O penhasco o chamava, Augustus sorriu. Não, não hoje. Ou nunca. É, provavelmente nunca. Violet estava viva, ele sentia isso, mas como?
Uma lágrima desceu por seu rosto, uma lágrima transparente. Isso sempre foi um bom sinal, mas agora não era mais. Não importava ter controle sobre a fúria assassina que lhe fazia chorar sangue, ele já estava morto.
Augie dormia e sonhava, nos sonhos, ora ele perseguia Violet, ora eles faziam amor com ela na forma de uma loba preta. Uma bem novinha, nascida da última ninhada dele. Isso era uma das coisas que o mantinham vivo, ele tinha de protegê-la.
"Boa noite?" Tadeus disse atrás dele, sua voz tentou ser jovial, tentou esconder a preocupação, mas não conseguiu.
"Não estou pensando em me jogar daqui, Tadeus. Já basta termos perdido Bob." Ele disse.
"Agora Tiberius seria o líder, já pensou numa merda dessas?" Tadeus tentou ser engraçado, Augustus não riu.
"Eu sou o líder. Tiberius é louco." Tadeus bufou.
"Todos somos loucos, Augustus."
Ele acenou.
Bob tinha levado Violet embora, ela estava quase morta, Augustus pediu que ele a levasse aos irmãos dela, afinal as coisas que ela tinha consigo a impediram de morrer da outra vez, então havia uma chance. Augustus não pôde ir, ele tinha de conter Augie e os lobos. Mas Bob não voltou. Phil tinha ido junto, voando, mas não soube explicar o que aconteceu. Um dos trigêmeos voou em Bob, o lobo dele acordou e levou outros, Augustus teve de continuar contendo quantos ele conseguiu. Os lobos atacaram, o grupo os enfrentou, Leotie e Weeko ajudaram atirando na cabeça de dois lobos. Um deles era o de Bob.
"Acha que Leotie quis vingança?"
Augustus balançou a cabeça.
"Ela atirou em Bob por que ele estava atacando o loiro. Se ela não atirasse, o tal Angel morreria."
"E o lobo de Bob atacou o loiro por que ela gostou dele? Mas não deveria ter ajudado Bob?" Tadeus disse.
"É."
Bob ainda durou três dias. Ele parecia bem, as feridas na cabeça e no peito pareciam estar curando, mas aí o coração dele parou. E agora só havia Phil como lembrança do pai deles.
"Como assim, 'É'?" Tadeus disse com raiva, Augustus não respondeu.
"Como Bob, o lobo, pôde ter ido atrás do loiro com nome idiota ao invés de proteger Bob? Eu não entendo isso, Augustus. Não dividimos nossas almas?" Tadeus perguntou agitado.
"Dividimos?" Augustus perguntou.
"Ah, não! Não venha dar uma de Tiberius! É a nossa sobrevivência, porra!"
Augustus sorriu para seu primo. Tadeus era seu primo, não seu irmão. Isso de serem todos filhos de Lazarus acabou. O mais velho deles morreu, o único que restou foi embora.
"Quando nosso avô se foi, a família foi com ele."
"Nosso avô? Que merda é essa, Augustus?" Tadeus estava realmente preocupado.
"Augie quer Violet. Não como eu quero. Ele a quer, não para mim, ele a quer para ele."
"Ele é um lobo." Tadeus disse.
"É, ele é. Mas eu não sou. E daqui a um ano, quando eu não aguentar mais, ele pode tomar meu corpo. E pode ir atrás dela." Augustus sonhou com isso e desde então ele tinha medo de que pudesse acontecer. Ele se dizia que não que era impossível, mas o medo continuava agarrado ao seu coração.
Tadeus ergueu as sobrancelhas.
"Isso é loucura, Augustus! Ele é um lobo!"
"Você já disse isso."
"Não pode estar falando sério! E o meu Thad? Quer dizer que a alma que o habita não é a minha?"
"Eu não sei. Thad é seu, você deveria saber, você tem as mesmas habilidades que eu." Augustus disse. Era tão penoso essas dúvidas! Tadeus poderia ajudar, algo tinha de ser feito! Viver com essas suspeitas era muito doloroso.
"Não. Eu sou mais fraco, meu pai era mais fraco."
Augustus balançou a cabeça. Ele estava sozinho. Com o medo de que as coisas não fossem como acreditou que eram, com a saudade, com a tragédia de amar Violet e ela estar longe.
Se ele soubesse que aquela mulher linda e teimosa que os seguiu durante dois anos faria uma revolução não só na vida dele, mas nas vidas de toda a sua família, ele teria se apaixonado? Mesmo sabendo que ele não era só uma pessoa, que sua alma habitava dois corpos?
