CAPÍTULO 36

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A manhã passou com Violet conversando um pouquinho com todo mundo. Quando seu tio Vengeance entrou no quarto ela começou a chorar, parecia que era Lazarus entrando, Lazarus que morreu por causa dela.
"Você gostou tanto dele assim? Vou acabar ficando com ciúmes." Ele disse, Violet lhe segurou a mão.
"Ele morreu por minha causa."
Seu tio arregalou os lindos olhos azuis.
"Você atirou na cabeça dele?" Violet sorriu, esse era seu Tio Vengeance!
"Ele me disse para pegar o terceiro carro que passasse, o terceiro! Mas o segundo tinha uma humana e um humano, a humana precisou de ajuda e por causa disso, eu perdi o terceiro carro!"
Ele ficou um tempo pensativo.
"Ver o futuro é um fardo muito pesado, querida. O futuro não está pronto e depende de milhares de variáveis. Eu sei como vou morrer, sabia? A cada dia que eu penso nisso, a visão continua igual e eu simplesmente espero. Não tento mudar nada, pois as consequências podem ser piores." Ele disse e Violet lhe beijou os dedos.
"Você já contou isso para alguém?" Ela perguntou, ele negou com a cabeça.
"Não. Marianne sabe, mas não há diferença entre ela e eu, somos um só." Violet sorriu. Assim como seus pais. Assim como seus irmãos que acasalaram. Assim como ela nunca seria.
"E eu acho que ele sabia. E não fez nada para mudar. Se ele é meu irmão, ele é mais velho que eu e Wide jura que tem pelo menos uns cento e quinze anos. Se ele estiver certo, eu estou chegando aos cem e ele seria ainda mais velho." Violet pensou no começo do século vinte. Faria sentido.
Deram a todos os Novas Espécies libertados a idade de trinta anos através de exames de arcada dentária entre outros. Com trinta e seis anos anos do dia da liberdade, estimava-se que eles estavam com quase setenta anos. Mas Mercille foi fundada no século dezenove. Sua principal fonte de renda era a venda de armamentos, pois desde sua fundação os medicamentos eram só uma fachada.
"Mas eu não queria fazer parte disso." Violet disse, jogando o assunto da fundação de Mercille para um canto de sua mente. Seria um bom tema para pesquisas, investigações. Ela iria precisar de algo para ocupar a mente.
"E eu não queria ter dois filhotes que não estudaram nada. Mas veja só! Eu tenho e se bater demais na cabeça deles aí é que não vão estudar mesmo!" Tio V disse quando Noah apareceu na porta do quarto.
Violet riu.
"Mamãe disse que se você não ir no tio Lash com ela, pode se preparar para dormir no quarto de Adam." Seu tio lhe beijou as mãos e se inclinou sobre ela para lhe cheirar o rosto. Violet se sentiu em casa, amada, protegida.
"A cama de Adam é macia demais! Eu tenho que ir, querida." Ele disse e quando passou por Noah, ele o beijou. Violet sorriu quando Noah fez uma careta para ela.
"Pais! Vivem beijando a gente como se fôssemos filhotinhos ainda!" Ele disse se sentando na cadeira em que o tio de Violet estava sentado. Foi estranho.
"O quê?"
"É como se tio V ainda estivesse aqui. Você se parece muito com ele." Ela disse.
"Acho que esse é o objetivo de se fazer um clone." Ele disse.
Violet o encarou, ela nunca prestou muita atenção nele, não como um clone no caso. Peter era filhote do seu tio e se parecia muito com ele, talvez isso estivesse na mente de quem olhasse para Noah e Adam, que eram filhotes parecidos com seu pai, mas quando alguém estava se agarrando a qualquer coisa para se pensar, era uma coisa boa de se fazer.
"Acabou?" Ele perguntou com seu sorriso de lado, ela sorriu.
"Eu estou tentando não pensar no que eu passei. Pensar em como acabamos por olhar as coisas embasados por nossos conceitos e até pré conceitos é algo interessante."
"Você nunca pensou no que realmente significa ser um clone, é isso?"
"Sim." Ela baixou os olhos.
"Eu gosto de pensar que todos me vêem como filhote e não como clone, embora muita gente me chame assim. Alícia me chama de titio clone, ou quando precisam de mim e de Adam, sempre dizem: 'Chamem os clones!'. Mas acho que ninguém pensa muito que eu realmente sou um clone, que eu não tenho parentes, que não tenho mãe e nem pai." Violet estendeu a mão, ele pegou. A mesma mão. Mesma forma dos dedos, até os mesmos pelinhos negros sobre as falanges. O formato da unha. Igual a mão de seu tio.
