Violet se levantou da cama e já foi preparar algo para comer, já que depois de dois dias ali, Angela tinha deixado claro que não era empregada dela. Violet sorriu pensando que se Angela pensava que a grosseria dela intimidaria Violet, ela descobriria que Violet sabia lidar muito bem com fêmeas grosseiras, afinal ela era irmã de Daisy. E que a grosseria numa fêmea Nova Espécie geralmente escondia um grande coração e a julgar pelo modo como Angela era procurada pelas outras fêmeas, parecia ser o caso.
Haviam treze fêmeas, incluindo Annabeth. Todas ou tinham cabelos pretos ou loiros e os olhos eram violetas, mas suas feições eram bem parecidas. Tirando Sonia que se parecia muito com Bob. Elas viviam de uma forma um tanto quanto estranha para Violet. Haviam algumas lavadoras, mas elas lavavam as roupas no riacho. Assim como também havia forno elétrico, mas assavam as coisas em fornos de barro.
Elas estavam sempre trabalhando, trabalhos árduos como arar a terra, cuidar dos porcos, dos bezerros, das cabras e dos cavalos. Violet descobriu que era uma grande faixa de terra a que ocupavam e eles deviam ter sido muitos em algum momento, já que haviam muitas casas abandonadas.
Annabeth lhe contou que até os tijolos foram as fêmeas que produziram. Antes, é claro. Agora, fazia muito tempo em que não construíam nada.
Eram uma sociedade quase que autossuficiente, pois de tempos em tempos tinham de ir para as bordas de grandes cidades para conseguirem as coisas que precisavam.
"Bom dia." Angela a saldou, Violet lhe respondeu e lhe estendeu um prato com carne cozida. Angela montou a mesa, elas se sentaram e comeram em silêncio. Violet tinha feito um bife para si do jeito que ela estava acostumada a comer. Nada contra carne cozida, mas mal passada era muito melhor.
"Quantos anos Annabeth tem?" Violet perguntou. Eram tantas perguntas que as vezes as mais comuns ficavam esquecidas.
"Três." Angela olhou a filhote adormecida.
"Quando eu cheguei pensei que você e Augustus eram companheiros." Ela balançou a cabeça.
"Não vai encontrar companheiros aqui." Violet já tinha notado isso.
"Vocês não convivem com humanos? Vocês os odeiam?" Angela torceu a boca.
"Você irá embora amanhã e está coletando informações?" Ela perguntou, Violet balançou a cabeça.
"Não. Eu só queria entender o que faz com fiquem aqui. Eu já expliquei que temos muitas terras, vocês podem até construir um muro. Não haveria tanto trabalho. Temos muitas facilidades lá, inclusive uma remessa de carne e mantimentos. Compras pela internet, roupas bonitas, brinquedos..."
"Nós gostamos do trabalho. Roupas? Qual o problema com essas? E brinquedos, bom, só há duas crianças. E não vai demorar e elas irão trabalhar junto conosco."
"Eles estudam?" Violet perguntou.
"Papai nos ensinou a ler. Annabeth gosta de livros, sempre achamos alguns no lixo dos humanos nas cidades."
Violet ficou um tempo em silêncio. Algo não batia nessa história. Mas ela iria embora, não devia ficar se metendo onde não a cabia.
Annabeth acordou e beijou Violet, Violet a abraçou. Angela estava do lado de fora, Violet ofereceu a ela seu bife, ela mastigou com força.
"Hum... Eu gostei do gostinho do sangue." Ela e Violet riram.
"Você não pode comer isso." Angela apareceu e pegou o prato das mãos de Annabeth.
"É gostoso." Angela rosnou para a filhote, Annabeth se encolheu.
"Cuspa." Angela disse, Violet a encarou perplexa.
"Está falando sério?" Violet perguntou, Angela a ignorou.
"Cuspa, Annabeth, ou vou te bater até vomitar essa carne maldita." Violet rosnou.
"Não vai bater nela!" Angela a encarou, seus olhos ficando mais escuros.
"Ela é minha filha! Não se meta."
"Não vai bater nela. Não na minha frente." Violet rosnou e arregalou os olhos.
Annabeth cuspiu toda a carne e até passou a mão na linguinha.
"Eu cuspi, mamãe. Cuspi tudo, olha!" Ela mostrou a carne que cuspiu no chão, Angela e Violet ainda se encaravam. Tudo em Violet se preparava para lutar.
"Bom dia?" Augustus disse da porta, Annabeth se jogou nele.
"Papai!"
Angela rosnou, Violet rosnou de volta.
"Angela." Ele disse com uma voz de comando, Angela se voltou para ele.
