CAPÍTULO 55

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Harmony entrou na cabana e tudo parecia diferente, ela olhou em volta e tudo estava muito bem organizado.
"Ele vai bagunçar tudo quando voltar, Gift é um puto." Simple disse entrando atrás dela.
"Então por que arrumou?" Ela perguntou, ele sorriu.
"Eu estava sem ter o que fazer e sentir o cheiro da bagunça aqui me impediu de dormir ontem.
"Chegaram ontem?" Harmony perguntou, ele deu de ombros.
"Só eu. Cam e Hon estão na pista de Tiberius." Ela ergueu as sobrancelhas. Tiberius era o assunto da vez na Reserva. Diziam que ele tinha sumido do nada. Desde o dia da luta a mais de uma semana atrás.
"Espero que o encontrem." Ela disse, ele acenou.
"E o que veio fazer aqui?" Simple perguntou, Harmony deu um sorrisinho sem graça.
"Eu não sei. Talvez arrumar ou limpar. Eu não vejo a hora dele voltar."
"Você sabe onde ele foi?" Simple perguntou, Harmony assentiu.
"Atrás de respostas. Ele acredita que o que eu sinto é provocado pelo veneno."
"E o que você acredita?" Simple perguntou.
"Eu não sei." Não havia outra resposta.
"Como assim não sabe?" Simple abriu a geladeira, tirou carne e ligou o fogão. Harmony se sentou à mesa e esperou ele preparar os bifes.
"Como saber o que é amor ou não, Simple? Você acredita mesmo nisso de um macho olhar para uma fêmea e os dois se apaixonarem? Por que eu vi Gift toda a minha vida."
Harmony tentou se lembrar de Gift criança. Ela era mais nova que ele uns três, quase quatro anos. Isso era muito para os Novas Espécies que aos dois anos já pareciam crianças de oito ou nove anos. Mas depois de um tempo essa diferença não importava mais. Gift ia fazer vinte anos, ela completou dezesseis, mas os dois eram adultos.
Uma vez ela foi no aniversário dele, de dez anos. Ele já estava muito alto e forte e já tinha a cara fechada de sempre, Harmony deu a ele um livro e...
"O que foi?" Simple perguntou colocando um prato a frente dela com um bife que cheirava maravilhosamente.
"Gift. Aos dez anos. Eu dei a ele um livro, ele disse que eu era tão bonita que não precisava ter gastado dinheiro para dar um presente a ele." Simple apertou os olhos.
"Gift! E você entendeu o que ele quis dizer? Ou era inocente demais?" Simple perguntou.
Harmony sorriu.
"Eu era inocente demais. Nunca pensei que o presente seria..."
"Uma foda?" Ele perguntou, Harmony baixou os olhos para o bife. Ela podia ter alcançado a maioridade, mas ainda assim ficou sem jeito. Talvez por eles não serem muito próximos.
"Me desculpe, Mony. De verdade."
Harmony fez um gesto de deixa pra lá com a mão.
"É só que Hon estava animado, sabe?"
"Ele te contou?" Ela perguntou.
"Não." Ele sorriu. Simple sabia das coisas.
"Eu nunca senti nada a mais que admiração e amizade por ele." Harmony disse.
"E ele também sente o mesmo, ele não se apaixonou. Você estar com o Gift não quebrou o coração dele, fique tranquila. Mas admiração e amizade são bons motivos para um macho e uma fêmea se unirem." Simple disse.
"Você parece estar dizendo isso para si mesmo." Ela disse.
"Me pegou!" Ele sorriu e aquela sensação boa que qualquer um sentia com o sorriso dele veio sobre Harmony.
"Eu estou a frente de um dilema, Mony. Eu tenho como fazer minha própria história, tomar as rédeas da minha vida, ou acreditar que essa pequena, ínfima esperança que vive em meu peito irá se concretizar. De uma forma dolorosa, é claro, não seria diferente para mim, mas eu teria o que meu coração pede. No meu lugar o que você faria? Pense bem em sua resposta, querida."
Harmony o encarou e disse:
"Que tal ser mais claro? Eu acho que você está recluso demais e só conversa com seus irmãos que são tão inteligentes quanto você. Eu não estou dizendo que eu sou burra, mas se quer uma resposta sincera, me diga exatamente do que se trata." Harmony queria ouví-lo dizer o plano dele. Talvez verbalizar o que lhe ia na mente o ajudasse mais que a opinião dela.
Simple a encarou, é claro que ele entendeu seu intuito.
"E era isso que Hon queria. Uma fêmea simples e totalmente a vontade com essa simplicidade. Isso vale ouro, Mony." Harmony esperou.
"Tudo bem. Seu Gift, aquele supra sumo dos pau no cu, por que me custa muito pensar como alguém pode gostar dele, enfim, Gift me deu isso." Ele tirou um frasquinho do bolso da calça jeans surrada que ele vestia e entregou para Harmony. Harmony abriu o frasco, cheirou e teve vontade de tomar. Simple lhe tomou antes que ela o fizesse. Os olhos de Harmony seguiram a mão dele até o bolso e ela pensou em uma forma de tomar aquilo dele. Até que piscou e viu o absurdo disso.
"Poção do Amor. Quem diria que logo Gift teria a matéria prima? E só ele. É muito foda, não é?" Ele riu, Harmony só sorriu, ela ainda estava se sentindo estranha.
"Só ele?"
"Dentre a família dele sim. É claro que Brave também deve poder fazer, ou as gêmeas lindinhas, mas ele já desenvolveu. Bronzy não pode. Bronzy é única." Harmony sorriu se lembrando de sua amiga querida. A amizade delas fez com que Harmony estivesse junto naquela conversa embaraçosa que iniciou sua história com Gift.
"E então eu tenho essa poção do Amor, que Harrison disse que não vai funcionar, mas ele é outro pau no cu, então eu posso decidir ignorá-lo, eu tenho uma poção do Amor e uma fêmea ideal para usá-lo." Harmony assentiu.
"Jenny." Ela disse. As Senhoritas debateram sobre Jenny muitas vezes para Harmony não saber que era ela.
"Sim. Jenny. Como eu disse, admiração e amizade são coisas fortes."
Ele se levantou, os olhos de Harmony estavam presos no bolso da calça dele.
Simple começou a lavar a louça, Harmony esperou.
"Mas há outra alternativa. Uma que parece impossível." Ele disse devagar.
Flora, é claro. Se ele matasse Brian, uma coisa que muita gente pensava que ia acabar acontecendo, ela poderia morrer. Se estivesse vinculada, e ninguém imaginava que ela não estava, Flora morreria com a morte de seu companheiro. Simple iria para Fuller e com Flora morta, ele acabaria morrendo.
"Posso perguntar uma coisa?"
Ele se virou e cruzou os braços.
"Qual é a certeza de que se Brian morrer, Flora também morre? Nós temos o Vovô Dusky. Ele acreditava que a Vovó Espertinha tinha morrido e ele seguiu em frente. Duas vezes."
Simple acenou.
"É. Assim como com muitos machos bastou olhar para a fêmea para se vincular, nossos pais inclusos, para alguns não foi assim. Mas há uma explicação para Dusky. Eu acho que bem no fundo de sua alma, ele sabia que Ann não tinha morrido. E essa coisa de que uma fêmea ou um macho só compartilhará sexo com seu companheiro para o resto de sua vida depende muito das circunstâncias. Ann começou a se prostituir, prostitutas geralmente fingem excitação. Ela se casou com um homem que desprezava, então pode até ter sentido prazer, eu dou isso a ela, mas ela nunca sentiria o que sentiu com Dusky. Eu acho que é isso. Não importa o que aconteça, nunca será como é com o companheiro ou companheira vinculados, mas você pode continuar vivendo." Ele disse.
