CAPÍTULO 52

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Ele pousou sem fazer barulho e abriu o desenho número um.
Simple. Um desenho feito por John, perfeito. Os olhos dourados, os cabelos amarrados, estava tudo lá em carvão. Harrison pedia e John desenhava sem se importar com o que o desenho significasse. E John fazia qualquer desenho, mesmo que nem imaginasse do que se tratava.
A missão era por Simple, então. Gift deu de ombros, se ele estava ali, era por que Simple não podia.
"Abra o desenho dois." Estava escrito na página. Gift desdobrou e eram três filhotes. Um de uns três anos, os outros eram bebês. Muito parecido com Simple. Gift inspirou.
No meio de um monte de aromas, incluindo o dos aprimorados, ele sentiu. Um filhote de Simple. E de Flora! Os outros também cheiravam igual, mas eram bebês. Que porra era aquela?
Gift andou pelo telhado até o lugar mais próximo de onde os filhotes estavam e daí ele começou a escalar, mas todas as janelas estavam soldadas. Gift desceu até o solo, prestando atenção às câmeras. Pessoas não o percebiam, câmeras sim, mas não haviam muitas. Ele porém sabia onde estava cada uma pelo cheiro. Ele se colou a parede, havia uma porta, estava trancada. Gift se concentrou, havia um aprimorado próximo, Gift bateu discretamente na porta. A câmera sobre a porta, que  parecia apagada, se ligou e girou até ele, Gift não ergueu o rosto, fingindo que não tinha visto a câmera.
O aprimorado não chamou ninguém, Gift estava focado em todos os sons a volta dele. Ele bateu de novo e depois de uns minutos ouviu passos. Ele sorriu pensando que sua cabeça raspada era um ótimo disfarce. No imaginário popular, Novas Espécies tinham cabelos compridos.
A porta se abriu, Gift sorriu, o humano o encarou. Outra coisa boa em aprimorados era que eles não temiam ninguém. Esse era quase do tamanho de Gift e era bem forte.
"O que quer?" Ele perguntou ainda segurando a porta. Gift sentiu outro vindo, ele suspirou descobrindo que mesmo sabendo que esse humano poderia matá-lo, não era tão fácil assim fazer o que teria de fazer.
"Eu vim buscar os filhotes." Ele disse ganhando tempo. O humano piscou confuso e era isso. Para salvar os filhotes de Simple, ele teria de matar aquele humano.
"Que..." Gift aproveitou que ele abriu a boca para falar e cuspiu veneno em sua boca, acertando bem no alvo. Benditos campeonatos de cuspe! O maior ganhador era Miracle, agora Gift tinha uma coisa para esfregar na cara dele.
O humano engasgou e arregalou os olhos, Gift esperou, localizando todos os aprimorados no prédio. Eram muitos.
O humano, com a cara retorcida, ia caindo, Gift o segurou. Aparentemente a fórmula que ministraram nele não era imune ao veneno.
Ele o colocou no chão, num canto e entrou. Estava numa espécie de sala de espera, ele passou por uma porta e chegou num corredor. Uma porta se abriu de repente, Gift parou, fechando os punhos, mas o aprimorado passou por ele, sem o ver. Ele usava valeriana e das boas, Gift não entendeu por que só ele usava, mas decidiu ir até os filhotes o mais rápido que pudesse.
Ele entrou por  uma porta, outro corredor o recebeu, Gift andou até o fim e parou perto da última porta. Ele tentou abrir, estava trancada.
"Quem é você? E por que matou o Carson?" Uma vozinha disse bem baixinho, no tom que humanos não ouviam.
"Eles podem nos ouvir?" Gift perguntou.
"Não. Existem vários tipos de fórmulas, a que o doutor usa só aumenta a força. Nada de faro ou audição." A voz disse, exatamente como Simple falaria.
"Você não me disse quem você é." Ele disse, Gift quase mandou aquele filhotinho ir se foder. Ele estava arriscando seu pescoço e ainda tinha de se apresentar?
"Sou Gift."
"Que tipo de nome é esse?"
"Minha mãe quase morreu no parto, então quando eu nasci e ela sobreviveu, meu pai me deu esse nome." Gift explicou. Os aprimorados estavam todos parados, o que era muito estranho.
"Por está aqui, Gift?"
"Vim te buscar. Você e os bebês." Gift disse.
"Não é tão simples assim, Gift. Você não é o primeiro que tenta me levar."
"Eu conheço seu pai." O filhote ficou em silêncio, Gift olhou em volta, os aprimorados estavam parados, imóveis.
"Muita gente o conhece." Ele respondeu e era a mais pura  verdade.
