde a época de Lise Moreau. Sim, eu conheço algumas das coisas terríveis que posso fazer. Mas meu contato com o sobrenatural foi breve, momentos e períodos específicos, circunstâncias específicas. Não tenho certeza de onde isso me coloca. Tenho uma única certeza: tenho sangue Cae. Não somente sou parte deste mundo de magia. Sou herdeira Cae, como Frida é, graças a Jerome. Eu só... Sei. E, em minha mente, a frase que Sam me disse dias atrás fica dando voltas e voltas. "Você é uma de nós", ela disse. A alga-de-colosso, minha falsa alergia, foi o que ajudou a libertar o que havia dentro de mim, ela contou. Sam sabe quem sou, além do que sou, e acredito que saiba mais do que eu sequer imagino. Preciso convencê-la a falar. E, agora, terei tempo com os Cae para isso.

Faz quase um mês que estou na Reserva. A Lua Cheia veio e passou. Samuel ainda tem lidado com as consequências da atitude de Astrid, que visou ajudar-nos em nossa busca pelo próximo pedaço do enigma, mas que gerou consequências desastrosas no relacionamento já frágil dos dois alfas do território americano no Norte. Os Cae então pisando em gelo fino quando se trata de diplomacia entre as alcateias de Nigel é Samuel. Nigel não está nada feliz com o resultado de seu desafio, muito distinto daquilo que ele devia esperar ganhar com suas ações. O alfa está, sem dúvidas, insatisfeito com as informações cedidas por Astrid, tão norteadoras para nós. Todos os Cae estão sob alerta constante, enquanto o Conselho tenta decidirá melhor maneira de buscar o próximo pedaço do enigma. Uma guerra agora seria somente um problema há mais, e precisamos evitá-lo.

Rio em silêncio, e meu balanço faz Penny se mexer. Jogo o cobertor mais para cima dela e pulo para o parapeito da janela, sentando no estofado conforme vou me acomodando em minha posição de espectadora do mundo lá fora, ainda escurecido, o Sol tímido em se fazer evidente.

Desde quando uso "nós" para definir o povo Cae? Quando comecei a usar o pronome para me referir também a meu próprio ser?

E desde quando me sinto bem com isso?

— Por que está acordada tão cedo?

Volto o rosto para Chiara, erguendo um canto da boca ser mostrar os dentes. Não me preocupo em responder seu resmungo sonolento.

— O Sol ainda nem nasceu, Nori.

— Eu sei — retruco, apoiando a cabeça na moldura da janela. Sei que Chia sequer está assimilando minha resposta. — Só estou relembrando nossos dias como adolescentes rebeldes, vivendo intensamente, acordando cedo para fingir que aceitávamos ser escravos e...

Ela ergue uma sobrancelha e volta a se jogar na cama, dando-me as costas e cobrindo a cabeça com o cobertor.

— Tudo bem, apenas faça silêncio.

Sorrio para ela, apesar de saber que ela não verá, e levanto de meu assento, recolhendo uma pilha de roupas com minha escova de dentes. Deixo que a porta bata atrás de mim, quando saio para o corredor.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora