CAPÍTULO 48

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Augustus acabou por dormir, ele já devia estar a mais de uma semana acordado, então se rendeu. Augie suspirou ao sair da caverna, o ar estava frio, a noite já estava avançada.
Ele inspirou o ar, Amália estava como sempre deitada ao relento, Augie foi até ela e a arrastou para sua casa. Ele a deitou perto da lareira que ainda desprendia calor e a cobriu com uma manta.
"Augie? E a minha bichinha?" Amália se enrolou na manta, Augie quase se deitou com ela, mas Augustus não dormiria muito.
Augie saiu da casa de Amália pensando na loba dela, Miya. Miya era uma das que acreditava que deveriam viver como lobos toda a vida. Mas era fácil para Miya querer isso, Amália era uma mulher muito peculiar. Ela amava Miya, elas tinham uma espécie de conexão tão íntima que a vida que levavam era satisfatória para elas.
Augie correu pelas terras frias até o penhasco, lá ele quase uivou, mas isso acordaria Augustus, então Augie apenas se deixou banhar pelo brilho daquela lua perfeita em silêncio.
As asas de Adriel foram ouvidas, Augie se deitou sobre suas patas. Era esperado Adriel aparecer, mas Augie teve uma mínima esperança de que ele tivesse morrido.
"Augie." Ele pousou e passou o bico debaixo de uma asa, Augie o ignorou.
"Quem diria que Augustus acabaria com um agarre tão forte sobre vocês, não é?" Ele começou com suas intrigas. Augie se lembrou de Sabine, ela caía em todas as balelas que aquela coruja mentirosa dizia. Sabine acabou morta, seu coração explodiu.
"Eu sinto muito por Bob, o lobo." Ele disse.
"Os humanos chamavam Bob assim, para nós ele era apenas Bob." Augie disse ainda olhando para a lua.
"Entendi, vocês tem seus próprios nomes entre vocês. É faz sentido. Eu, como um tipo de humano, talvez deva chamá-lo de Bob, o lobo, também. Ou não chamá-lo agora que ele morreu."
"É, ele morreu. Mas você não é um humano, você sempre será um animal para mim, uma coruja." Augie disse.
"Como anda o seu plano? É uma surpresa para mim te ver aqui. Você conseguiu se soltar de Augustus?"
Augie balançou a cabeça. Nada estava mais longe da verdade. O plano dele foi por água abaixo a muito tempo já. Augustus era poderoso demais e Augie não tinha vontade de habitar o corpo de outro. Ele era o alfa, não ia se enfiar no corpo de um beta. Nunca.
"É impossível tomar o corpo de Augustus. Ele porém, continua acreditando que eu sou ele. Isso é uma vantagem." Augie disse. Não havia ninguém que entendesse o plano dele como Adriel. Os outros eram burros demais para entender e os que entendiam não queriam mudar de vida, estavam bem em seus corpos animais.
"Os leãozinhos vão se intrometer. Eles vão convencê-lo de que você tem uma mente própria. De que a ânsia assassina continua como uma parte da alma deles."
Augie se lembrou de seu amigo Bob. De que Bob, o humano, o chamou para lutar contra os tais leãozinhos e ele foi salvá-lo sem pensar duas vezes. A recompensa foi um tiro na cabeça.
"Bob, o humano, morreu, a crença deles continua intacta."
"Você o matou?" Adriel perguntou.
"Não. Foi Thad. Ele ficou muito revoltado e como nossa sobrevivência dependia disso, ele usou Thadeus para parar o coração de Bob, o humano."
A coruja abriu e balançou suas asas, parecendo muito satisfeita.
"Você pode usar Augustus? Como Thad usa Tadeus?" Ele piscou seus olhos de coruja, avermelhados e brilhantes esperando Augie responder.
"Não. Augustus é diferente de todos os outros."
"E isso não te dá medo? Ele pode te matar." Augie encheu os pulmões de ar para soltar tudo de uma vez num grande suspiro.
"Seria um favor." Ele disse.
"Acredita que há um céu para vocês? Um onde Sabine esteja?" Adriel perguntou.
Augie não respondeu. Sabine tinha morrido a tanto tempo, ele já tinha parado de contar os anos.
"Se houver um céu para lobos, também haveria um inferno. E como você são assassinos..." Adriel deixou o resto da frase implícito, Augie assentiu.
Ele tinha de acreditar que céu e inferno eram crenças humanas e só isso, ou quando ele morresse...