"Eu sou como você, vou te levar para a Reserva."
"Existem muitos Novas Espécies a serviço de humanos, o doutor sempre diz isso. E por que eu iria para uma Reserva? Eu não sou um animal."
Gift começou a perder a paciência.
"Eu moro na Reserva, a Reserva Nova Espécie. Seu pai mora lá também."
"Meu pai mora em Homeland. O lar dos Novas Espécies se chama Homeland. Devia ter feito uma pesquisa melhor antes de vir."
"Você não consegue sentir meu cheiro? Eu sou Nova Espécie, porra,  vim arriscar meu pescoço para te tirar daqui e você diz que não quer ir!" Gift disse.
"Eu não quero ir para outra prisão. E se você conhece meu pai e está aqui, por que ele não está com você?" Ele perguntou e Gift odiou a inteligência daquele pestinha.
"Ele não sabe que estou aqui, ele não sabe da sua existência."
"Por que não contou para ele?"
"Por que é complicado. Agora, vá pegar os bebês e eu vou arrombar a porta. Teremos de correr. Você é tão bom corredor quando o idiota do seu pai?" Gift perguntou.
"Por que o chamou de idiota? E ele gosta de correr?" Gift estava perdendo a paciência, que filhote irritante!
"Ele é um grande idiota, o maior idiota que eu conheço. E não, aquele pau no cu não gosta de correr, ele é a porra de um felino chorão. Mas ele é o mais rápido de todos os machos da Reserva."
"Isso não faz sentido." Ele disse, Gift se sentou apoiando as costas contra a porta.
"É, eu sei, mas é verdade. Sinta meu cheiro, eu estive com seu tio, Honest. Ou Candid, mas é só..."
"Com Honest ou Candid?" Ele perguntou.
"Honest." Ele disse, afinal era Honest para todo mundo mesmo.
"Se você os conhecesse não iria confundí-los." Gift bateu a parte de trás da cabeça contra a porta.
"Eu sou um dos poucos que não os confunde. Mas eu acordei no hospital, não estava no meu normal."
"Eu sinto cheiro de um monte de substâncias em você. Mas não de nenhum cheiro parecido com o meu."
Gift cheirou suas mãos, realmente não havia cheiro de Honest ou Candid nele.
"Há um cheiro bom, no entanto. Um cheiro doce." O filhote disse, Gift rosnou.
"Sua namorada?" Ele perguntou.
"É, algo assim. Você suspendeu os humanos?"
"Suspender?" Ele perguntou.
"Os humanos estão parados, respirando normalmente, Simple também faz isso e chama de suspensão."
O filhote ficou em silêncio.
"Faz sentido. Eles não sabem que estão parados, que o tempo está passando. Suspensão! Que nome legal!" Gift torceu a boca.
"Quanto tempo, pestinha?" Gift perguntou.
"O tempo que eu quiser." Gift não sabia se isso era difícil ou não, então voltou a tentar convencê-lo.
"Então, vamos. Nós saímos e depois você os solta." Ele se levantou.
"Não. Eu ainda não confio em você."
"Mas que porra! Eu vou derrubar a porta, pegar você e os bebês. A força." Gift disse e se afastou para chutar a porta.
"Se fizer isso eu os tiro da suspensão."
"Qual o seu problema, caralho? Eu vim te levar para o pau no cu do seu pai! Por que não acredita em mim?" Gift estava quase gritando.
O filhote suspirou parecendo entediado. Entediado!
"Eu já disse, você não é o primeiro."
"Eu sou Nova Espécie! Sou como você!"
"Não exatamente. Você cheira diferente. Eu sou felino, você deve ser primata ou canino. Eu aposto que é canino, mas você cheira a muitos medicamentos."
"Algum outro Nova Espécie já veio te pegar?" Gift perguntou.
"Sim. O nome dele era Doze, o que faz mais sentido que o seu nome, uma vez que Novas Espécies foram chamados pelos seus três ou dois últimos números de série. Nenhum poderia se chamar Gift." Ele respondeu.
"Seu pai se chama Simple! Seus Tios são Honest e Candid!" Gift retrucou.
"Meu pai não é um Nova Espécie comum." Ele disse e Gift sentiu o tom orgulhoso do filhote.
"Nem eu! E todos nós temos nomes assim! Seu tio mais velho se chama Noble! Os filhotes dele se chamam Dream e Wish! Nenhum Nova Espécie quis continuar sendo chamado por seu número."
"Eu conheci Doze e Vinte e Cinco. Você está mentindo." Gift ficou em silêncio. Aquele filhote era a merda de um gênio e com gênios não dava para conversar como se conversa com uma pessoa normal.
