O garçom lhe serviu com um sorriso no rosto, Laylah sorriu de volta. Os pensamentos dele eram tão desconexos que era muito fácil ignorar e era por isso que quando ia ali, quando era autorizada a ir ali, Laylah sempre fazia sinal para ele. É claro que alguns pensamentos nojentos passavam pela mente dele, mas dava para relevar.
Aquela hora era a hora em que a pequena cafeteria ficava quase vazia e Laylah podia ficar um pouco lá sem que reparassem muito nela. E estava frio, ninguém olharia e questionaria o sobretudo volumoso que ela usava.
Em suma, Laylah podia desfrutar de uma ida a uma autêntica cidadezinha inglesa e podia sonhar que uma das ladies das suas histórias preferidas poderia entrar pela porta seguida de sua dama de companhia, ou de uma amiga.
Elas tomariam chá e comeriam os bolos deliciosos enquanto falavam sobre seus pretendentes.
Laylah suspirou. Havia apenas um casal sentado numa mesa a direta da dela e a mulher pensava algo parecido ao que Laylah pensava. Romance do século passado. Damas presas a uma sociedade patriarcal que as oprimiam. Que lhes tolhia o espírito aventureiro, tentando convencê-las de que ficar em casa cuidando de muitos filhos era a realização e sentido de vida de uma mulher.
Laylah poderia viver uma vida assim. Uma casa bonita e muitos filhos. É claro que na maioria dos casos os maridos eram infiéis e os casamentos eram arranjados, sem falar que o sexo era para a procriação, mas se ela pudesse escolher entre uma vida assim e a que ela vivia, essa vida da mulher no período vitoriano era ainda melhor que sua vida atual. Laylah vivia numa prisão sem muros. Uma prisão sem carcereiro. E da qual ela não podia sair.
A mulher sorriu para o homem, ele sorriu de maneira lasciva, a mulher revirou os olhos. Pela mente dela passou o pensamento de que ela era mais que uma vagina. O homem porém, revivia o momento em que a conheceu e agradecia aos céus por ela gostar de sexo.
Laylah olhou para as mãos e sorriu. Humanos! Eram tão simples! Uma rápida conversa poderia deixar os dois mais em sintonia, a mulher queria um pouco de companheirismo, o homem queria sexo. Talvez pudessem achar um meio termo e graças ao fato de se amarem, eles poderiam sim viver felizes por uma boa parte do pouco tempo que lhes restava.
Laylah já tinha passado dos trinta anos, mas tinha visto tão pouco da vida! Sua avó a tratava como criança e em alguns aspectos, Laylah admitia que não entendia muito sobre a maioria das coisas.
Ela fez sinal pedindo mais chá, o garçom pensou que adoraria jogar o chá no corpo nu dela e chupar alguns lugares. Laylah pensou que se ele a visse nua talvez saísse correndo e então ela riu.
E Laylah ainda ria baixinho quando uma criança entrou correndo pela porta e se escondeu debaixo da toalha de uma mesa. Laylah olhou ao redor, o casal estava conversando baixinho, não sobre a vida deles, mas sobre uma casa que queriam comprar. Um homem lia um livro sobre um complicado assunto, do qual ele não entendia nada e tinha de voltar várias vezes na leitura. Era sobre as sociedades secretas do século dezenove, qual a dificuldade de entender algo assim? Numa outra mesa, um rapaz tomava chá para gastar o tempo até uma entrevista de emprego num hotel que ficava próximo dali. Laylah fez uma prece de boa sorte para ele. Em sua mente, ele pensava em como o salário seria bem vindo. Ele tinha planos de juntar dinheiro e comprar uma moto. Laylah achou bonitinho o plano de usar a moto para dar carona a uma moça que ele gostava.
A criança correu para baixo de outra mesa, Laylah baixou a cabeça sondando as mentes e descobrindo que ninguém tinha notado a criança ali. Era uma criança forte, ruiva e muito rápida. Talvez só os olhos de Laylah pudessem vê-lo.
E de novo a criança passou de uma mesa a outra, parecendo ser a cozinha o seu destinatário.
A mesa de Laylah era a última mesa contando da porta de entrada até os fundos da cafeteria. Mas a criança não iria correr para debaixo da mesa dela. Ou iria?
Quando o menino correu para baixo da mesa do homem com o livro, sem que este percebesse, Laylah pensou em ir embora. O homem comia e lia, a criança deu uma risadinha baixa, Laylah não entendeu como o homem não ouviu.
E ela decidia se ia se levantar ou não quando a porta se abriu e um Nova Espécie entrou. Laylah tentou evitar mas não conseguiu não arregalar os olhos. Todos também olharam para ele, o rapaz chegou a se levantar de sua cadeira. E ainda que estivesse surpreendida com a aparência dele, Laylah percebeu que o menino tinha corrido para baixo da toalha da mesa dela.
O garçom foi até ele e lhe indicou uma mesa com um sorriso. Logo a cafeteria estaria cheia, afinal Novas Espécies viviam nos Estados Unidos, não na Inglaterra.
O Nova Espécie sorriu e piscou, o garçom deixou o guardanapo em sua mão cair e ficou imóvel. Suspensão?