"Vá." Ele disse, Angela se esticou. Violet também e ela era mais alta que Angela. Augustus rosnou, Angela saiu da casa.
"Vou atrás dela." Annabeth ia sair, Augustus a segurou.
"Não. Sabe que não pode." A filhote assentiu.
"Qual foi o problema?"
"Eu comi a carne de Violet. Mamãe ficou muito brava." Violet ainda sentia seu sangue correndo rápido em suas veias, ela continuava esticada, suas unhas estavam no máximo.
"Violet." Ele se aproximou, Violet piscava tentando se acalmar, mas a raiva era muita.
"Violet." Ele lhe tocou o rosto, Violet rosnou. Ela o atacou, ele lhe segurou as mãos. Segurou com força e ela continuou lutando, esperneando. Ele era mais forte, então conseguiu abraçá-la. Violet lhe mordeu o braço com força, ele continuou segurando.
"Calma." Como se ela quisesse se sentir como se sentia naquele momento!
Ele a segurou até que a raiva foi diminuindo, Violet fechou os olhos com força e repousou a cabeça no ombro dele.
Quando ela estava no controle, Augustus a soltou. Violet se sentou na cama e colocou a cabeça entre as mãos.
"Você está melhor?" Annabeth perguntou, Violet sorriu para ela.
"Sim. Me desculpe se a assustei."
"Não assustou." Ela disse, Violet suspirou.
"Anna, que tal ir brincar com Phil?" Augustus disse, Annabeth beijou Violet e saiu da casa.
"Eu não sei o que me deu." Ela disse, ele se sentou ao lado dela, Violet lhe tocou o braço onde ela tinha mordido. O corte tinha se fechado, mas a marca dos dentes dela ainda não.
"Me desculpe." Ele afastou o braço, Violet se sentiu pior. É claro que ele não queria ser tocado por uma fêmea louca.
"É uma pena." Ele disse e se levantou.
"Como assim?"
"Bob voltou com a peça, mas você não poderá ir embora."
"Eu vou embora! Não pode me segurar aqui!" Ela disse e a raiva lhe esquentou o corpo.
Ele suspirou, Violet rosnou.
"Calma, Violet. Se enfurecer não é indicado agora." Violet engoliu em seco.
"Vem, vamos correr um pouco." Ele estendeu a mão, Violet hesitou, mas ela estava quente, estranha, a raiva ainda a aquecia. Raiva de quê? Ela nem se lembrava.
Augustus lhe puxou a mão e saiu correndo, Violet só pode seguí-lo.
Depois de um tempo ele lhe soltou a mão, Violet se sentiu melhor, o esforço, o chão contra os pés dela, seu corpo lhe impulsionando para frente lhe clareou a mente. Eles correram por uma grande extensão de terra, até que ele parou. Tinham chegado a uma montanha, Violet suspirou quando olhou para baixo e viu o mar. Lindo.
"Bonito, não é?" Augustus disse, Violet sorriu, os cabelos dele voavam em todas as direções com o vento forte. Ele embolou o cabelo no alto a cabeça, Violet fez a mesma coisa.
"Eu adoro vir aqui, mas o vento..."
Ela riu e se sentou numa pedra, ele também.
"Por que você diz que eu não vou embora?" Algo dentro dela se agitou, talvez não fosse o melhor assunto para se tratar naquele momento.
"Calma, Violet! Ou acabaremos tendo que... Bom, que tal uma história? Isso me acalmava." Ele disse, Violet assentiu.
Ela não era assim. Não era violenta, agressiva. Ela era racional. Ele dizia que ela não iria, ela daria um jeito de fugir, mas não poderia fugir se ficasse rosnando e mostrando os dentes toda hora.
"Bom, tudo começa quando a mãe de Lazarus o deixou sozinho. Eles viviam no mato, caçavam e dormiam no relento. Ela era forte, mas não tinha muita inteligência. O pai dele foi um caçador, estamos falando de outro século, antes das modernidades. Eles tinham uma cabana, mas o pai de Lazarus morreu e a mãe dele se embrenhou mais no mato, Lazarus não sabia por quê. Provavelmente o caçador tinha família e ela deve ter tido medo deles."
"Lazarus disse que ele era doente." Violet se lembrou dos olhos calmos e sábios de Lazarus e sentiu uma grande tristeza abatê-la. Uma lágrima desceu por seu rosto, Violet limpou com as mãos.
"O que Bob disse sobre papai é verdade. Ele não iria querer suas lágrimas."
"Mesmo eu tendo sido a causa da morte dele? Ele me mandou pegar o terceiro carro. Eu, por causa da minha curiosidade e mania de me meter onde não me cabe, desobedeci."