Harmony pensou na vida de sua avó. Ela passou décadas até reencontrar o Vovô. Muita coisa aconteceu.
"Então você acha que o Vovô mesmo sabendo que ela estava viva se relacionou com outras pessoas? Isso joga por terra toda a teoria do Vínculo." Harmony disse.
"E por que tem de haver uma teoria? Por que tem de ser igual para todos se somos tão diferentes? Nossos pais foram criados, nós fomos gerados. Há uma infinidade de diferenças por causa desse simples fato."
"Então você acha que Flora não morreria." Harmony concluiu.
"É possível. Mas eu não arriscaria a vida dela. Isso é o pior!" Ele disse e o coração de Harmony doeu por ele.
Tanto sofrimento! Por quê? Qual o objetivo de sofrer tanto?
"Eu quis continuar firme em minha palavra, Mony. E havia o cheiro dela. Depois que eu e ela compartilhamos sexo, Fuller ficou mais aceitável. Havia algo pelo que esperar. De um simples período de tempo, Fuller se tornou um momento para sonhar, para imaginar momentos para ter com ela. Viagens. Festas. Se você pudesse pelo menos ter uma idéia de como seria nossa cerimônia de Acasalamento!" Ele sorriu com os olhos brilhando, Harmony sorriu junto.
"Para então o cheiro dela sumir e eu enlouquecer. Logo quando Hon voltou dos mortos. E as visões de Noah. Lugares onde eu plantei câmeras e fiquei de olho, só para ver ela e Brian juntos." Ele disse e seus olhos morreram. O brilho se foi, ficaram opacos e frios.
"Muito se fala sobre o Vínculo, Mony, e eu acho que não deveria ser assim. Eu acho que quando esperamos algo tão impactante, algo tão sensacional e que só a nossa gente pode ter, isso mais prejudica do que ajuda. Por que nós temos Nob e Sarah que o vínculo se concretizou quando compartilharam sexo pela primeira vez e daí não mais se separaram. Não de forma deliberada, é claro. No caso deles foi uma coisa boa. Mas temos Pride e Livie que acreditamos erroneamente que ele tinha se vinculado. Se Livie não tivesse fugido, a vida dela seria um inferno e a de Honor também."
Harmony pensou nisso. No fim, a covardia de Livie foi uma forma de coragem. De uma forma negativa, mas foi. Sheer e Lily sofreriam muito mais se crescessem entre brigas. Entre um pai possessivo e uma mãe frustrada.
"Resumindo, Mony, eu posso ficar com Jenny e me satisfazer em ver Flora sendo feliz com Brian, ou posso esperar por algum milagre. Algo que minha mente não consegue imaginar, mas que eu posso esperar." Harmony baixou os olhos, ele começou a limpar o fogão.
"No meu lugar, o que você faria?" Simple perguntou.
"Eu esperaria o milagre." Ela disse baixinho.
Simple se virou e sorriu.
"É. Eu estou a dias com isso no bolso. Esperando o lado racional da minha mente assumir e eu tomar o caminho mais fácil. Mas..."
Harmony pensou em Jenny. Ele não pensava em perguntar a ela? Ele seria egoísta dessa forma?
"Jenny está apaixonada por mim, Mony. Eu iria usar a poção em mim mesmo."
"Hã. Por um momento, eu pensei que você não estava considerando a opinião dela." Harmony disse.
"Nós transamos e foi bom, muito bom. Só depois disso é que eu me senti tentado a jogar tudo para o alto e enterrar meu sofrimento embaixo de uma vida confortável com uma fêmea doce e inteligente."
"Então você é capaz de..." Ele sorriu.
"É. Com algum esforço, não posso negar, mas sim, eu posso foder outra."
Harmony entendeu o termo. Ele transou, fodeu Jenny e compartilhou sexo com Flora.
"Acabou que só falamos de mim. Quer falar sobre o idiota? Sobre sua dúvida se está vinculada ou enfeitiçada?" Ele perguntou voltando a se sentar à mesa.