"Eu conheci um Nova Espécie chamado Doze, mas ele morreu." Gift disse.
Ele poderia contar toda a história de Modest, mas não iria fazer isso, precisava despertar a curiosidade do pestinha.
"Doze veio aqui a algum tempo, meu irmãozinho... Meu irmão Abel3 estava com dois meses. Nós conversamos e ele foi sincero, ele veio me roubar. Ele disse que o humano que ia me receber ia me tratar melhor. Também disse que meu pai não me queria."
"E você acreditou?" Gift perguntou. A história dos pais dele era uma merda que Gift não tinha a mínima vontade de contar. E Collin estava usando o corpo de Doze, Doze poderia estar implantado em outro corpo.
"Não. Eu sei que ele não sabe da minha existência. Mas eu fiquei tentando a ir. Abel3, porém iria morrer, então, eu não pude. Foi o mesmo com Vinte e Cinco. Quando ela veio era Abel2."
"Como faço para te convencer de que eu não vou te levar para um humano, ou para outra cela?" Gift perguntou.
Gênios não resistiam a solucionar um problema, fazia parte da essência deles.
"Doze conversou um bom tempo comigo, Vinte e Cinco também, eles são um casal, sabia? Se você acertar algumas perguntas que eu te fizer baseado no que Doze me contou, eu talvez vá com você."
Gift não imaginava quem seria Vinte e Cinco, nem se esse Doze poderia ser o mesmo Doze que dividiu seu corpo com Collin.
"Doze pode ter mentido. O Doze que eu conheci morreu."
"Não quer, então? Eu te dou alguns segundos, eu fiz isso com Doze e com Vinte e Cinco, eles conseguiram escapar." O pestinha disse.
"Fale." Gift disse.
"Como é o nome do melhor amigo de Doze?" Ele perguntou.
"Que porra de pergunta é essa?"
"Vai responder ou não?"
"Que diferença faz quem é o caralho do melhor amigo de Doze?"
"Não sabe?"
"Você deveria me perguntar sobre seu pai! Sobre sua família, eu sei tudo sobre eles!"
"Eles são famosos de certa forma. Até eu preso aqui sei algumas coisas sobre eles." Gift concordava. Ele só iria fazer perguntas que soubesse a resposta.
"Doze disse que morou na Reserva?"
O Doze que estava no chip morreu, mas Gift não entendia direito aquelas porcarias.
"Homeland." Caralho! Doze mentiu para o filhote! Gift, porém pensou se isso não era uma vantagem.
Doze conhecia Quinze, eles foram caçados juntos nas ilhas de Lennisworth. Só podia ser ele.
"Quinze. Doze o conhece desde filhotinho. Ou conhecia." O filhote suspirou.
"Adeus, Gift, vou te dar dez segundos, eu gostei de você." O filhote disse, Gift rosnou.
"Não saio daqui sem vocês."
"Faça como quiser. Dez." Gift não estava acreditando naquilo!
"Eu vou matar todos eles."
"Fique a vontade. Nove."
Gift rangeu os dentes de raiva, o filhote continuou contando:
"Oito."
Gift pensou em Doze. Modest. Ele encheu o filhote de mentiras.
"Sete."
Gift abriu as marinas de raiva. Como o melhor amigo de Doze poderia ser relevante?
"Seis."
Gift não iria dar o braço a torcer. Se não era Quinze, quem poderia ser?
"Não dá pra saber isso! Doze não nasceu numa instalação."
"Não, ele não nasceu, mas se você fosse de Homeland saberia. Cinco."
"Da Reserva! Doze..."
"Quatro."
Doze conheceu outro Nova Espécie que Gift conhecia nas caçadas.
"Três."
"Seu tio Honor! Honor é o melhor amigo de Doze!" Gift quase gritou.
O filhote ficou em silêncio.
"Outra pergunta: Doze e Honor tinham um companheiro de caçada, como ele se chamava?"
Que buceta! Gift segurou o palavrão a muito custo. Ele não sabia nada das caçadas. Honor contava algumas coisas, mas muito pouco.
Gift travou o maxilar. Talvez se chutasse a porta e pegasse os bebês, o filhote correria atrás dele. Ou não. Gift se esforçou para lembrar alguma coisa que pudesse ter ouvido sobre as caçadas. Nada. Mas...
Eles se chamavam por números.
"Quatorze." Ele disse,
"Não. Você está chutando o que significa que não sabe. Tchau."
"Não. Eu sei! Doze e Honor tiveram mais de um companheiro." Gift disse e isso também era um chute, mas o filhote não o contestou.
