Capítulo 1 - Parte Um

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Conhecimento é poder.

Desde o início de todas as civilizações, os governantes, em geral, são pessoas de grande inteligência, que possuem uma quantia considerável de dinheiro, amplo controle sobre as massas, ou todas as alternativas acima. Mais que isso, são pessoas que podem ter informações, que retêm o conhecimento de coisas que nem sempre estão ao alcance do restante da população. Isso lhes concede poder, e o poder pode valer mais do que qualquer riqueza.

Eu prezo o saber. Tenho apreço pela informação e busco guardar tudo em silêncio, pois sei que isso pode salvar vidas. Pode salvar a minha vida. E é isso que aprendi a fazer melhor. Que eles me ensinaram, sem saber.

A cidade parece queimar ao meu redor. Meus olhos se prendem aos raios, incômodos para minha mente cheia de resquícios de uma época de criação de fobias. O Sol se põe de forma lenta, abraçando os prédios como a chama de uma vela, anunciando a aproximação da noite, e com ela o momento tão esperado. Mesmo as nuvens cinzentas não são o suficiente para diminuir a excitada animação mesclando-se ao ar.

Animação ao menos para meus companheiros.

Ser invisível não é difícil. Dentre os vestidos de saias longas e os ternos engomados dos Cidadãos, uma garota em roupas de catadora ou serva jamais receberia um segundo olhar, e o primeiro serve apenas para que tenhamos certeza de seus pensamentos por meio de suas expressões contorcidas em caretas desprezíveis e ultrajadas.

Quase posso ouvi-los. "Imundos", eles pensam. "Nojentos".

É isso que nós somos, para isso nascemos, dizem eles. Nada mais que a terra nos sapatos da Elite. Um mal na sociedade, embora um mal necessário.

Não me importo em deixar que Lorenzo me guie pelo Centro lotado de Mônaco. O pôr do sol se aproxima de seu desfecho e ficar sozinha à noite com as agitadas multidões que aguardam o início do Pronunciamento não é uma opção.

Achego-me ao pequeno grupo de jovens ao qual Enzo me conduz, aceitando caminhar quase às cegas para poder observar mais os arredores do que o trajeto à minha frente, em uma mania adquirida ao longo dos últimos anos. Em poucos passos, me posiciono tão escondida quanto posso ao lado da escadaria da Casa do Governador. As ordens são claras: permanecer em locais "privilegiados" o bastante para vermos os anúncios que serão feitos a seguir, mas longe o bastante da afetada Elite em férias para não termos a tentadora oportunidade de incomodá-los.

— Fiquem em fila, em silêncio. Não olhem demais, nem chamem atenção.

As instruções da Tutora, diretora do Colégio, são desnecessárias, porém ela jamais perderia a chance de nos lembrar da nossa posição na sociedade de Aliança — somente formigas, nada mais que servos.

— Chia está na carroça. Rua Três. Lucca está com ela — sussurra Enzo, assim que nossa senhoria termina de nos contar e se vira, afastada o suficiente para não ouvir. — Oito passagens, como o combinado.

Ele está obviamente satisfeito por termos conseguido manter seus irmãos longe do Pronunciamento. Não temos tanta dificuldade em nos esgueirar entre os becos de ligação e barracas, contudo Chia e Lucca não tem a mesma facilidade.

O raro sorriso de Enzo é leve e meu irmão postiço parece orgulhoso, eufórico até, ao dizer: — O portão ficará vazio pela próxima hora. Temos uns vinte minutos após o início da exibição para conseguir sair do Centro, passar pelo abrigo para buscar os outros e ir, ou será impossível atravessar os muros.

Desejo que meu sorriso seja tão imperceptível quanto penso. Não consigo conter. A sensação de frio no pé da barriga, o torcer de meus dedos irrequietos... A consciência dos possíveis problemas e perigos gerados por nossa aventura não a deixam menos atraente. Sinto a empolgação crescendo, a forma como a adrenalina parece envolver meu corpo em um abraço caloroso e se torna cada vez mais forte.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora