FILHOTES

CAPÍTULO 15

Smile Two estava contando sua última aventura no treinamento da força tarefa quando Harmony sentiu o cheiro de Gift vindo com Heat. Ela se levantou para ir embora, talvez desse tempo.
"Smy, eu tenho de ir, você passa lá em casa depois?" Ela perguntou, já sabendo que ele iria dizer não, mas ela não podia só sair correndo.
"Passo. Eu volto em dois dias. Talvez a gente possa ir na Nancy? Seu pai não iria se importar, iria?" Harmony se segurou para não arregalar os olhos.
"Não, claro que não." Ela respondeu, Lily sorriu. É claro que o ogro do pai dela iria se importar. Mas a mãe de Harmony ajudaria. Ela iria sair com Smy!
"Então, que tal eu te acompanhar? No caminho nós podemos marcar horário e essas coisas." Ele disse, Harmony mais uma vez se esforçou para não surtar.
A porta, porém se abriu e Gift entrou com Heat adormecido nos braços. Lily foi até ele, ele entregou o filhote gigante para ela com cuidado, como se fosse uma carga preciosa. Ou não, Gift era um grosso, ele só devia estar com medo de Heat acordar, só isso.
"Ele se apegou a você, ele não dorme no colo de qualquer um." Lily disse beijando a cabeça loira com alguns fios vermelhos de Heat. Gift deu de ombros. Grosso, essa era a palavra que o definia.
"Amanhã eu volto, Lily." Harmony disse, Lily sorriu.
"Então, até amanhã." Ela disse com os olhos brilhando, Harmony teria de contar cada passo que ela e Smy deram no caminho até a casa dela.
Gift estava no caminho para saírem, Lily e Sunny moravam numa casinha bem pequena atrás da casa dos pais dele.
"Com licença, Gift." Smy disse, Gift ergueu uma sobrancelha.
"Você também vai?" Ele perguntou, Harmony achou um pouco estranha a pergunta.
"Sim, você não?" Smy respondeu com um sorriso.
"Eu te levo, Harmony." Gift disse e pegou no braço dela, Harmony o encarou confusa. De onde ele tirou a idéia de que ela ficaria sozinha com ele depois do que ele fez?
"Não, Gift. Eu a levo. Na verdade, eu vou acompanhá-la. Harmony já é... Grandinha, não precisa ser levada a lugar nenhum." Smy disse e percorreu os olhos avermelhados pelo corpo de Harmony. O que estava acontecendo com ele?
Gift continuou parado, até cruzou os braços.
"Eu e ela temos um assunto inacabado." Ele disse, Harmony olhou para o chão. Todo mundo olhou para ela, inclusive Lily com uma grande interrogação no olhar.
"Você tem algo inacabado com ele, Mony?" Ele sempre a chamou assim, mas dessa vez pareceu diferente, o coração dela disparou. Gift apertou os olhos. Ele ouvia corações? Será?
"Não. Eu nem sou amiga dele, sou amiga da irmã dele." Ela disse evocando Bronzy à conversa. Ele acenou e saiu do caminho, eles saíram.
Andaram por um tempo em silêncio, Smile Two era assim, calmo, carinhoso, paciente. Nada de correr e se jogar sobre uma fêmea a esmagando com seu peso.
"Isso foi estranho. Gift não se envolve muito nos nossos assuntos, ele diz que só somos filhotes bobos. Como se ele fosse muito mais velho!" Smy disse, Harmony riu com ele.
Smile Two iria completar dezessete anos e Gift completaria vinte, não era muita diferença, afinal eles amadureciam muito cedo. No final do mês, Harmony iria fazer dezesseis anos, mas ela se sentia adulta já a bastante tempo.
"Digamos que eu e ele discutimos. E obrigada por não me deixar com ele." Smy parou e sorriu, segurando uma mão dela. O toque leve fez o estômago dela apertar.
"A seu dispor." Harmony sorriu de volta, eles voltaram a andar, mas ele não soltou a mão dela.
De novo andaram calados num silêncio confortável, Harmony não saberia o que dizer, era tudo pelo que ela sonhou por muito tempo.
"Então, pode ser amanhã? Às oito?" Ele perguntou, Harmony piscou.
"O quê?" Ele sorriu.
"A Nancy. Posso te pegar amanhã às oito?"
Harmony pensou no que poderia fazer para despistar seu pai. Agora, não dava para conversar com sua mãe, ela e seu pai já estariam no quarto. No dia seguinte, sei pai iria... No zoológico? Era isso? Harmony se sentia quente e confusa.
"Mony?" Ela parou, Smile Two se aproximou dela, os olhos avermelhados meio que a hipnotizaram.
"O que mudou? Você... Você fugia de mim, Smy. Aquela vez..."
Ela apertou os lábios. Ela não devia falar no dia em que ela atacou a boca dele e ele a afastou, ela atacou de novo ele a afastou de novo. Foi constrangedor.
"Eu compartilho sexo com fêmeas a bastante tempo já, Mony. Eu comecei com onze anos. E elas nunca reclamaram. Eu sou primata, você entende o meu diferencial?" Ele perguntou, Harmony não entendeu. Ele estaria falando de...
"Não. Não isso. Eu queria que você pensasse que eu sou carinhoso no sexo, Mony, não que eu poderia fazer sexo com um macho." Ele disse com o rosto muito sério, Harmony olhou para o chão envergonhada.
"É que River..." Ela começou, ele a interrompeu.
"Eu sei. E tudo bem, mas o futuro é meu e eu o faço. Quando você me beijou, eu te julguei mal. Eu pensei que seu irmão tinha dito que eu gostava de machos e você quis colocar isso a prova."
"Não! Eu nunca faria uma coisa dessas!" Era por isso que Harmony odiava essa coisa de ver o futuro. River era só um filhotinho quando ele disse que viu que Smile Two iria acasalar com um humano trinta anos a frente. Ela acreditou que ele estaria perdido e quis um beijo dele para guardar no coração. Não foi algo mal, foi só uma idéia boba de uma filhote boba. Foi um desastre e Harmony chorou por dias seguidos.
"Eu devia ter sido menos idiota, mas você era nova e... Bom, já tinha esse corpo." Ele disse apertando os olhos.
"Mas depois disso, você sempre ficou um pouco distante." Ele ergueu o queixo dela com um dedo.
"Como eu disse, essa história de que eu ia acasalar com um macho me chateou muito. Mas você sempre olhou para mim com algo nos olhos e eu me afastei. Por um tempo, eu acreditei. E não ia querer te magoar."
Ela sorriu.
"Mas você está diferente." Ela disse.
"É. Se Gift não tivesse chegado, eu teria contado que levei um tiro. Nada grave, não precisa arregalar esses lindos olhos azuis, mas quando eu desmaiei eu só conseguia pensar que se morresse eu não teria beijado esses seus lábios." Ele disse, Harmony abriu a boca, ele a beijou. Com carinho, não como quisesse engolir os lábios dela. Harmony enfiou os dedos nos cachos macios, ele cheirava ao café que tomaram na casa de Lily e a ele mesmo. Ele chupou o lábio debaixo dela, Harmony suspirou na boca dele, era um sonho aquilo. Ele a abraçou, Harmony foi envolvida pelo corpo forte, ela gemeu.
Ele continuou beijando a boca de Harmony acariciando o rosto dela com cuidado, exatamente como ela sonhou. Só que...
Ele se afastou, ela tremia.
"Calma. Não tenha medo, não há pressa." Ele disse e a beijou de novo. Era bom, os lábios dele eram macios, o beijo era gostoso, mas se ele colocasse um pouco mais de pressão não seria ruim também.
"Amanhã, às oito, Mony." Ele disse, a beijou mais uma vez, se virou e foi embora. Harmony estava próxima a sua casa, mas ela não teve pernas para andar.
Uma raiva a tomava, Gift estragou tudo! Era para aquele momento ser o melhor momento da vida dela, mas Gift tinha se colocado sobre ela, a esmagado com seu peso e a beijado com fúria. E agora ela comparava os beijos! Que merda!