"Sabe, eu gostava muito do Tio Hills. Ele andava correndo pela reserva com seus cachorros, era bonitinho quando ele falava com eles e eles obedeciam. Eram dois, um muito gordo e pequeno, marrom e branco e um outro que parecia um lobo preto, bem grande e forte. O pequeno se chamava Tomate e o grande se chamava Preto. E Tomate era o mais bravo." Violet se lembrou de seu Tio Hills indo levar um filhotinho de Preto para elas. Violet e Daisy tinham uns seis meses, elas já corriam pra todo lado, Daisy foi logo abraçando o cachorrinho, mas a mãe delas não quis o cachorro. Sua mãe tinha muito trabalho em casa, Violet e Daisy, os trigêmeos e os outros irmãos de Violet adolescentes. Pride e sua sede de sangue. Era muita coisa. Daisy rugiu quando Tio Hills pegou o cachorrinho dos braços dela, Violet se lembrava que foi um dia bem triste. E aí ele voltou com uma estatueta feita por Bells de madeira. Os pêlos do cachorro pareciam balançar, era lindo.
"Papai contou que Tomate mordeu Gabriel. Cachorros sabem das coisas." Noah disse, ela sorriu e voltou ao assunto:
"Quando Isaac chegou aqui, eu só consegui ver a calda. Ele era bem jovem e ainda que fosse muito parecido com Tio Hills, eu ainda era nova, não fiz a ligação e o Tio Hills não tinha calda, agora sabemos que foi cortada. Mas agora! É como se Tio Hills estivesse de volta! E como podemos saber que não é? Afinal, Isaac é um clone dele, não é?"
"É, ele é. Ele foi feito de uma forma diferente, muito cara como Bishop dizia para Samantha, mas sim, ele é um clone."
Isaac era mais velho que Romulus que era mais velho que Adam e Noah. Michael Marshall vendeu os embriões para Bishop e ele correu para fazer um clone, isso fez com que Romulus fosse alguns dias mais velho que Peter. Ele já tinha feito Mônica, Isaac e Rebecca.
"Eu acho isso que você está fazendo bem inteligente, sabia?" Ele disse, Violet o encarou.
"O que estou fazendo?"
"Tentando achar coisas complicadas para pensar, tentando afastar o sofrimento. Isso mostra que você é uma lutadora." Violet suspirou. Ela não conseguia sofrer sem lutar contra isso. Mas seria suficiente? O peito dela doeu, uma dor profunda, agonizante. Talvez não, mas ela não podia se entregar.
"Eu não posso me entregar. Dói, Noah, dói muito. É como se quando me despedaçaram, os pedaços não se encaixassem mais. Eu estou aqui, estou viva, mas não totalmente."
"Quer explicar?" Ele perguntou e seus olhos brilharam gelados distantes. Ele ficou assim por um tempo, Violet aproveitou para examiná-lo. Ele era tão bonito! Misterioso e havia uma dureza nele, ele não era bonzinho. E lutava contra isso, contra a objetividade com que via as coisas. Noah procurava ser bom, negava seu lado escuro. Isso era bonito e Violet achava que ele fazia um bom trabalho.
"Collin e Forest estão cuidando de você?" Ele perguntou, ela assentiu.
"Isso é bom. Obedeça a eles, tá bom?" Ele disse se levantando, Violet sorriu.
"Sabe acho que nós vamos conversar mais vezes." Ela disse, ele sorriu seu sorriso deslumbrante.
"A seu serviço. Sempre." Ele disse e saiu, Violet pensou que ao invés de sair da Reserva, procurando algo que ela não sabia o que era, talvez devesse ter ficado. Haviam muitos amigos interessantes ali, além de Bill e de Angel que tinham um certo interesse nela. Falando em Bill...
Violet sorriu para ele, ele entrou. É claro que foi primeiro à prancheta com a evolução clínica dela, ele era médico no fim das contas.
Ele ergueu as sobrancelhas loiras, Violet o encarou:
"O que foi? Collin e Forest estão escondendo algo de mim?"
Ele sorriu. Violet pensou que o sorriso dele era exatamente igual ao do Tio Dusky. Como ninguém viu isso? Como ela não viu?
"O que foi?" Ele perguntou e se sentou na cadeira.
"Você se parece um pouco com o Tio Dusky. O sorriso." Ele assentiu.
"Se olhar para meu olho direito com atenção, verá que ele tem umas raias azuis. No outro não. E minha mãe tinha olhos azuis, então, meus olhos são da cor do olho verde dele."
"É." Violet disse. Ela e Bill nunca tinham conversado muito, agora, não havia assunto.
"Eu só vim ver você, ver se você precisa de alguma coisa, mas parece que não, não é?" Ele perguntou, Violet sorriu.
"Eu preciso de amigos, Bill. Eu estou tão confusa e meu coração está partido. Eu sinto como se de uma hora para outra, tudo me tenta sido tirado e sem que eu entenda o por quê. Não vá embora." Ela disse.
Bill era uma pessoa de fora do círculo dela, isso ajudava a falar de uma forma mais livre, pois ele não sofreria ao saber como ela estava como sua mãe ou seus irmãos.