"Ok, tente de novo."
Gift só tinha uma chance. Os números poderiam estar numa ordem de idade.  Se Quinze era o mais jovem deles, então seria um número anterior a Quinze.
Mas havia Vinte e Cinco. Isso jogava essa teoria por terra. Ou não. Vinte e Cinco era uma fêmea, poderia ser diferente nesse caso. Gift resolveu chutar de novo.
"Treze."
"Eu acho que você chutou, então, me diga: qual a espécie de Treze?"
"Canino." Gift disse imediatamente. Finalmente uma coisa que ele sabia! Os trios sempre eram formados por um de cada espécie. Honor era felino, Doze era primata.
"Certo."
"E então?" Gift perguntou.
"Uma última coisa: Qual foi a primeira mulher pela qual meu pai se apaixonou?" Que droga!
Eles foram apaixonados por Lunna na infância, mas eram novos demais. Não devia ser ela. E Doze dividiu a mente com Honest!
Cassie foi a primeira que tocou o coração dele de forma pública, mas poderia ser outra.
"Quando você fala mulher, quer dizer humana?" Ele perguntou, pois se era isso era Cassie, se não, poderia ser Lunna.
"Não. Eu não vejo diferença, acho que somos todos humanos."
Como Doze poderia saber isso?
"Lunna." Todo mundo cresceu ouvindo ela dizer que quando fossem mais velhos ela iria escolher um dos três. Uma idiotice, já que Gift sabia muito bem que ela escolheria Simple.
"Não. Mas me fale de Lunna."
Modest e Lunna! Houve algo, já que o Honest que estava em Doze, Collin, gostava dela, a amava.
"Lunna é Filhote da doutora Joy e Moon, Doze te contou isso?"
"Não." Claro que não, Moon era um nome Nova Espécie.
"Nós crescemos juntos, ela é um pouco mais velha que eu. Lunna dizia que ia escolher entre os trigêmeos quando ficassem mais velhos." Ele disse.
"Todos dizem que meu pai é o mais poderoso deles. Por que ela iria escolher um dos outros dois?" Ele perguntou. Gift percebeu que o filhote não queria ir embora. Ele estava usando Gift para saber sobre Simple. Gift tinha de fazer alguma coisa, ficar ali conversando com ele não ajudaria em nada.
"No fim das contas, ela ficou com Honest."
"Me fale sobre Honest." Gift rosnou.
"Ele é o líder, é o mais..."
"Está mentindo. O líder é o meu pai. Adeus. Dez segundos."
Gift se levantou rapidamente e chutou a porta com força, quando o filhote o viu, ele arregalou os olhos. A porra da cabeça raspada! Ele podia achar que Gift não era Nova Espécie!
"Você não é..." Gift o encarou. Os traços de Gift eram diferentes dos dele, Gift era canino. Mas seus olhos não eram humanos.
"Eu sou canino, somos diferentes."
O filhote piscou. Ele era uma cópia de Simple. Não havia nada de Flora a não ser o cheiro e poucos iriam percebê-lo.
Gift olhou em volta, era uma sala de brinquedos. Os bebês estavam em outro quarto.
"Eu não sinto conexão com a sua mente." Ele disse.
"É, minha mente é fechada." Gift correu até o quarto, os bebês dormiam num berço feito na fábrica deles. Um dos que Thorment fez. Que ironia.
O filhote o seguiu, havia um alarme nos olhos dele.
"Esse berço. Foi Thorment que fez." Ele disse pegando um bebê, o filhote rosnou. Ele, como o filho da puta de seu pai, era grande e forte para a idade. Simple fodeu Flora uma única vez, foi aí que ele foi concebido, já devia ter uns três anos, ou completaria dali a alguns meses.
"Eu não posso ir. Há outros bebês. O doutor vai matá-los se eu for." Gift deu de ombros.
"Você falou em um tal de Abel que morreu. Qual a diferença dele para esses?" Gift pegou o outro bebê. Grande e pesado. Ele os segurou juntos. Não acordaram.
"Eu fiz uma fórmula para esses não morrerem."
"Vamos. Eu acho o doutor depois e salvamos os outros. Ou seu pai o acha."
"Você é diferente. Eu não te senti até que chegasse até a porta."
"Eu explico depois. Ou você vem, ou eu levo eles." O filhote o mediu, mas acabou por assentir.
"Ok."
Ele pegou um lápis e uma folha de papel, escreveu algumas palavras e acenou. Ele olhou em volta, estava tudo no lugar, tudo limpo e muito bem arrumado.
"Quer arrumar o berço, não é?" Gift perguntou, o filhote sorriu.




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