CAPÍTULO 19

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Gift alisou o rosto de Flash, o cavalo relinchou.
"Cuidado, Flash, esse aí bate nos amigos." A voz de seu irmão soou, Gift o ignorou.
"Bato em meus irmãos também, Flash." Ele disse e começou a selar o cavalo.
"Não precisa, não vou montá-lo." John disse, Gift não se virou e foi saindo do estábulo. Ele preferia catar milhares de quilos de cocô de cavalo a ter de ouvir a lição de moral de seu irmão.
"Gift!" John o chamou, Gift suspirou.
"Não quero conversar."
"Você nunca quer. Mas eu me sinto na obrigação de tentar te ajudar, eu sou seu irmão."
"Não preciso de ajuda, o trabalho aqui, até que é leve." Gift disse fingindo que não entendeu o que John queria dizer.
John ficou parado olhando para ele segurando a guia de Flash, esperando. Ele não sairia dali e iria atrás de Gift onde Gift fosse, então Gift suspirou, tomou as rédeas de Flash da mão de John e caminharam em silêncio durante um tempo.
"Você não se sentiu mal com a decepção de papai?" John perguntou, Gift não mudou sua expressão.
"Você é que se importa com isso, eu não, nunca vivi para agradá-lo."
Era verdade, mas por que John sempre foi o preferido. Gift achava perda de tempo competir com ele.
"Smile Two não vai voltar para a força tarefa esse semestre. O pescoço dele foi dilacerado."
"Não dá pra saber se fui eu. Nós nos embolamos, saímos mordendo e arranhando um ao outro sem saber onde estávamos batendo." Gift disse.
"Não. Smile foi separar, você se aproveitou disso. E o por que de você fazer isso só pode ter sido Harmony. O que me faz pensar que talvez você..."
"Não. Não foi por ela. Eu não ligo para ela."
John ergueu uma sobrancelha negra.
"Será? Primeiro, você liga para Tempest perguntando se a Nancy estava muito cheia, quando ele disse que não estava na Nancy, você se finge de surpreso por Harmony e Smile estarem lá e eles não." Gift torceu a boca.
"Depois você corre até a Nancy e provoca Smile. Depois, provoca Harmony e por fim, provoca Storm e Tempest."
"Eu queria lutar. Só isso." Ele disse, John balançou a cabeça.
"Harmony é linda. Doce, gentil e inocente. Tem um grande coração, não há vergonha em admitir que gosta dela."
Gift não respondeu. Essa não era a Harmony que ele conhecia. A Harmony que ele conhecia cuspiu na cara dele. Gift se sentia pegar fogo por ela ter feito aquilo!
"Ela cuspiu na minha cara, John. Cuspiu! Uma fêmea que faz isso não pode ser chamada de doce." John sorriu. Gift se amaldiçoou por ter falado demais.
"Ela te intriga, então?"
Ela o enervava! Ela o viu vulnerável, o viu chorar, o viu se declarar para Bronzy e ser rejeitado. Algo dentro dele se agitava quando pensava isso. Ela o via como se ele fosse um idiota, um fraco e ele não era fraco!
"John, por que você não vai encher a cara como você estava fazendo? Eu prefiro você bêbado."
"Eu ia justamente te chamar para ir comigo. Encher a cara juntos como dois desiludidos pelo amor."
Gift ergueu as sobrancelhas fechando a cara.
"Eu não posso, estou de castigo, se você esqueceu, mas mesmo que pudesse, eu não iria, o único aqui desiludido é você."
"Sim, eu sou. Eu passei a melhor noi..."
"Por que acha que quero saber da sua vida fodida? Ela morreu? É uma pena, mas eu nunca a vi. Não me peça para sentir algo que eu não posso sentir, essa dor é sua." Gift disse, John o encarou.
E era isso. Os dois eram os dois lados de uma moeda. Enquanto John era bom, puro e empático, Gift não era nada disso. E ele estava bem com isso, desde que não fizesse mal a ninguém, sua alma escura era só dele.
"Você sempre me diz o que eu preciso ouvir. Ela se foi e eu não posso fazer nada. Você, mamãe e papai e o resto da nossa família estão aqui e isso é o que muita gente nunca vai ter, eu devo ser grato." Ele disse parando e colocando a testa contra a cabeça de Flash.
Gift ficou observando seu irmão perfeito e viu o que sempre via. Ele continuava perfeito. Nem o sofrimento o fazia deixar de ser correto e amoroso.
"Já pensou em se vingar? Do dono da boate? É o que eu faria. Eu arrancaria a coluna dele com as mãos. Com ele vivo, gritando como um porco no abatedouro." Gift disse.
John suspirou.
"O maior culpado sou eu, Gift. Você não vê? Pensei que de todos você veria o por quê estou sofrendo tanto."
Gift olhou para as botas.