Ele suspirou.
"Talvez eu possa te ajudar." Ele disse, Violet assentiu.
"Sim, eu acho que você pode me ouvir e não sofrer com isso. Mas eu estou perdida para qualquer macho, Bill." Ela disse. Não dava para alimentar qualquer expectativa que ele tivesse, seria errado.
"É, acho que você sempre esteve perdida para mim. Mesmo que aqui, no meu coração, eu deseje que não." Ele disse tocando o lado esquerdo do peito.
"Eu sinto muito."
"Eu sei. Você sempre foi sincera. E está tudo bem."
Ele abriu o jaleco e tirou uma revistinha em quadrinhos muito antiga.
"Vou te dar uma coisa para ocupar sua mente. Papai era fã dessas revistas, mas a mente dele era muito boa, então uma vez que lesse a história, não havia muito a fazer, ele se lembrava de todos os detalhes. E por isso, essas revistas se tornaram o legado dele. Veja." Ele apontou para uma fala de um super herói, haviam alguns traços pequenos debaixo de algumas letras.
"Humanos não têm a nossa visão, ainda que se prestarem atenção dá pra ver, mas para mim, é como um livro dentro de outro.
Violet começou a juntar as letras com pontinhos e viu que formavam uma palavra: ALASCA.
"Esse é o assunto de que se trata esse tomo em questão." Ele disse, Violet entendeu. Bishop sabia sobre os Novas Espécies do Alasca.
"Ele não contou para Mercille? Ou descobriu isso depois que já tinha 'morrido'?" Ela fez aspas com os dedos. Bishop morreu e demorou alguns anos até ser implantado.
"Eu acho que ele sempre soube. Papai tem uma certa paranóia em sempre saber mais que os outros. Sempre ter a informação completa e ele era do primeiro escalão dos cientistas. Até hoje só ele sabe como ele fez Isaac, Rebbeca e Mônica. E Mercille era uma empresa grande com vários acionistas que fechavam os olhos para o que os cientistas faziam, só se importavam com o lucro." Ele explicou, Violet sorriu.
"Obrigada, Bill. Eu não acho que entendi tudo o que o povo de Augustus é." Ele baixou os olhos.
"Eu já li tudo. E fiquei preocupado, Violet." Ele a encarou.
"Eles não são como nós. E agora, você também não é." Violet balançou a cabeça.
"Não. Ter me entregado aos meus irmãos significa justamente isso, Bill, que eu não sou."
Ele sorriu, um sorriso bem triste.
"Você não sabe de tudo então. Bom, acho que os trigêmeos me matariam se eu explicasse, então deixarei isso para eles." Ele disse e fez que ia sair, Violet lhe segurou o braço. No movimento ela arrancou o acesso do braço, os aparelhos começaram a apitar. Bill imediatamente começou a trabalhar no braço dela que sangrava.
"Isso, Bill! Me dê motivos para quebrar a sua cara." Ela olhou para a porta e Candid estava ali. Ou Honest, pois ele estava de jaleco e com os cabelos trançados. Mas era Candid. Eles estavam trocando de novo?
"Estou arrumando e foi ela que fez um movimento brusco."
Candid, por que não dava para pensar que ele fosse Honest, deu um empurrão forte em Bill e começou a cuidar do braço dela.
"Some daqui." Ele disse, Violet achou que já era demais:
"Cam! Quer parar com isso! Bill foi muito atencioso vindo aqui. Se essa bosta de acesso soltou a culpa não é dele!" Ela disse e rosnou, seus olhos esquentaram, ela arreganhou os dentes.
"Calma, Vi! Calma! E eu sou o Hon. Calma, querida, por favor." Ele pediu, Violet apertou os olhos. Não era Honest.
"Eu já vou. Fique calma, está bem? Não queira ter pressa. E, Honest, eu fiz a fórmula que você pediu." Ele falou com ela e com o falso Honest. Bill pegou um papel e entregou a ele, sorriu para Violet e se foi.
"Tá, agora me diga por que você está se passando por Honest. E não venha dizer que não é você, ou vou rasgar seu pescoço." Violet se admirou um pouco com a ameaça, mas a manteve.
"Sabe que não reagimos bem a ameaças, maninha, mas eu não estou fazendo isso por que eu quero, então..." Ele suspirou e a encarou. Com os olhos zombadores de Cam, não com os frios de Honest.
Ela sorriu.
"Há muito pra explicar, Vi. E você sabe que o cuzão do Sim é quem gosta de fazer isso. Eu teria uma alergia só em pensar em como eu organizaria toda essa história de merda." Ela riu.
"Seus olhos ainda não voltaram ao normal, acho que não vão." Ele disse, ela ergueu as sobrancelhas.
"Como?"
Candid pegou um espelho pequeno e lhe entregou, Violet gritou quando viu seus olhos. Violetas exatamente como os de Augustus e de todos os outros.

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