Harmony mergulhou no dourado dos olhos dele pensando no quanto ele era complexo e simples ao mesmo tempo. Um macho humilde ainda que fosse extraordinário.
"Eu não parei de pensar nele desde que ele me beijou à força."
"Ele te beijou à força? Cara! Gift é um filho da puta mesmo!" Ele disse.
"Mas se você estava pensando nele, por que ele usou o veneno?" Simple perguntou.
"Por que ele continuou me perseguindo e eu não queria nada com ele. Eu até cuspi na cara dele." Harmony contou.
"Não! Você não fez isso! Eu daria tudo para ver isso!" Simple começou a rir, Harmony riu com ele. Era tão bom vê-lo rir!
"Obrigado, Mony. Eu precisava rir um pouco." Ele pegou as mãos dela e beijou. Do nada, ele olhou para a porta, Harmony também olhou. Nada aconteceu.
"O que foi?"
"Essa era a hora ideal para Gift aparecer e dizer: ' Tire as mãos dela, seu arrombado!', mas ele realmente não está aqui." Harmony riu. Ele riu de novo.
"Ou poderia ser Jenny. Ela entra aqui, nos vê de mãos dadas e sai correndo. Você corre atrás dela, jura que não me ama e a beija." Harmony disse brincando, mas dessa vez, Simple apenas sorriu.
"Desculpa." Harmony disse.
"Não, tudo bem. É uma coisa clichê que sempre acontece nos filmes. E seria gostoso agarrá-la e a beijar..." Ele se levantou abruptamente, Harmony entendeu que ele pensou em Flora.
"Você não me respondeu. Se você já pensava nele, por que ele precisou te perseguir? Ou lhe injetar veneno, arriscando sua vida?"
Harmony pensou em uma resposta que não fosse 'por causa de Smile Two', mas era isso e também não era.
"Eu tinha passado anos sonhando com Smile Two. Anos. E justo quando ele quis me namorar, Gift apareceu. Eu fiquei arrasada! E qual a probabilidade de que ele não estivesse brincando comigo?" Ela disse, Simple foi até a janela.
"Se existe um macho que poderia fazer uma coisa dessas, esse é Gift. Ele e John são exatamente água e vinagre. Enquanto John é um exemplo para todos nós, Gift não é. Ele não se importa com ninguém. Ele não se doaria a ninguém a não ser ele mesmo." Simple disse.
"Acha que isso é um crime?" Harmony perguntou, Simple fez que não com a cabeça.
"Não, é claro que não. Gift é quem é. Ele não tem vergonha de quem ele é e nem deveria ter. Se eu fosse um pouquinho como ele talvez eu e Flora estivéssemos juntos."
Harmony assentiu.
"Ele parece estar vinculado. Ele tem feito um monte de coisas que só um macho vinculado faria, pelo menos foi o que o Vovô Ven disse."
"É. Eu também acho. Ele foi atrás de respostas. A que perguntas?"
"Ele foi atrás do pai de Matt."
Simple assentiu.
"Eu espero que ele volte com respostas, Mony, espero mesmo, mas eu vou te dizer uma coisa, uma coisa que o Simple de antigamente não te diria, mas que o de agora entende que deve dizer." Ele parou de falar, se aproximou de Harmony e se ajoelhou ante ela. Harmony arregalou os olhos, havia um brilho estranho nos olhos dele, um brilho indefinido.
"Você está vinculada, Mony. Eu posso sentir. Não só pelo cheiro, há um cheiro, algo que poucos conseguem perceber, mas também com sua mente. A parte de Adriel que eu herdei quando o enganei, é a parte responsável pela percepção das ondas que os cérebros emitem. É claro que eu não consigo interpretar tudo o que eu capto, ainda estou aprendendo, mas eu estou rodeado de machos e fêmeas vinculados e você é um deles."
Harmony abriu a boca, mas não soube o que dizer, então fechou de volta.
"Eu..."
