CAPÍTULO 61

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"Eu não posso, Ann. Não posso ver nos seus olhos lindos o que eu vi nos de Violet. Não me peça isso. Não me peça para estar pensando em toalhas e tapetes combinando, para num outro dia descobrir que não estávamos vinculados como foi com Forest. Não me peça para ter de te deixar, não me peça para te fazer sofrer. Ou para me tornar um assassino caso você se vincule a outro primeiro. Por que eu não sou Simple. Eu faria. Eu arrancaria o coração do macho sortudo pelo qual você se vinculasse com ele ainda vivo, eu olharia nos olhos dele enquanto esmagasse seu coração com minhas mãos. E não sofreria ao fazer isso, mas todos a nossa volta sofreriam, você sofreria. Então..."
Ann revivia uma e outra vez o que Candid lhe disse logo que os irmãos dele e Harmony saíram.
A fêmea humana sorriu por entre as lágrimas quando Cam torceu o braço dela para a posição certa, muita gente bateu palmas.
Mas Ann não conseguia se importar com a pequena fêmea humana que tropeçou e caiu de uma forma feia quebrando o braço. Candid tinha parado de falar e corrido para socorrê-la, mas para Ann, ele correu para encerrar a conversa. Candid sentou a humana numa mesa, os pais dela olhavam desconfiados para ele, mas a fêmea parecia bem, então, eles estavam apenas parados lá.
"É sempre bom ter um médico no ambiente, você não acha?" O humano, avô do filhotinho humano curioso disse, Ann acenou. Ele se sentou na cadeira que Candid tinha desocupado, Ann olhou em volta e viu a esposa dele a distância.
"Acho que sua esposa não está gostando de te ver sentado aqui." Ann disse.
"Acha que ela está com ciúmes?" O humano perguntou com alguma ansiedade no olhar, Ann Sophie não entendeu, mas olhou bem para a fêmea idosa. Ela lhe encarou, Ann se sentiu estranha.
"Eu... É, eu acho que sim." Ann disse olhando para ele evitando estar na linha do olhar azul da humana.
Ele abriu um grande sorriso, Ann acabou sorrindo para ele apesar de estar se sentindo destruída por dentro. Ele era um humano bonito, seu rosto, apesar de ter rugas, era harmônico. E ainda tinha todos os dentes, dentes branquinhos e retos.
"Você é dentista?" Ann perguntou, ele a encarou. Ele tinha bonitos olhos castanhos, brilhantes.
"Isso é uma habilidade Nova Espécie?" Ele disse.
"Não, é que eu nunca vi um dentista, mesmo já idoso, com dentes amarelos ou tortos." Ann disse, ele riu. Ela acabou sorrindo, a risada dele a contagiou.
"Eu não sei os outros, mas eu tenho implantes. Eu trabalho com isso aliás. Vocês não precisam, não é? Mas de qualquer forma tome o meu cartão." Ele tirou um cartão do bolso e entregou para ela. Ann Sophie guardou o cartão no bolso de sua calça e sorriu.
"Na verdade, precisamos sim. Eu mesmo lutei com Mony a algum tempo e fiquei com um dente bambo. Tio Slade é o campeão dos implantes da Reserva. Meu Tio sempre tenta quebrar os implantes dele quando eles lutam." Ela disse.
"Seu dente ficou bambo? Posso ver?" Ann sorriu. O dente dela estava firme, mas ela estava sentindo uma dor num dente do cantinho da boca.
"Eu tenho o endereço do seu consultório. Eu estou com um dente dolorido. E não seria legal você examinar minha boca bem aqui."
Ele olhou para Candid que lambia o braço da humana e disse:
"É aqui já está parecendo um hospital." Ele disse, Ann sorriu. Ela e o humano ouviram a humana dizer que a dor estava melhorando e Candid começou a explicar que a saliva dele tinha propriedades analgésicas.