"Augustus?" Tadeus o chamou, Augustus o encarou.
"Você parece cansado. Passe o controle para mim e vá descansar."
"Não, eu estou bem. Só um pouco distraído e com uma certa fome. Angela tinha me chamado para comer a um tempo, já deve estar pronto." Ele disse e tomou o caminho das casas.
"Eu sempre achei estranho Angela não odiar Violet. Mas talvez ela já sentia que não iria dar certo e que no fim, vocês acabarão juntos." Tadeus disse andando ao lado de Augustus.
"No fim, será o fim, Tadeus. Eu não quero nenhuma outra mais."
"Mas então por que a mandou embora? Eu não consigo entender!" Tadeus perguntou, Augustus parou.
"Você nunca gostou de alguém como eu gostei dela. O dia em que se apaixonar como eu me apaixonei, vai entender. Quando seu coração gelar e seu corpo doer numa agonia tal que seus dedos formigam para sentir a pele dela, ou sua mente chegar a duvidar da capacidade do seu faro, na esperança de que seja possível sentir o cheiro dela e o problema esteja no seu nariz, você entenderá. E eu espero, primo, espero mesmo que você nunca passe pelo que eu estou passando." Augustus disse a última frase com um restinho de fôlego. As palavras tiraram tudo dele, inclusive o fôlego.
Tadeus, porém era teimoso, afinal ele tinha o quê? Uns quarenta anos só.
"Se é assim, vá atrás dela! Mate Augie!" Ele disse, Augustus o encarou. Ele não tinha aprendido nada?
"Meu Deus! Por que eu não pensei nisso antes, Tadeus? É. É a solução! Eu mato Augie, a Entidade sanguinária e assassina volta para mim e quando a encontrar, moraremos na Reserva. No calor da Califórnia longe do frio do inferno desse lugar. E a cada maldito segundo da minha vida maldita eu terei medo de matá-la. Ou pior, de matar nossos filhos. Até que eu faça isso e me mate." Augustus disse abrindo a porta da casa de Angela.
"Você não sabe se seria assim." Angela disse, Augustus passou por ela foi até a cama e beijou Annabeth adormecida. É claro que ele cheirou os cabelos dela, seu rosto, suas mãos procurando...
"Não há mais o cheiro dela em Annabeth." Angela disse, ele deu mais um beijo em sua filhinha, no seu milagre. Annabeth lhe dava forças para continuar aquela existência deprimente.
Angela lhe serviu um prato cheio de carne cozida, coelhos. Bob adorava. Tadeus se sentou e ela o serviu também. Os dois comeram, Angela ficou à janela.
"Annabeth me disse que Augie dilacerou o braço de Violet e a mordeu profundamente no ombro. E que ela perdeu muito sangue." Ela disse olhando para fora. Nenhum dos dois disse nada.
"Os irmãos dela fizeram os remédios, não foi? Talvez eles possam..."
"Quer ir embora, Angela?" Augustus perguntou.
"Tiberius foi. Eles levaram até o lobo dele. Violet disse milhares de vezes que seríamos acolhidos, que nos dariam terras."
"E que lá haviam muitos machos solteiros. Centenas deles, não é?" Tadeus disse com os olhos duros.
"Sim. Isso também. Ela disse que eles competem para ver quem tem mais filhos. Disse que nosso tio tem filhos solteiros. Noah, Harry e Peace. Todos idênticos a ele, idênticos a Bob."
"Mas não são Bob. Bob morreu, querida." Tadeus disse, Augustus baixou a cabeça. Bob era um irmão para ele, não um tio.
"Se a tal Leotie aparecer por perto, eu a matarei. É meu direito." Angela encarou Augustus.
Era isso, não havia mais líder.
"Faça como quiser. Só não morra."
Ele já tinha terminado de comer, mas não tinha forças para se levantar. Ele não tinha forças para nada.
"Fique com Anna. Tadeus, quer dormir comigo?" Angela perguntou, Tadeus deu de ombros.
"Qual a probabilidade de só dormirmos abraçados?" Tadeus perguntou brincando, Angela riu.
"Nenhuma." Ela disse, eles saíram.
Quando ouviu o barulho da porta da casa de Tadeus sendo fechada, Augustus foi até a cômoda de Angela. Violet usou muita coisa dela.
Um vestido. Bem lavado, cheirando a sabão. Angela sabia ser má. Ou estava sendo piedosa, o fato é que não importava. Ele não precisava realmente sentir o cheiro dela no vestido, bastava saber que ela o vestiu. Que os seios cheios e empinados esticaram o decote. Que os quadris e a bunda ficaram apertados no tecido, bem marcados. E que a fenda rasgada não escondia as pernas bronzeadas, bem torneadas, fortes.