"Eu avistei minha filha um dia desses, voando por aqui. Ela é uma linda humana alada." Adriel contou
"Você é uma coruja, não poderia ter uma filha humana." Augie disse.
"Eu nem sempre fui uma coruja. Uma das partes da minha mente habitam esse corpo a muito tempo, mas eu ainda sou eu."
Augie não se interessava pela vida daquele idiota, então baixou a cabeça. Saudade, raiva e tristeza o enchiam a ponto de não querer aproveitar a folga inesperada que teve por ocasião do sono de Augustus.
"Por que está tão triste?" Adriel perguntou, Augie balançou o rabo, mas não disse nada.
"Eu sempre fui seu amigo, Augie! Por que não desabafa?"
Augie não confiava naquela coruja velha, era isso. Mas as coisas mudaram muito, mudaram demais e talvez Adriel pudesse olhar tudo sob uma outra perspectiva.
"Letty morreu e eu a quis, a quis muito. Ela era como Sabine, voluntariosa, violenta, temperamental. Mas eu tive de deixá-la morrer." Augie se lembrou dos olhos de Letty, azuis, lindos. E do pêlo dela, da cor, da maciez, ele não queria nem lembrar.
"Eu sinto muito. Mas me permita perguntar: por que a deixou morrer?"
Augie piscou dolorosamente.
"Por que ela estava totalmente conectada a uma humana. Uma que se apaixonou ou se vinculou a Augustus. Mas ela me rejeitou. Rejeitou a mim!" Augie parou de falar. Eles usavam telepatia para falar e ficar muito nervoso o atrapalhava.
"E então?" Adriel perguntou.
"Augustus acreditou que ela rejeitou a ele, afinal ele acredita que ele e eu somos um só. Ele a mandou embora. Ela foi."
Adriel bateu as asas, planou por um tempo, ele devia estar pensando. Augie baixou a cabeça sobre suas patas dianteiras, ele se sentia tão cansado de tudo! Ele queria tanto sair daquele mundo de instintos e impulsos! Ele queria poder uivar para a lua em paz, sem se preocupar em segurar seus impulsos assassinos, já que num mundo ideal ele não os teria.
"Eu sempre admirei esse seu plano, é tão genial! Fazê-los acreditar que a ânsia assassina que eles têm foi passada para vocês. E aí quando vocês saem matando, eles acham que é por causa da Entidade que habitava a eles e que foi passada para vocês, então eles se culpam!"
Augie não disse nada. Havia uma parte de verdade naquilo. Eles eram lobos no fundo de suas almas e lobos não matavam como eles. Lobos matavam por fome e por defesa. Eles eram assassinos, sanguinários. Augie achava que isso podia ser por causa da ânsia assassina dos humanos. Uma conexão era uma via de mão dupla.
"Sabe, talvez você devesse enganar Augustus para ele te colocar em outro corpo, já pensou nisso? Você o vê como o ser mais poderoso que você conhece, mas isso não é totalmente verdade, não entre os todos os tipos de humanos."
"Você conhece alguém mais poderoso que Augustus?" Augie perguntou. Ele não acreditava que houvesse alguém melhor, mas era exatamente por isso que estava ali falando com aquela coruja velha. Outras perspectivas.
"Acho que depende do que você vê como poder. Se for pela telepatia, não, não há ninguém. Talvez Livie e meus irmãos possam chegar perto, mas ele nem mesmo conhece seu potencial."
"Você não tem irmãos." Augie disse. Não ia deixar aquela coruja o enrolar, não ia mesmo.
"Tenho. E curiosamente eles foram lobos durante muitos anos. Exatamente como você e Sabine."
Augie rosnou. Ele odiava quando Adriel falava sobre aquilo.
"Como eles poderiam ser como eu e Sabine se nascemos assim? Seus irmãos eram lobos então? Você é um mentiroso!" Ele disse.
"Não. Meus irmãos foram colocados dentro de corpos de lobos, não nasceram lobos, mas depois disso viveram exatamente como você, como Sabine e como seus filhotes. Uma mente totalmente humana presa num corpo animal." Ele balançou bem as asas brancas.
"Eu sou um lobo, não estou preso dentro de um corpo de lobo."
"Mas você quer ser humano, sempre quis." Adriel afirmou.
Era verdade, Augie invejava os humanos. Ele queria aprender a ler, queria conversar, queria cantar e dançar. E queria fazer amor. Cruzar com uma loba não era a mesma coisa. Embora Letty... A ira o tomou, Augustus odiou Adriel por lembrá-lo de sua condição.