Harmony começou a correr, ela precisava parar de pensar em Gift. Ela tinha beijado Smy! Tudo o que ela sonhou durante muito tempo aconteceu, mas Gift estragou tudo. Se Harmony o encontrasse ela era capaz de socar a cara dele e puxar aquele cabelo castanho, liso e... Ela chegou até o paredão, fazia tempo que ela não o escalava. Harmony mirou o primeiro furo e saltou, ficando satisfeita quando conseguiu segurar. Escalar demandava força, quando chegasse no alto, ela estaria cansada, sua mente iria parar de pensar nessas comparações bobas.
Demorou e quando ela subiu tudo, estava ofegante e muito, muito cansada. Harmony se deitou de costas no chão, ela recuperaria o fôlego e então iria descer em três saltos usando a corda que sempre ficava ali. Ela sorriu limpando o suor do rosto com a blusa. A lua brilhava, as estralas... Harmony se sentou rápido pronta para atacá-lo.
"Como..." Ela se sentou muito rápido, ficou sem fôlego.
"Eu subo nisso desde muito pequeno, e você já está a um tempo aí resfolegando. Se te custa tanto subir, por que subiu?" Ele perguntou, Harmony se levantou.
"Como eu não te senti subindo? Meu faro é bom." Ele sorriu aquele sorriso arrogante dele.
"Um truquezinho que eu tenho na manga."
"Por que está aqui?" Harmony sentiu raiva dele. Ela não foi para casa por que ele tinha estragado seu momento, algo que ela sempre sonhou e ele nem sabia disso. Beijá-la foi um castigo, não algo que ele desejou. Ele só queria subjulgá-la.
"Como eu disse antes, temos um assunto inacabado." Ele se aproximou um passo, Harmony deu um passo para trás. O paredão era extenso, mas estreito. De um lado e de outro não havia nada.
Ela o encarou, os olhos dele estavam mais escuros, ele tinha seu semblante sério.
"Se se aproximar mais eu vou gritar. Tio Oaks mora por aqui." Ele a encarou.
"Você não precisou de ninguém para me chutar as bolas e morder a minha boca."
"Eu... "
"Eu gostei. Só me fez querer te beijar de novo. E ver Smile te beijando, daquele jeito casto e respeitoso, me atiçou a subir na sua janela e te mostrar o que é um beijo de verdade, mas aí, você correu pra cá. Eu não sou de desperdiçar oportunidades." Ele disse sorrindo.
"Isso não é uma oportunidade. Eu não quero que você me toque." Harmony disse. Por que isso estava acontecendo? Gift nunca olhou para ela. Logo agora que ela e Smy tiveram um momento mágico!
"Não é o que o cheiro da sua buceta diz." Ele disse, Harmony arregalou os olhos! Como ele podia ser tão desrespeitoso?
"Minha buceta não pensa. E esse cheiro é por causa do beijo de Smy."
Ele ergueu as sobrancelhas castanhas, o pior de tudo era que gift era bonito demais. E sim, ele a olhando como se ela fosse um chocolate a excitou.
"Qual a chance de eu conversar só com a sua buceta? Falar bem pertinho dela, enchê-la de beijos, provar o..."
"Tio Oaks!" Harmony gritou a plenos pulmões. Tio Oaks era primata, ele atenderia, subiria o paredão num minuto.
Gift apertou os olhos claros.
"Tio Oaks! Me ajuda a descer!" Harmony gritou de novo, seus ouvidos doeram, mas não como os dele, que deu um passo para trás.
"Ok. Eu entendi, ao invés do meu fogo você quer água morna. Você sabe onde eu moro. Mamãe, B. e as filhotes sempre vão na casa de alguém na parte da tarde. Se quiser se queimar um pouco, é só ir lá."
"Eu não vou." Harmony disse, já era possível sentir o cheiro de Tio Oaks vindo correndo.
"Vamos ver se não vai." Ele sorriu cheio de arrogância e pulou do paredão. Harmony se aproximou da borda a tempo de vê-lo pousar no chão com leveza sem fazer barulho. Ele era canino, como podia fazer isso? Ele a olhou de baixo, do chão e só ficou atrás de uma árvore quando Tio Oaks passou correndo. Como Tio Oaks não o percebeu? Harmony inspirou e não lhe sentiu o cheiro. Como ele fazia aquilo?