Bastava saber isso para sentir alguma paz naquele tormento que a vida dele se tornou.
Augustus se deitou sobre o vestido, abraçou Annabeth e fechou os olhos.
O sono veio, e com ele os sonhos de Augie. Ele e Violet correndo por uma planície desértica. Sem flores, sem árvores, sem riachos, só a terra vermelha, dura, poeirenta lhes empurrando, lhes incitando à frente. O suor escorria por entre os fios brancos dos pêlos dele e os negros dela. Os olhos dela eram azuis, não vermelhos. O rabo era peludo, bem cheio, bonito. As ancas eram fortes. Linda. Augustus sentia a admiração de Augie. Sentia também a felicidade por ela estar ali com ele, submissa correndo por onde ele a guiava. Augustus sorriu. Ela não era assim. Ela era firme, não ia a lugar nenhum se não quisesse.
"Por que você não corre com eles?" Uma voz disse, Augustus procurou a dona ou o dono da voz, não encontrou.
"Quem é você? Onde você está?"
"Eu estou longe. A conexão é bem fraca, estou usando seu irmão, mas ele é..."
"É." Augustus sorriu.
"E quem seria você?"
"Isso não importa muito. Só me responda, por que você está distante deles?" Ela perguntou, Augustus deu de ombros.
"O sonho não é meu, eu acho. Ele dorme por que eu o forço a isso, então eu posso caminhar nos sonhos dele."
"Ah."
"Você mora na Reserva?"
"Sim. Violet está bem."
"Obrigado por me dizer." Augustus realmente se sentiu grato. Ele a sentia ainda, mas tudo era meio nebuloso. Tendo a certeza de que ela estava bem, ele poderia tentar sentí-la melhor. Era alguma coisa.
"Por que Violet não passou?" A voz perguntou.
"Por que eu sou o Alfa. E Augie, como parte de mim, é o Alfa dos lobos. Mas uma alcatéia só tem uma loba Alfa e só ela pode pertencer ao Alfa e o Alfa a ela. Eu a amo. Amarei pelo resto de minha vida, mas ela não quis Augie. Ela só quis uma parte de mim e correu da outra a ponto de morrer. E quando Letty morreu, Violet perdeu a conexão comigo e com Augie. Eu só posso viver com alguém que tenha uma alma dividida como a minha, pois só isso pode protegê-la da minha parte sanguinária."
"Violet é forte, não precisa de proteção." Augustus sorriu para o ar. Augie e a loba preta tinham sumido.
"Quem é a loba preta? Outra candidata?" A voz perguntou.
"Não. A loba preta é Violet. Quer dizer, a Violet dos sonhos dele. Uma Violet que o aceita."
Augustus pensou no ciúme que sentiu quando estava beijando Violet e a sentiu indo para o mundo de Augie. Ele era Augie, mas só de pensar que não sentiria o ato deles sendo consumado seu coração doeu.
"Violet sabia que ele era uma parte sua?"
"Acho que sim. Eu expliquei." Augustus tentou se lembrar de quando mostrou a caverna a Violet. Se lembrou de tudo o que ele disse, tudo o que contou.
"Ela tinha de sentir que era eu. Ela tinha de transcender a aparência de Augie e me achar na alma dele. A alma dele é a mesma que a minha e só uma união perfeita possibilitaria que ela me sentisse. Ela não sentiu, então..."
"Então, você e ela não se uniram." A voz disse de forma implacável. De alguma forma Augustus soube que a voz sabia que essas palavras o machucariam e mesmo assim as proferiu.
"Está com raiva de mim?" Ele perguntou.
"Sim. Você é um idiota."
Augustus concordava, ele era um pobre idiota.
"Se vocês não se uniram, por que Augie sonha com ela?" Uma pergunta tão boba!
"Por que eu também sonho. Esqueceu que ele sou eu?"
"Você pode entrar na mente dele?"
"Sim." Isso doeu mais.
Augustus, no corpo de Augie, tinha feito sexo com as lobas de Keylla e a de Angela e foi bom, muito bom. Só de imaginar como seria com Violet, ele perdia um pouco das forças. Teria sido fenomenal.
"Pode usar o corpo dele?"
"Sim." Aquela voz era meio irritante.
"O que vai impedir que ele use o seu e vá atrás de Violet? Se o que vocês são é uma via de mão dupla, ele poderia fazer isso, não é?"
Augustus se sentou na terra vermelha. Ele dobrou os joelhos e os abraçou. Estranhamente ele vestia uma calça e uma camiseta.
"O que foi?" A voz perguntou quando Augustus puxou o tecido da camiseta.