"Eu já vou. Espero que você morra."
"Ah, não! Augie, não vá! Vamos conversar! Dinheiro! Você sabe o que é? Dinheiro dá poder aos humanos, os mais simples, sabia disso?" Augie encarou a coruja maldita. Humanos que não eram como Augustus e seus irmãos não tinham poder algum.
"Se você enganasse Augustus para te colocar num corpo humano, um qualquer, eles são tantos que vivem sumindo e se for um sem família, ninguém iria procurar. Se você fosse colocado dentro de um humano comum, com sua inteligência você poderia fazer muito dinheiro e acumular poder."
Augie baixou os olhos. Haviam muitos tipos de poder, ele sabia disso. Amália e Miya com sua união estranha eram poderosas, uma vez que não queriam nada que já não tivessem. Havia poder na satisfação. Thad era um dos que manipulavam seu humano, ele praticamente vivia a vida de Tadeus, isso também era poder. Violet... Augie sentia tanta raiva com a rejeição dela! Violet tinha Augustus, o ser mais poderoso telepaticamente que Augus conhecia nas mãos, isso também era poder.
"Humanos comuns vivem pouco."
"Não necessariamente. Há uma coisa chamada chip. Isso faz com que você possa trocar de corpo quando o que você habita não presta mais."
Augie se levantou. Isso era bem o que Adriel fazia, mentia como respirava!
"Isso é mentira." Augie disse.
"É uma pena, Augie. Você é tão inteligente, mas deixa uma coisa simples como o desejo de continuar sendo um alfa te tirar de seu objetivo." Adriel disse.
Augie sorriu mostrando todos os seus dentes.
"Acha que não sei que você só quer ter certeza de que Augustus pode realmente fazer isso? Acha que eu não sei que você também quer habitar um humano?"
Adriel balançou a cabeça.
"Isso não poderia estar mais longe da verdade, Augie. Se eu deixasse esse corpo me tornaria um humano comum. E não poderia voar, eu nunca abriria mão disso. Não poderia conversar com animais como você também, nem poderia ver tudo o que eu vejo."
"Não poderia ser um espião e um intrigueiro, você quer dizer." Augie disse.
"Isso também. Adriel separou essa parte e colocou numa coruja quando ele era só um filhotinho, foi um teste. Isso foi a mais de cem anos. Eu tenho voado por todos os lados, tenho acompanhado a história da nossa espécie e hoje em dia tudo é muito mais interessante que antes. Não quero abrir mão disso."
Augie suspirou. Não. Ele nunca seria um humano comum, nunca mesmo.
"Você conviveu com ele, com o Adriel verdadeiro?" Augie disse, a coruja piou bem alto ferindo os ouvidos dele.
"Eu sou o Adriel verdadeiro! Eu! O idiota que usava o corpo teve um fim bem merecido! Enganado por sua própria mente! Traído por sua própria arrogância! De certa forma só eu existo agora." Ele estava agitado, batia as asas. Ele não precisava fazer esforço nenhum para se comunicar com Augie, isso era uma vantagem para ele. Nada demais, mas uma vantagem.
Augie voltou a repousar a cabeça nas patas. As vezes o peso de ter uma mente inteligente era muito grande. E ter perdido Letty mexeu muito com ele.
"Você é só uma coruja, Adriel. Pode se comunicar conosco, pode voar, eu te dou isso, mas é só." Augie disse. Se ele tinha de sofrer por ser o que era, Adriel também tinha.
A coruja piou, ele não levantou os olhos.
"Você se lembra da infância? Se lembra de lutar com os outros? De se afirmar como Alfa? Eu lembro, eu tinha um ninho na instalação onde vocês foram criados. Eu os acompanhei quando você fugiu e eles resolveram matar os outros. Eu voava bem alto quando Lazarus achou Sabine entre os lobos mortos. Eu voei algumas vezes até a prisão do outro Adriel, preso por uma dos cientistas, a tal de Samantha. Eu também cheguei a conversar com Adriel, o pai. O original, aquele que proporcionou a sua criação, a criação de todos os humanos especiais. Novas Espécies é como os chamam."
"Não seria seu pai?"
"Não. Ele, Adriel e eu somos coisas diferentes. Ele era uma coisa indefinida, algo difícil de entender, mais ainda de explicar, sua aparência era grotesca. O pênis dele!" Adriel torceu o bico, Augie o encarou.