Augustus balançou a cabeça os cabelos dele se soltaram e voltaram a ficar esvoaçando.
Violet instintivamente foi arrumar o coque, ele afastou as mãos dela.
"Eu arrumo." Violet olhou para baixo.
Ele dormiu com ela num colchão, mas depois disso evitava tocá-la.
"Os caçadores nos perseguem a anos. Eles são como uma praga, não é sua culpa."
"Eu só consigo pensar que a humana morreu por minha culpa. Ela ainda estaria com o humano, ou eu podia ter pegado o carro dele. Mas era o segundo carro!" Violet disse se exaltando.
Ele se segurou a mão.
"Calma. Me deixe continuar. Você se lembrou de um detalhe importante. O pai de Lazarus era doente. Mas não foi isso que o matou. Foi um lobo."
"Lazarus deu a entender que..." Violet disse, ele suspirou.
"Papai tinha essa mania irritante de não contar tudo, de deixar coisas subentendidas, de jogar com o que entendíamos do que ele contava. Coisa de vidente." Ele sorriu olhando para o mar. Um sorriso triste, saudoso.
"Augustus, eu sinto muito." Ela disse o nome dele, ele se virou para ela e os olhos dele estavam brilhando como se estivesse prestes a chorar. Mas ele piscou e voltou a olhar para a frente, para o mar.
"Lazarus ficou sozinho, só com três anos de idade. Ele já sabia caçar, havia riachos, ele cresceu correndo por aqui. Até que encontrou uma fêmea. Ele já devia ter uns dez anos, ela parecia mais velha. Loira, olhos violetas. Ela não era humana, mas não era como você. Era pequena, delicada. Ele se apaixonou imediatamente, logo ela estava grávida do meu pai. E foram tendo filhotes, Lazarus dizia que eles começavam a correr cedo, e ele tinha que correr atrás deles. Ele disse que foi a melhor época de toda a vida dele." Dessa vez ele sorriu mostrando as presas, Violet sorriu também.
"Ela devia ser uma fêmea presente. Elas são menores."
"Fêmea presente! De onde vocês tiraram esse jeito de falar?" Ele disse sorrindo.
"Elas são diferentes, mas tem nossos instintos, nosso faro, mas são estéreis."
"Bom, mamãe não era." Ele disse.
"Por que não a chama de avó?"
"Eu não sei. Sempre houve só papai e mamãe, não importava se eles não eram nossos pais de verdade, o resto eram meus irmãos, mesmo que fossem primos ou tios. Eu não convivi muito tempo com mamãe, ela morreu de parto quando eu tinha uns doze anos." Violet entendia o que Lazarus fez, ele era o líder, mas isso poderia ser difícil se outras famílias se formassem.
"E sua mãe?"
Ele deu de ombros, ele fazia muito isso, parecia James.
"Humana. Meu pai verdadeiro era diferente dos outros, Lazarus dizia que ele era muito impetuoso e arrogante. Ele saiu dessas terras, nadou até o Canadá e lá ele conheceu uma humana. Ela engravidou, ele a trouxe para o acampamento, ela morreu no parto." Ele disse sem nenhuma emoção na voz.
"É como eu disse, Lazarus é meu pai. Mamãe ficou encantada comigo, ela dizia que uma humana fraca não iria poder dar filhos aos filhos dela. Então a primeira mulher nasceu. Sonia."
Violet acenou. A partir daí, os irmãos começaram a compartilhar sexo.
"Os filhotes de Isaac e Rebbeca, quer dizer o filhote, por que eu acabo esquecendo que os gêmeos não são de Isaac, bom, Josh, filhote deles é saudável."
"Outros filhos deles saíram e também engravidaram humanas. Uma ou outra sobreviveu ao parto e logo havia muita gente. Mamãe continuou tendo filhotes. A última foi Angela." Violet ergueu as sobrancelhas. Então, Angela era tia dele. Mas no contexto em que viviam isso não tinha importância nenhuma.
"E como foram morrendo? Os caçadores?"
Ele sorriu, um sorriso meio misterioso.
"Eu já contei muita coisa hoje, Violet. Eu ainda tenho esperança de que você poderá ir embora. Se tiver de ficar, eu conto mais."
Ela não soube como se sentir com as palavras dele. Ele queria que ela fosse embora. Ela queria ir, mas não gostou muito de saber que ele a queria longe.

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General FictionQue tal não dizer os protagonistas dessa história? Talvez ir escrevendo e deixar que eles assumam o protagonismo? Ou deixar vocês escolherem? Bom, essa é a proposta dessa história. Eu tenho dois personagens os quais /adoraria escrever, mas vou deix...