"Só me agradeça, Mony, só isso. Eu quero que você seja feliz, você merece. Você passa sempre despercebida, você é a que está sempre por trás das coisas práticas, cuidando dos filhotes, ajudando em tudo o que pode, sempre com um sorriso doce nos lábios e um olhar acolhedor. Eu espero mesmo que você seja muito feliz." Ele sorriu e beijou as mãos de Harmony.
"Mesmo que seja com Gift." Ele disse com o sorriso de Cam, malandro, de lado.
O telefone dele tocou, ele se sentou e colocou no viva voz, mas não disse nada.
"Sim? Está aí? Fala, porra!" Era Candid, só podia ser. Simple fez um sinal de silêncio para Harmony, ela tapou a boca.
"Simple? Responda. Agora!" Esse foi Honest.
"Simple? Responda. Agora!" Simple o imitou, não só no tom de voz, mas também com a fisionomia. Harmony teve de trancar os dentes.
"Eu quero que você venha pra cá. Deu merda." Honest disse.
"Eu não quero ir. Estou bem aqui. Estou na cabana de Gift, estou limpando e arrumando tudo, estava uma bagunça." Simple respondeu. Um rosnado ameaçador foi ouvido do outro lado da linha.
"Está fazendo o quê? Limpando a casa daquele desgraçado? É sério?" Era Candid agora.
"Pra quê precisam de mim?" Simple mudou o assunto.
"A fêmea alada, a tal de Laylah. Ela alugou uma cabana. Também sentimos o cheiro de Ananyia e até de Daru. E do engraçadinho do Harry."
"Um grupo. E um heterogêneo. Eu gostei." Simple disse sorrindo.
"Não, eles não podem..." Candid começou e não terminou.
"Mas que porra! O que esses caras pensam? Acham que é fácil imitar a gente? Outro grupo? Já não bastava o grupo dos fodidos?" Candid disse, Harmony não imaginava quem faria parte desse grupo.
"Esse grupo é poderoso, tem de dar isso a eles." Simple observou.
"Que seja. Ananyia é impossível de rastrear, Harrison está na Reserva e não diria nada nem que o pendurássemos de cabeça para baixo, então você tem de vir e achar Tiberius. Ele não deve estar longe." Honest disse.
"E se eu não for?" Simple perguntou.
"Estará me desobedecendo. É isso?" Honest disse e Harmony quase se levantou e foi cumprir a ordem dele.
"Eu não tenho outra alternativa? Que tal vocês usarem essa oportunidade para expandir seus faros?" Simple perguntou, ele estava chateado.
"Timber vai trazê-lo. Em duas horas o helicóptero pousa. Esteja no heliporto." Honest disse e desligou.
"É. Eu tenho que ir." Ele disse com um sorrisinho sem graça
"Boa sorte." Ela disse.
"Vai ficar aqui?"
Ela ia. As roupas de Gift estavam lá, haviam desenhos, projetos e várias outras coisas, Harmony iria usar esse tempo para conhecê-lo um pouco. Simple assentiu, Harmony entrou no quarto e se viu diante de uma estante com livros de engenharia, todos super bem organizados. E alguns desenhos na parede. Um de uma borboleta a fez arfar.
"O que foi?" Simple ainda não tinha ido, ela não entendia por quê.
"Essa borboleta." Ela estendeu o braço e lhe mostrou o relógio, o presente que tinha ganhado de aniversário e não sabia quem tinha dado.
"Feito por Pride. Mas o desenho é dele. Ele desenha bem." Simple disse, Harmony se lembrou de acordar e o relógio estar em sua mesinha de cabeceira. Lágrimas rolaram do rosto dela, de saudade, de carinho.
"Espero que ele não demore." Ela disse. Simple lhe enxugou o rosto, algo o prendia ali e Harmony não sabia o que era.
"Eu..." Ele começou.
"Eu tinha de te fazer esquecer, mas eu não acho que nossa conversa teve algo demais. E eu confio em você." Ele disse.