"É verdade isso? Sobre a saliva de vocês?" Ele perguntou.
"Sim e não. Candid é uma espécie de cientista maluco, a saliva dele deve ser mais analgésica que a de Honest por exemplo." O humano sorriu, mas um sorriso diferente.
"Sua esposa foi embora, você deveria ir também."
Ele olhou em volta e depois encarou Ann.
"Eu ouvi o que ele disse antes da mocinha cair. E eu queria te perguntar, quer dizer..."
"Sobre o Vínculo? Não sei se saberia explicar de uma forma que você entendesse, vocês humanos não se vinculam. E eu estou começando a invejar isso."
"Por quê?"
"Por que Candid tem medo de só estar apaixonado e que um dia ou ele ou eu nos vinculemos. A outras pessoas. Em momentos diferentes. Com a irmã dele foi assim." Ann explicou e seu coração doeu. Muito.
"Vocês não podem se vincular um ao outro? Seria o ideal."
Ann sorriu. É, seria mesmo.
"Não é assim que funciona. Nós não sabemos como o vínculo se dá. Como ele escolhe. Eu e ele somos de segunda geração, somos diferentes de nossos pais. Eu... Eu o amo, mas..." Ann parou de falar, seu peito ardia, sua garganta fechou.
O humano lhe segurou a mão com carinho e a encarou, com tanta intensidade que Ann Sophie se sentiu presa nos olhos dele.
"Se o ama, vá em frente. Você merece ser feliz. Só..." Ele engoliu em seco, Ann Sophie não entendeu, ele parecia realmente se importar com ela.
"Só seja feliz. Faça você mesma o seu destino. Faça você mesma as suas regras. Seja feliz, está bem?" Ele disse e os olhos dele marejaram, assim como os próprios olhos de Ann Sophie. Havia alguma coisa ali, brotando das mãos unidas dos dois. Ela sorriu, ele também, se levantou e se foi.
Candid já tinha acabado de socorrer a humana e olhava para ela com uma interrogação nos olhos, Ann Sophie ergueu o queixo e o esperou vir até sua mesa, mas ele passou por ela e saiu do restaurante. Ela suspirou, ele já havia dito tudo o que tinha para dizer e não estava a fim de ouví-la, ele ter recusado as ligações dela eram a prova disso.
O celular apitou, ela olhou e viu uma mensagem de Simple:
"Inspire profundamente e se inunde no cheiro que lhe chegar ao nariz. Continue assim, feche os olhos se for preciso e ache a fonte do aroma."
Só isso. Mas esse era Simple.
Ann Sophie fechou os olhos, é claro que ela sentia o cheiro de Candid mais fortemente que os outros. Ela inspirou, Candid subia as escadas para o andar onde o quarto deles ficava. Ele ia devagar, subindo cada degrau como se carregasse o mundo nas costas. Ann continuou inspirando se negando a se sentir satisfeita em sentir o cheiro de Candid. Ela entendeu o que Simple queria, ele queria que ela fosse mais forte que a sensação boa que sentir o cheiro dele causava.
Por que ele tinha acabado de partir o coração dela e como ela podia estar tão atraída assim pelo cheiro dele, como se o aroma pessoal dele fosse a única fonte de paz, ou alegria? Seu íntimo estava em chamas, essas chamas destruíam tudo dentro dela, como ela podia se apegar àquele cheiro? O cheiro de sua ruína?
Ann Sophie se concentrou nisso, de que o cheiro era apenas isso, só um cheiro. Não era Candid. Candid não a queria.
Ele não a queria e ela tinha de se erguer dessa rejeição. Mais uma. Ela se ergueria, ela entendia a dúvida dele. Ela sabia o quanto descobrir se os dois estavam vinculados ou não custaria. Talvez toda a sua vida. Violet passou dois anos vivendo no piloto automático. Ela fez a tal missão de encontrar os caninos nômades seu objetivo de vida, por não ter nenhum outro. Seu coração foi arrasado. Sua vida foi destruída. Ela encontrou Augustus e isso foi ainda pior.