John acreditava que Shanti tirou sua vida por desespero, por ter acreditado que sairia do inferno e no fim das contas não saiu. E a culpa seria dele por que ele deveria ter matado os guardas e a levado. Ele obedeceu às ordens que cresceu aprendendo a obedecer, sem questionar, e ela morreu.
"Vamos beber." Ele disse colocou Flash em sua baia, sinalizou para Hush que John precisava dele, Hush sinalizou 'eu te amo' para John, o irmão de Gift sorriu para o grandalhão.
Eles correram até a cabana abandonada, Gift abriu o armário e tirou a garrafa de lá. Estava cheia, era nova, devia ser uma coisa de Noah.
Eles beberam até a madrugada chegar, John caiu de bêbado na cama, Gift foi até a pedra de Honest. De lá dava para ver uma grande parte da Reserva. Gift olhou no jardim de sua casa, Úrsula deslizava por lá, ele rosnou baixo quando a cobra caçou um rato e o engoliu. Ele vivia dizendo que a mataria, mas não era capaz, sua mãe e Bronzy amavam aquele bicho nojento. Ele ficou observando a cobra voltar para seu cesto. Charity devia ter deixado o cesto aberto. Sua irmãzinha tinha medo da cobra, mas ainda assim achava que ela deveria ter uma certa liberdade.
Gift suspirou, o som de alguns casais compartilhando sexo vinha aos ouvidos dele, era normal, as crianças às vezes dormiam tarde, então os casais copulavam mais tarde ainda. Algo que ele não se imaginava tendo eram filhos. Não agora pelo menos. Gift gostava de sossego, silêncio e uma ação de vez em quando. Casado, ele não teria paz. Seu pai não tinha. As gêmeas muitas vezes iam para o quarto dele de manhã, ou se recusavam a dormir em seu quarto. Charity era faladeira ao extremo e vivia atrás de Brass falando quinhentas palavras por minuto.
Ele começou a descer a montanha, John não ia acordar tão cedo. Ele andou pra mata, pensando em como faria Harmony pagar por ter cuspido nele. Ele tremia de ódio quando se lembrava disso. Tudo bem que ele tripudiou dela, mas ainda assim, Harmony mostrou que o desprezava. E ninguém o desprezava!
Ele se aproximou da casa de Grace, não precisava chegar perto, se camuflou e ficou ouvindo. Grace e Torrent dormiam, os gêmeos também, um dos dois, Gift não sabia qual e nem o interessava saber, roncava. River também dormia, mas era um sono leve, só um ressonar. Gift concentrou seus ouvidos nele, videntes nunca dormiam pesadamente. Mas ele era só um filhote, talvez o fardo ainda não estivesse sobre seus ombros totalmente. E então ele a ouviu. Gift sorriu ao perceber que ela não dormia, que ela se mexia na...
Porra! Ela estava se tocando! Gift engoliu em seco e inspirou, ele estava longe e ela se movia devagar. Ela gemia baixinho e Gift se ajeitou no galho em que estava e se tocou também. Ele manipulou seu pau se dizendo que qualquer macho no lugar dele faria o mesmo, ele não era um pervertido. Ela suspirou indicando que tinha gozado, Gift demorou alguns minutos até gozar. Ela estaria nua? Ele desceu da árvore, correu e subiu numa árvore mais próxima. Uma que o permitia ver a janela do quarto dela.
Ela apareceu na janela, procurando sentir uma brisa no rosto, suas bochechas estavam vermelhas, seus olhos brilhavam na escuridão. Gift ficou imóvel, ela não tinha por quê olhar na direção dele e não olhou.
Ele ficou lá, na árvore até ela voltar para a cama e dormir, a irmã dormia um sono pesado, até soltava uns roncos esporádicos.
Gift não resistiu e contrariando toda a prudência, desceu da árvore, escalou a casa e pulou dentro do quarto dela. Ele não se aproximou muito, ela dormia de lado, os seios fartos escapando da camisola de algodão.
Ele tinha de ir embora, Torrent tinha um super faro. Ele, porém se abaixou ante a cama e lhe tocou os lábios grossos, rosados.
Os lábios que cuspiram nele. Gift saiu do quarto pulando a janela sem fazer barulho e voltou para seu quarto na administração do zoológico. Antes de dormir ele pensou que deveria ir ver Smile Two no hospital e pedir desculpas. Ele não se arrependia do que fez, o problema era o por quê dele ter feito. Ele não sabia. Uma raiva cega e fez socar Smile Two, mesmo sabendo que isso daria vantagem a Storm. Ele ficou bem machucado também, mas como Smy levou a pior, ninguém percebeu. Ninguém se importou em perguntar se ele tinha alguma costela quebrada por exemplo.
Ele era o vilão, era tratado como vilão e não se importava. Ele se aceitava como era, aceitava que não era importante para ninguém a não ser seus pais. Talvez seus irmãos gostassem dele, Bronzy o aguentava mesmo ele sendo um pé no saco.