"Oi, querida." Tio Oaks terminou de subir muito rápido, Harmony lhe sorriu.
"Eu acho que estou muito grande para fazer isso, tio. Eu acabei sem ter como descer, é muito alto! Sempre havia uma corda aqui. Eu te chamei numa hora errada?"
"Claro que não, Mony! Vem, vamos descer. Eu acho que algum pestinha tirou a corda daqui." Ele sorriu com carinho, mostrando a peça de ferro cravada na pedra sem a corda. Harmony nem tinha olhado naquela direção. Ela realmente ficaria presa lá. Era muito alto para saltar, pelo menos para ela.
Quando ele a pegou, Harmony olhou onde Gift estava e não o viu. Será que ele teria ido embora? Ou ainda estaria por ali?
Tio Oaks saltou para o chão, ele era muito alto e forte, seus joelhos aguentaram o impacto do peso deles sem balançar Harmony. Smile Two era ainda maior que ele, Tio Jericho era o maior dos primatas e todos os primatas eram maiores. Ele poderia fazer o que Tio Oaks fez.
"Obrigada, Tio." Harmony beijou o rosto dele, ele sorriu.
"De nada, querida. Eu vou colocar outra corda lá, tá bom?" Harmony sorriu.
"Tchau."
"Tchau."
Harmony correu para casa, passou pela lateral, escalou e entrou em seu quarto pela janela.
Melody estava em sua cama lendo no meio de um tanto de retalhos e lãs.
"Oi, Mony. Sunny demorou tanto a chegar assim?" Ela cumprimentou. Harmony passou direto, foi para o banheiro. Tomou um banho e só depois de se vestir é que ela se sentou na cama de sua irmã.
"Smy apareceu lá!" Harmony contou, Melody abriu um lindo sorriso.
"Viu? Vovó Espertinha estava certa!" Ela apontou para a casa de bonecas. Uma boneca de pano parecida com Harmony e um boneco com cabelos de lã preta enrolados estavam num canto da casa. No quarto.
"Ele me chamou para ir na Nancy!" Melody arregalou os olhos, desceu da cama correndo, Harmony sorriu. Ser vidente era importante para sua irmãzinha.
Ela foi até a caixa de móveis e começou a separar mesas e cadeiras. Harmony riu e tirou os móveis da sala da casa de bonecas, Melody fechou os olhos se concentrando enquanto Harmony montava uma espécie de lanchonete com as mesinhas e cadeiras. Não eram muitas, mas ficou parecido.
Melody voltou à sua cama, pegou alguns bonecos e bonecas de pano que ela tinha acabado de fazer e os colocou sentados nas cadeirinhas, ficou tão bonitinho! E aí ela pegou a boneca que era Harmony e o bonequinho que Era Smile Two e os cheirou. Vovó Espertinha vivia fazendo bonecos para Melody, ela colocava um arame no enchimento, os bonecos ficavam até em pé. Ela os mandava sem cabelo, sem os olhos e sem as roupas, Melody é que tinha de fazer isso. Ela colocou Harmony de um lado de uma mesa e Smy do outro. Mas suspirou.
"Não sei, Mony, não me sinto igual. Há alguma coisa fora do lugar." Ela disse.
Harmony olhou os bonequinhos que Mel tinha colocado nas outras cadeirinhas, um tinha cabelos de lã marrom, mas as miçangas dos olhos eram escuras. Não era ele.
Melody olhou com tristeza para Harmony, Harmony a abraçou.
"Tudo bem. Foi divertido." Melody balançou a cabeça.
"Eu sinto muito, Mony." Mel disse, foi até a caixa e pegou os dois bonecos que eram os irmãos delas. Ela os colocou bem perto da mesa onde Harmony e Smy estavam.
"Pode ser, pode não ser." Harmony disse, afinal, aquilo era só uma brincadeira.
"Não sou Lily." Sua irmã disse, Harmony não quis dizer que no fundo, ela não acreditava naquilo.