"Qual o problema do pênis dele?"
"Nojento. Roxo, grosso e enorme. Ele tinha muitos pêlos escuros nas pernas e no saco, acho que para disfarçar aquela monstruosidade. Os olhos eram vermelhos como os seus."
"Acha que ele teria ânsia assassina?" Augie se ergueu odiando ver nos olhos da coruja velha a satisfação por Augie demonstrar interesse no que ele contava. Mas era sobre como ele veio a existir.
"É claro! De onde acha que isso veio? Não foi criado com você. Foi passado a vocês e aos humanos através da genética dele."
"Ele foi capturado? Ele te contou isso?"
"Não dá para capturar algo como ele. O poder telepático dele era imenso. Todo o poder veio dele. O meu, o de Augustus. O dos descendentes de Vengeance. Tudo veio dele."
"E você conversou com ele." Augie queria muito uivar nos ouvidos daquela coruja velha até explodí-los. Quanta mentira!
"Você não acredita."
"Não. Você mente tanto que nem se deu conta de que já espalhou essas mentiras por aí. Para Sabine. E ela me contou. Você disse a ela que Adriel, o pai e Adriel, a mente e corpo da qual você era uma parte eram um só. Como conversou com você mesmo?"
A coruja coçou debaixo de uma asa branca, provavelmente procurando inventar uma mentira maior que a que acabava de contar. Era assim com os mentirosos, eles nunca paravam.
"Adriel, o pai, foi acometido do mesmo desejo que você. Ele cometeu a burrice de observar os humanos bem de perto. Ele os viu dançar, viu trabalharem, acumularem riquezas e o pior: se apaixonarem." A coruja velha pareceu sorrir, Augie baixou os olhos. Esse era o desejo do coração dele, ser humano para se apaixonar. Animais não se apaixonavam, criavam parcerias. Ele queria mais.
"No início, ele criou uma aura de ilusão sobre si. Não é difícil, não para ele, no caso. Deu para andar no meio dos humanos, mas quando ele tocou a primeira mulher, ela o viu como ele era. Ela gritou, mas ele gostou de sentí-la ainda atraída por ele, mesmo que totalmente aterrorizada. Há uma aura atrativa em volta deles, de todos eles. De você também." Augie balançou o rabo. Era verdade.
"E ele a violentou. Foi a maior e melhor sensação em toda a vida solitária dele. Ele fez muitas e muitas vezes, até que o coração da humana parou. Ela morreu nos braços dele, mesmo sabendo que o coração dela não batia mais, ele continuou metendo nela até gozar. E isso foi delicioso." Augie olhou bem para a coruja. Era assim que Adriel lançava sua intriga, com contos que lhe atraíam. A engenhosidade da história era tão grande que você acabava acreditando nele.
"Mas foi passageiro. A humana durou poucos dias assim como todas as outras. E não era fácil conseguir uma humana. A aura dele não funcionava em todos. Pode considerar que daí vieram muitas das histórias de monstros, de lobisomens e afins."
"Continue." Augie pediu.
"E então, inteligente como ele era, ele procurou humanos inteligentes para ajudá-lo. Mas os humanos inteligentes eram ricos, estavam protegidos em universidades, em empresas de pesquisas. Ele então conheceu um humano comum, mas muito esperto. Ele era pobre, Adriel lhe prometeu dinheiro, afinal era só voar de noite e sondar a mente de algum humano rico e no dia seguinte esse humano daria todo o seu dinheiro a quem Adriel mandasse."
Augie já tinha pensado nisso, em fazer Thad fazer Tadeus tirar coisas dos humanos comuns. Não dinheiro, ele nem sabia direito o que era, mas Augie queria comida, muitas e muitas iguarias sem ter de caçar. Chocolate. Augustus uma vez deu a ele, Augie poderia matar para comer aquilo de novo.
"E esse humano lhe trouxe mulheres. Numa casa grande. Mas elas ainda morriam. Até que um dia, o humano lhe trouxe uma mulher muito inteligente. Essa mulher conversou com Adriel e lhe prometeu mudar sua aparência. Ela disse que ele poderia viver entre os humanos. Adriel topou na hora. A mulher lhe apresentou outros humanos, todos muito inteligentes. Eles disseram que poderiam fazer nascer um corpo humano para Adriel e então ele poderia passar sua mente para esse corpo. Adriel aceitou."
"E então o outro Adriel nasceu. Com asas. Eles não cumpriram o trato." Augie concluiu.