Por que ela, Ann Sophie North Crane iria ter mais sorte? O que ela fez para não ter de passar pelo que Violet estava passando?
Ann Sophie se forçou a fazer o pedido de Simple, até que ela meio que se sentiu fora de seu corpo. Ela estava sentada a mesa, ela sentia o tecido da cadeira estofada contra sua bunda, a toalha de linho em contato com a pele de seus braços, mas ao mesmo tempo, ela se sentia suspensa. Sem estar voando, sem estar amparada pela cadeira. E ela continuou inspirando. E notou que a fonte do cheiro não vinha de Candid. Era o cheiro dele, mas não vinha dele.
"Ann? Cadê o Cam?" Daisy perguntou, Ann abriu bem os olhos e se sentiu tonta. Ela foi se levantar e quase caiu de volta a cadeira, Harmony que a ajudou.
"Ann? Tudo bem?" Harmony perguntou, Ann inspirou, ela tinha perdido a trilha.
"Que porra!" Ela lastimou.
"O que foi?"
"Eu perdi a trilha. A trilha do cheiro." Ann Sophie respondeu a Daisy.
"Simple disse que Ananyia está aqui e disse que você consegue saber onde ela está. Ele te mandou uma mensagem." Daisy lhe informou.
"Sim e eu fiz o que ele pediu, mas eu perdi a trilha."
Ann Sophie não queria admitir que sentia o cheiro de Cam.
"Por que te interrompemos?" Harmony perguntou, Ann Sophie sorriu.
"Mais ou menos. Eu vou tentar de novo." Ela disse, Harmony estava acenando para a direita, Ann olhou na mesma direção e viu que o casal idoso humano e seu netinho estavam indo embora. Ela também acenou.
"Tente de novo, precisamos encontrar Tiberius. Romulus está vindo." Daisy a animou.
"Tá bom." Ann Sophie disse e se sentou de novo. Elas também se sentaram e Ann começou a inspirar bem profundamente, deixando o cheiro de Candid voltar a inundá-la. E dessa vez ela chorou. Ann Sophie sentiu as lágrimas vindo, a tristeza lhe tomando o peito, Daisy a abraçou forte, Harmony lhe alisou as costas.
"Eu consigo." Ela disse se afastando, Daisy e Harmony se afastaram também, Ann Sophie se concentrou. Ela estava entendendo o que aquele cheiro fazia. Ele despistava sua mente usando seus sentimentos. Não era só sentir o cheiro de Candid que lhe impedia de sentir o cheiro de Ananyia, com o cheiro todo o sentimento vinha. Todo o sofrimento, toda a alegria, toda a saudade, toda excitação, tudo lhe atingia de uma única vez, era como levar um tiro no peito.
Mas ela podia passar por isso, ela só precisava...
"Obrigado, querida." Ela ouviu Simple dizer, mas se sentia longe dali, então tentou voltar. Ainda que aquela dimensão fosse tão prazerosa! Até a dor era suportável ali.
"Ann Sophie?" Ela ouviu seu nome, mas não conseguia saber quem a chamou, ela não conhecia aquela voz.
"Que tal ficar aqui? Para sempre?" A voz pareceu mais familiar, Ann piscou e abriu os olhos. Ela estava no restaurante, mas o lugar estava vazio.
"Que tal ficar aqui? Comigo?" Ela olhou a direita e Candid lhe sorria com os braços abertos, Ann se jogou neles. Aquilo não era real, ela sabia, mas seu coração estava tão partido que qualquer pequena alegria valeria a pena.
Ele a apertou nos braços fortes e lhe tomou a boca num beijo sedento, Ann retribuiu.
Pequena alegria? Aquilo era o que Ann Sophie sempre quis!

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