Como? Laylah também ficou imóvel e prendeu a respiração. Depois ela se lembrou que numa suspensão a pessoa respirava normalmente, só ficava parada sem perceber que estava parada. Era como se o tempo parasse, mas quem parava era a pessoa, ou pessoas no caso.
Laylah sentiu medo. Ela não podia ser descoberta ali, não por um Nova...
Ele era ruivo e tinha olhos dourados! Olhos que olhavam por todos os cantos.
A criança riu alto, o Nova Espécie, que só podia ser o tal Simple, sorriu e pulou no menino quando ele saiu de debaixo da mesa em que Laylah estava.
"Você entende o que acaba de fazer?" Simple disse pegando o menino pelos pés. O menino continuava rindo uma risadinha de bebê. Era estranho, Laylah não conseguia ler os pensamentos nem dele, nem do menininho.
"Você veio atrás de mim! Eu sabia!" O menino disse rindo, Simple, ou o leãozinho, já que era assim que o chamavam, riu, mas a contragosto.
"Não tenho problema nenhum em quebrar a cara de seu pai. Você gostaria disso?" Ele disse, Laylah apertou a mandíbula. O menino não era filho dele? Mas como? Eram os mesmo cabelos ruivos de vários tons de vermelho e os mesmos olhos. Mas Simple não tinha filhos, ela se lembrou disso. Laylah sempre quis conhecê-lo e agora não podia olhar na direção dele direito.
"Eu quero que a mamãe pare de sentir falta da Reserva e você é o motivo dela não ir muito lá. E eu adoro minha vovó e meu vovô. É só você me deixar roubar o chá e me levar para minha casa, papai vai ficar muito agradecido e vocês vão se tornar amigos. Papai me ama."
Era um plano. Que bonitinho! Mas algo no rosto fechado de Simple a fez querer sumir dali. Ele não achou nada bonito no plano.
"Você quer roubar chá. Mesmo seu pai sendo rico?"
"Esse chá é especial, mamãe adora. E papai já ofereceu comprar isso tudo, mas não adiantaria, é o avô do dono que mistura as ervas." O menino disse, Laylah concordava, o chá era delicioso.
"Seus pais estão... Ocupados. Vá roubar o chá e eu te levo em casa. Vamos ver a cara deles quando eu chegar com você lá." Ele disse, o menino correu para a cozinha.
O Nova Espécie olhou em volta, mas seus olhos não pousaram em Laylah. Ele foi até o homem e pegou o livro. Ele passou algumas páginas, estaria lendo? Rapidamente daquele jeito?
"Que idiota! Todo mundo sabe que os templários eram o braço armado do Vaticano e que em sua maioria eram nobres falidos que perderam tudo para a igreja. Qual a conspiração nisso?" Ele bufou enquanto colocava o livro de volta nas mãos do homem.
O menino voltou com um grande vidro nas mãos.
"Devia deixar um pouco para eles servirem hoje. Sua mãe não toma tanto chá assim, ela gosta muito de café e também de suco de tomate."
"Ela me contou que você sempre trazia suco de tomate para ela. Era roubado?" O menino perguntou.
"Por que eu roubaria suco de tomate? De onde você tira essas idéias?" Simple perguntou, o menino riu.
"Ela não está como os outros, não é? Ela respira num ritmo diferente." O menino disse apontando para Laylah.
"Não, ela está fingindo, mas ela não é problema meu. Eu só aceitei vir por causa de sua mãe. Vamos." Ele e o menino saíram da cafeteria, as pessoas voltaram a se mexer, o casal riu de alguma coisa que tinham dito antes de Simple entrar e os suspender. O garçom olhou em volta e se abaixou pegando o guardanapo do chão. Ele o colocou sobre uma mesa e foi para a cozinha.
Laylah se levantou, colocou dinheiro sobre a mesa e saiu devagar. Ela olhou para todos os lados na rua e seguiu até o fim da rua principal andando devagar como se estivesse olhando as vitrines despreocupadamente.
Ela entrou num beco e dali em diante Laylah correu. Correu usando sua velocidade máxima saindo da cidadezinha e chegando a um campo. Ela se livrou do sobretudo, estava bem distante da cidade e subindo uma colina arborizada. As árvores a esconderiam de algum humano que pudesse estar por ali. Ela subiu a colina rapidamente e se jogou do alto. A sensação era deliciosa, o vento lhe segurava, ela sorriu.
Quando abriu as asas o vento a jogou para cima, era tão divertido!
Um peso porém, caiu sobre ela, Laylah tentou bater as asas, ele se agarrou nela com as mãos e as pernas e era muito pesado. Laylah conseguiu mover a asa esquerda, depois a direita, mas o peso iria jogá-los no chão que já estava próximo.
"Se não voar iremos nos espatifar nas pedras. Mas eu estou bem com isso."
Uma voz grave e baixa disse no ouvido direito dela, uma voz que a fez estremecer.
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Ficção GeralQue tal não dizer os protagonistas dessa história? Talvez ir escrevendo e deixar que eles assumam o protagonismo? Ou deixar vocês escolherem? Bom, essa é a proposta dessa história. Eu tenho dois personagens os quais /adoraria escrever, mas vou deix...