"Não! Quem nasceu primeiro foi uma mulher. Linda, alta e forte. Os olhos dela! O corpo! Eu acho que nunca vi uma mulher tão linda."
"A mãe de Lazarus." Augie gostava muito de Lazarus. Ele criou Sabine, ele amou a Sabine humana. Ele lhe deu Augustus.
"Sim. Ninguém esperava que seria uma fêmea! Adriel ficou possesso! Ele causou muita dor neles, ele ia matá-los, quando ele viu uma humana na mente de um dos cientistas. Fiona. Mamãe." Adriel contou, Augie só acenou.
"E aí ele a quis. Mas como filha de um dos cientistas, ela não deveria ser morta, os cientistas estavam com a filha dele. Então ele pediu para fazerem de novo, é claro que eles já consideravam Eva como um milagre, mas a cobiça falou mais alto, então fizeram outro embrião e implantaram em Fiona. E dessa vez deu certo! Ou quase. Um menino. Muito bonito, modéstia a parte."
"Você é uma coruja. Não é bonito." Augie disse.
"Sim, mas eu já fui Adriel. Adriel, o pai, ficou encantado, mas antes que pudesse migrar para a mente de Adriel, o filho, ele quis Fiona. E teve cuidado com ela, ela era apaixonante. Pelo menos para ele. E eles viveram na casa que o humano, o esperto, tinha comprado. E ele aprendeu a controlar seus impulsos, Fiona engravidou. Gêmeos! Meus irmãos."
Augie abriu a boca para dizer que ele era uma coruja e não tinha irmãos, mas vou a idiotice que era isso então não disse nada.
"E Adriel foi crescendo, aprendendo a usar seu intelecto, totalmente longe de Fiona e de Adriel, o pai. Damien e Demian tinham tudo o que ele não tinha, carinho e amor, mas ele tinha liberdade, eles não. Fiona foi se livrando do encantamento, fazer sexo com ele foi mudando os genes dela, até que um dia, ela riu dele e o chamou de monstro. Adriel não tinha como lidar com alguém resistente a sua atração, ele prometeu rios de coisas para ela, ela disse que tinha nojo dele. E ele voltou para o Alasca. Para cá. Tentou se matar, mas ele não conseguiu. Haviam partes demais dele espalhadas pelo mundo e ele tinha acesso a todas elas. Mas seu corpo morreu. E ele habitou um lobo, um lobo branco." Adriel, a coruja parou de falar e olhou bem para Augie.
Sua origem. Augie só se lembrava de um pátio grande onde ele e outros lobinhos viviam. Ele parecia ser mais inteligente que os outros, um dia o levaram para um lugar diferente, Augie mordeu o humano que lhe segurava, destroçando os ossos de sua mão e conseguiu fugir. Ele entendia o que falavam, ele sabia onde todos estavam através do cheiro. Ele fugiu.
"E Adriel, o pai vagou sem rumo por toda a América. Quando decidiu ir para a Califórnia, Damien e Demian tinham 'morrido'. Adriel, o filho estava preso. Eu já voava por aí então, antes que ele voltasse pra cá, tivemos uma conversa. Ele era uma parte minha, assim como é parte de seus descendentes. Eva também tinha fugido."
Ele parou de falar e novamente coçou a asa branca, Augie rosnou.
"Eva não teve problema em fugir, Adriel o pai não teve problema em achá-la. Mas ela se apaixonou pelo humano mais fraco, feio e preguiçoso que você possa imaginar. Adriel quis matá-lo, eu o dissuadi. Voltamos até o laboratório, os cientistas tinham criado uns humanos grandes e fortes, mas muito burros. Eram bebês nessa época, mas foi fácil ver que não tinha muito recheio dentro das cabeças deles. Eles eram loiros como Augustus sabia?"
Augie estreitou os olhos. Sabine, a humana.
"Isso. Sabine, a humana de sua loba preferida, era filha de um deles. Os cientistas ainda estavam aprendendo, esses humanos gigantes eram burros, mas eram gigantes, então tinham valor. Eles colocaram um deles, o primeiro ou o segundo, eu acho, para cruzar com uma humana comum. Ele devia ter uns seis ou sete anos, mas era tão grande que eles acharam que já podia cruzar, então, tentaram. A humana engravidou, mas eu não sei como a mandaram embora, acho que desistiram, não sei, eu estava meio triste nessa época. Adriel, o filho, estava preso, Adriel, o pai,tinga sumido de novo, a culpa o consumia. Então, ou mandaram a humana comum embora, ou ela fugiu, não sei. A segurança das instalações não era grande coisa."