"Eu nunca tive consciência de roupas, ou..." ele passou a mão pelos cabelos, estavam mais curtos.
"Que merda é essa?" Ele disse.
"Seu irmão cortou um pedaço dos cabelos e essa roupa é de Gabriel."
"Mas como?"
"Acho que eu te trouxe para a mente de Tiberius e como eu estou no controle, eu te imagino parecido com ele. Veja." Um espelho apareceu do nada, Augustus se olhou, os cabelos estavam colados em seu couro cabeludo, os fios estavam duros. A roupa também era esquisita, uma camiseta e uma calça de um tecido leve, não era jeans, mas não era moletom.
"O que é isso em meus cabelos?"
"Não são os seus cabelos. São os de Tiberius. E Candid o penteou. Passou quase um tubo de gel." Outra voz disse e Augustus se esqueceu de perguntar o que era gel.
"Quem é você? Ou vocês?"
"Ignore a voz idiota, fale só comigo."
"Você é um idiota!"
"Você que é! Eu estava tentando entender as coisas, tentando ajudar, mas você estragou tudo!"
"Você devia perguntar coisas relevantes! Não essa conversa fiada!"
Augustus se sentia meio perdido. Ele nem estava mais na planície.
"Eu não posso perder Augie de vista. Me devolvam ao lugar em que eu estava." Ele disse.
"Se Augie é você, qual o problema?"
"Eu preciso voltar, me levem de volta!" Augustus se concentrou e logo ele vestia sua bermuda surrada e seus cabelos cresceram de novo.
"Não. Não se vá!" Uma das vozes disse, a primeira.
"Tá vendo! Você o perdeu! Eu disse pra me deixar fazer!" Augustus se concentrou com mais força, algo o segurava, uma força estranha.
"Só mais uma pergunta, então! Só uma!"
A cabeça dele começou a doer, como quando ele encontrou Romulus.
"Faça."
"Se Augie fosse uma alma independente, você saberia?"
"Animais não tem alma."
"Tá, tá, que seja. Mas se esse lobo idiota tivesse uma alma, você saberia?"
"Você falou com Tiberius." Augustus disse se sentindo muito cansado.
"Responda, droga! Você saberia?" Augustus achou aquela voz meio abusada, mas acabou respondendo:
"Sim."
"Como?"
"Isso é outra pergunta. E minha cabeça está explodindo."
"Eu fico com a sua dor se você responder. Nos responda, por favor."
Augustus descobriu que essa era a primeira voz.
"Augie não é meu. Ele era do meu pai. Se ele tivesse uma alma independente, não haveria conexão entre mim e ele. Mas quando eu nasci, ele se tornou meu e tudo o que viveu com meu pai foi apagado. Se ele tivesse uma alma, ainda haveria algo do meu pai nele. Não há. Foi como se meu pai o usasse e depois eu. E se ele fosse independente, se qualquer lobo fosse independente, haveriam pensamentos e lembranças exclusivamente deles. Não há."
"Isso faz muito sentido!" A primeira voz disse, parecendo surpresa.
"Nossa, que porra! Faz mesmo!"
"Vou contar para a mamãe! Ela disse que te colocaria de castigo se continuasse a falar palavrão!"
"Ah, vai se foder!" Augustus começou a rir.
"Até a próxima, Augustus. Mas pense no que eu perguntei. Por que eu tenho medo de Augie aparecer aqui usando seu corpo. Se ele fizer isso, eu mato ele."
"Eu também!"
"Ok."
Augustus respondeu e abriu os olhos. Annabeth ressonância baixinho, a noite estava no fim.
Augie sonhava que estava caçando.
Augie era um lobo. Um lobo simples que tinha o instinto de proteger sua matilha e de procriar. O instinto assassino vinha de Augustus. O desejo por Violet também. Ele poderia sim, tomar o controle do corpo de Augustus, era realmente uma via de mão dupla, mas aí, ele faria o quê? Uivaria? Ele era um lobo!
Augustus não permitiria isso, dali a um ano, Augie não acordaria.
Violet estava longe, protegida. Isso era o mais importante. Augie era só um lobo, não poderia ir atrás dela. Augustus usaria todas as suas forças para protegê-la. E se houvesse a mínima chance de Augie ser mesmo uma alma independente, Augustus o mataria e morreria no processo, mas Violet estaria a salvo.

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General FictionQue tal não dizer os protagonistas dessa história? Talvez ir escrevendo e deixar que eles assumam o protagonismo? Ou deixar vocês escolherem? Bom, essa é a proposta dessa história. Eu tenho dois personagens os quais /adoraria escrever, mas vou deix...