Gift fechou os olhos com força, no dia seguinte ia colocar em prática seu plano de vingança. Ninguém cuspia nele.
Mas o dia seguinte foi cansativo para um caralho e Gift foi deitar tarde, exausto. O dia seguinte era dia de visitação e Leo era um ditador quando o assunto era o zoológico. Gift chegou a lutar com um leão para mudá-lo de jaula, foi uma merda.
Ele se deitou e dormiu, o plano de vingança ficou para o dia seguinte.
O dia seguinte veio com uma visita de seus irmãos e pais com muita comida para um picnic. Gift se deixou levar, devia ser idéia de sua mãe, ele então percebeu que sentiu saudade de sua família naquela semana que tinha passado ali.
Violet ainda não tinha sido encontrada, Simple estava enlouquecendo por não ter conseguido achar o rastro dos Novas Espécies desgarrados. A esperança era de que ela estivesse com eles, mas se era o caso onde estariam? Seus pais estavam muito preocupados tanto com Violet quanto com os tios de Gift, pais de Violet. Era um golpe muito grande para Valiant e Tammy.
E Gift foi passando os dias seguindo Harmony de longe. Para crédito dela, ela nunca ia a lugar nenhum sozinha, Gift pensou que talvez tinha encontrado uma coisa que não fosse capaz de fazer. Mas ele não desistiria, ela ficaria sozinha uma hora e aí ele iria dar uns tapas naquela bunda grande e redonda dela.
E sua espera foi recompensada de uma forma totalmente inesperada. Ele tinha ido comprar suprimentos numa cidade do entorno, mas como não demorou a voltar ela ainda estava na casa de Leo. Gift se escondeu no caminho que ela teria de passar depois de deixar o jipe sem descarregar estacionado na frente da administração. Ele esperou e demorou, mas ela veio andando devagar, distraída, falando sozinha.
"Se eu puder fazer meu pai me deixar ir para a força..."
"Seu pai nunca deixaria. E você é mole demais para a força tarefa." Gift disse, ela correu assim que ele começou a falar, mas foi fácil se jogar sobre ela. Gift quase os virou para amortecer a batida do corpo dela na terra, mas ele não estava ali para ser gentil e delicado.
"Oi, Mony. Lembra do que eu disse sobre se arrepender de ter cuspido em mim?" Ele sussurrou no ouvido dela, Harmony começou a se debater. Gift a segurou, mas ela lhe cravou as unhas no lado de seu corpo e lhe mordeu o braço. Ele começou a endurecer, ela esperneava e roçava seu corpo no dele.
"Me solta! Por favor!" Ela implorou, Gift a soltou sem perceber que a soltava. Ela se levantou e ia correr, Gift a chamou, ela parou.
"Eu..." Gift não conseguiu continuar naquele jogo, ela tinha se sujado toda e parecia que ia chorar. Ele não era um abusador, o que passou pela cabeça dele para fazer o que fez? Ele estava ficando louco.
Ela tremeu o lábio inferior, Gift lhe tocou o rosto.
"Eu não devia ter feito o que eu fiz, mas você não devia ter cuspido em mim. Me deixou com muita raiva!"
Ela baixou os olhos.
"Só me deixa ir, por favor. Eu sinto muito pelo o que fiz. Foi errado, me desculpe." Ela disse, Gift mergulhou no azul dos olhos dela e sorriu.
"Ok. Amigos?" Ele estendeu a mão, ela não estendeu a mão dela.
"Você machucou muito o Smy. Ele só queria separar a briga."
Gift fechou a cara. Ele sabia. Ele errou, mas ela começou tudo.
"E..."
"E nada. Você deve desculpas a ele, mas isso é um problema seu, eu só não quero que você se aproxime de mim." Ela disse, Gift rosnou.
"Tudo bem, Mony. Você não me verá mais. Nunca mais." Ele disse.
"Ótimo." Ela disse.
"Concordo, isso é ótimo." Ele retrucou. Ela saiu andando, ele ficou olhando para a bunda dela, para os cabelos negros compridos. Ele tinha de aprender uma forma de chegar nela sem jogá-la no chão. Ele não queria machucá-la. Era errado. Gift rosnou puxando seus cabelos. Ela despertava o pior dele! Tudo o que ele aprisionava dentro de si, a parte escura e feia de sua alma, Harmony jogava luz sobre essas partes feias e todos poderiam ver. Ele não queria que o julgassem um macho sem valor, mas esse já devia ser o consenso comum depois do que ele fez com Smy. Gift suspirou profundamente, ele tinha de ir ao hospital. Ele tinha de ver seu amigo, o amigo que ele machucou sem motivo, por pura maldade. E depois disso, talvez John pudesse ensiná-lo a ser mais humilde. Não, isso já seria demais. Ele não mudaria por ela. Ela não queria vê-lo e ele não se importava com ela.

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