Augie assentiu. No início, os cientistas não pareciam ter um objetivo. Foi assim com ele. Eles discutiam a serventia de lobos inteligentes, um ou outro diziam que era uma coisa espetacular, outros diziam que um lobo inteligente não valia nada.
"Eu fiquei de olho nela e aí, Sabine nasceu. Num hospital humano, como se fosse uma humana comum. A humana a levou para sua casa, ela tinha um humano. Mas aí com um mês, Sabine começou a falar! O humano deu no pé, ele sentiu medo. E Sabine desde novinha tinha a ânsia assassina. Ela mordia sua mãe de forma violenta, a mãe humana não sabia o que fazer. Até que um dia, Sabine a matou. Ela já tinha uns seis anos. A mãe dela tinha contado sobre a instalação, ela foi até lá, mas já não era como antes. Eles tinham aumentado a produção de humanos especiais, usando seus genes, Augie. Tinham ido para outros lugares, a instalação do Alasca, tinha só alguns projetos. Eles estavam aqui, pelo fato de que haviam bem menos humanos estabelecidos aqui, a maioria eram indígenas."
Augie balançou a cabeça concordando, isso tinha acontecido no século passado, muita coisa tinha mudado, mas não ali.
"O projeto dos lobos estava parado, mas eles ainda tinham alguns. Sabine tinha escalado o muro e estava nos telhados observando. Até que ela viu Sabine, a loba, nascendo. Viu que os lobinhos nasceram mortos, ouviu um humano dizer que só uma lobinha tinha sobrevivido, mas que era melhor jogá-la fora com os outros, pois ela também morreria. Sabine seguiu o caminhão, viu quando descartaram a caixa num aterro."
"E aí, ela conheceu Lazarus." Augie disse.
"Exato! Uma história de amor! É tudo o que você queria, não é?"
Era. Isso e mais algumas coisas.
"E aí, eles formaram uma família. Você que também vagava por aí, ficou a espreita, até sentir que era seguro se passar pelo lobo de Bartolomeu. Isso foi muito esperto!"
Augie sorriu. Bartolomeu tinha uma alma errante, ele queria aventuras. Ele meio que fugiu de sua família, seu lobo ficou muito triste, era um lobo branco, afinal tanto Sabine quanto ele, Augie, eram brancos. Não foi difícil atraí-lo para fora da montanha, matá-lo e voltar. Augie era o nome dele, virou o nome de Augie, que antes não tinha nome.
"Como foi matar um filhote seu?" Adriel perguntou.
"Não foi bom. Mas eles tinham um controle da quantidade dos lobos, não dava para simplesmente aparecer. E Bartolomeu estava convencido de que não precisava de Augie mais. Ele achava que tinha controle."
"E tinha?" Adriel perguntou.
"Sim. Ele era diferente, assim como Augustus é. Mas a mãe de Augustus ter morrido, abalou o controle dele. Ele viveu por causa de Augustus por um tempo, mas as crianças deles ficam independentes muito rápido. Depois de alguns anos, ele se matou."
Augie contou.
"É. Bom, acho que já conversamos demais. Eu vou voar para a Califórnia, vou voltar para a Reserva. Tiberius está lá, sabia? Está encantado com a vida que levam lá. Se voltar, vai acabar convencendo os outros."
Tiberius! Augie quase o matou várias vezes. Ele era um perigo para o que tinham construído ali.
"Se voltar, eu o mato."
A coruja bateu as asas.
"Então, se ele voltar, eu também volto! Eu adoraria ver você em ação." Adriel disse.
Augustus corria até o alto do penhasco, Adriel alçou vôo sem se despedir.
"Augie! Augie! Vem!" Augustus o chamou, Augie foi até ele. Augustus se abaixou e abraçou Augie pelo pescoço lhe alisando as orelhas.
"Eu preciso tanto de um amigo, Augie! Meu coração as vezes parece que vai explodir de tanto sofrimento e saudade. Eu não queria ter de te fazer dormir." Ele disse.
Augie o lambeu no rosto. Ele se conhecia, ele sairia matando se não dormisse. Era uma pena. Ele e Augustus poderiam minimizar o sofrimento um do outro.
"Quer correr?" Augustus perguntou com um sorriso, Augie saiu em disparada.

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