60- Papéis e Papéis

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O tempo é algo relativo.

Enquanto dez minutos aproveitados pelo sono são considerados um pecado por ser um período tão miúdo, dez minutos embaixo d'água são considerados a própria brasa do inferno, pelas chamas serem mescladas à falta de ar.

Em uma semana, pessoas nascem, mortes acontecem. O clima muda, o sol se transforma em garoa e as gotas de chuva tornam-se uma nova noite.

Em um mês, a paciência se adquire, o estresse se acumula. As juras tornam-se um apoio e as palavras cavam sua própria tumba.

Em dois meses, está desgastado, um sentimento forçado. Dores de cabeça tornam-se seu único estado. Brigas e discussões se tornam o cotidiano. Relacionamentos se acabam.

——︎Dois Meses Depois——

As mãos de Lucas cobrem todo o seu rosto. Está vermelho, não de raiva, mas de cansaço, estresse. Senta-se na beira das ondas e cruza as pernas, fechando os olhos e deixando que o sol elimine todas as emoções ruins de seu corpo.

Nos dois meses em que está casado com Mia, tornou-se de seu costume visitar a praia todas as manhãs, não apenas pela companhia do astro do dia, como costumava o fazer em Aruna, mas também para se afastar do palácio de Aisha, de seu palácio. O estresse se amplificou de formas extraordinárias ao decorrer dos dias: as discussões com sua esposa se tornaram gritos e gritos sem alguém para ouvir, os papéis para assinar tornaram-se decisões para tomar, os mensageiros de repente passaram a surgir como cidadãos irritados e mal educados pela falta de organização dos novos líderes de sua cidade e as noites tranquilas transformaram-se em brigas cotidianas pelos motivos mais medíocres.

Visitar a praia todas as manhãs tem sido a única escapatória de Lucas. O lugar onde tem paz sem que escrivães, mensageiros, empregados, cidadãos e sua esposa tenham algo a dizer, aconselhar ou julgar.

Ali há apenas as ondas se quebrando, o céu se pintando, a areia o abraçando, o sol – como sempre – e o rei de Aisha, apesar de ainda não ter se acostumado com o título.

Passa a maior parte de seu tempo livre aqui, sem se importar com a hora do dia ou com quem o verá. Sem se importar se corre perigo por conta de invasores ou animais ou criaturas mágicas da Floresta Evanora.

Chegou ao ponto de não se importar com mais nada além de ter paz, ainda que saiba que ela é passageira. Ainda que saiba que ela não é verdadeira.

Levanta-se quando seus pensamentos ocupam o lugar de Mia, gritando e vociferando que ele tem deveres a cumprir, um reino a governar e uma esposa para amar.

Encara o mar por alguns instantes e respira fundo, relaxando a cabeça. Volta para o interior do castelo e vai diretamente ao seu aposento real, ignorando todos os chamados de empregados e papéis e documentos que estendem em sua direção sem se importar em dizer uma palavra sequer.

A brisa forte adentra o quarto, arrastando as cortinas brancas e deixando a vista da praia aberta para ele, que observa o mar o quanto pode, sabendo que seu tempo livre corre tão rápido quanto areia nos relógios antigos.

A porta do cômodo é escancarada e Mia o adentra furiosa, segurando o que parecem ser milhares de folhas. Algumas caem no chão.

- Foi um desastre! - ela grita para ele - um desastre completo! Você não me escuta falar? Não escuta o que tenho a dizer?

- Eu escuto, Mia! Você sabe que escuto - sua voz soa pesada, exausta.

- O baile foi uma confusão. Foi o segundo baile que demos desde que nos casamos e já estragamos tudo novamente! Tem noção de que esse conseguiu ser pior do que o primeiro?

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