"Se eu esquecer, como vou saber que estou vinculada?" Ela perguntou.
"Seu coração sabe, querida. Sempre soube. Smile Two perdeu sua chance e eu acho que é isso que o magoa. Não ter agarrado a chance quando ela apareceu. Não se sinta mal por ele."
Simple disse indo até a estante e pegando uma pasta de papéis.
"Olha. Tem bastante tempo, veja a data. Talvez nem Gift se lembre. Ele colocou aqui e esqueceu, a bastante tempo atrás." Simple abriu a pasta e eram desenhos. De John, não havia como confundir o traço. Mas para cada desenho havia uma cópia. De Gift.
"O melhor é esse. Curioso, não?"
Um desenho dela. Quando ela tinha uns sete ou oito anos, ela usava duas grande tranças de cada lado da cabeça e um laço em cada uma. Ela sorria mostrando as presas. As presas dela eram grandes, assim como ela era muito alta e forte.
O desenho de John era perfeito, havia movimento, as covinhas dela, seus cílios, tudo estava ali e era possível sentir o vento em suas tranças. Os traços de Gift eram pesados, as linhas eram grossas, os lábios de Harmony estavam mais grossos, no desenho dele, suas covinhas eram duas pintinhas, uma em cada bochecha. Mas era um desenho bom. Ou talvez ela via como um desenho bom.
Simple mexeu e achou um desenho de Flora. Um desenho espetacular dela. Ela não sorria, mas a alegria interior que ela irradiava estava lá. Os olhos pareciam duas jóias.
"Esse, Gift nem tentou imitar." Ele sorriu.
"É." Simple alisou o rosto dela e uma lágrima caiu de seus olhos, molhando o desenho, borrando um pouco, afinal, era um desenho a carvão.
"Como eu posso ficar com Jenny? Como se eu a sinto aqui, dentro de mim? Eu a vejo quando fecho os olhos para dormir e é a imagem dela que me acorda." Ele disse com tanta tristeza que Harmony chorou.
"Eu sei que todos a vêem como a fada que ela é, todos se sentem especiais, todos se sentem felizes quando estão perto dela, mas não é assim comigo. Flora é feita de sentidos, eu sou feito de razão. Ela me faz sentir o que minha mente racional e calculista não consegue dimensionar, medir ou descrever. E isso é um refresco no meu mundo, onde tudo tem uma razão e uma explicação. Eu não consigo apreender tudo o que a alma dela é, eu sinto que poderia passar a eternidade tentando e nunca iria conseguir, mas mesmo sabendo que seria impossível, eu tentaria. Como me desapegar de um amor assim? Como esquecer um orgasmo que fez todos os outros serem esquecidos?" Ele disse tudo de uma vez, ele não falava exatamente com Harmony, ele falava consigo mesmo. Ele tentava se convencer a deixar Flora e usar a poção.
"Foi como se fosse a minha primeira vez..." Ele disse num sopro, Harmony o abraçou. Simple lhe beijou o topo da cabeça, ela ergueu os olhos e mergulhou nos dele.
"Espere pelo milagre, Simple. Você não quer Jenny, você quer Flora. Então espere. Um amor desses só pode estar escrito. Espere." Harmony disse com seu coração a ele. Ele baixou o rosto e a beijou. Um beijo cheio de carinho, Harmony se deixou beijar e notou que ele falava alguma coisa, mas ela não entendeu. Ela fechou os olhos.
Harmony acordou na cama de Gift, na cabana. Ela tinha ido lá tentar descobrir um pouco acerca dele, a saudade estava doendo em seu peito.
Será que ela chegou, entrou e dormiu na cama dele?
Harmony inspirou e viu que Simple tinha estado ali. Ela se levantou e notou tudo muito bem arrumado e organizado, Harmony sorriu. Simple e sua mania de arrumar as coisas! Quando Gift chegasse ele iria bagunçar tudo!




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