Mais um dia

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Saphira ON

São 5:30 da manhã. O despertador começa a tocar incessantemente com aquela mesma música insuportável e irritante de sempre. "Preciso trocar a música do despertador", penso comigo mesma, enquanto lembro de que sempre acabo me esquecendo de fazê-lo, e toda manhã é sempre o mesmo arrependimento. Decido de uma vez por todas me levantar e deslizar meus dedos para o botão "off", antes que acorde a vizinhança toda.
É segunda-feira e a preguiça matinal me agarra como nunca. A agitação do final de semana ainda está fresca em minha mente e a dor de cabeça chega para me fazer companhia. Ignorando-a, me levanto e vou até o banheiro, logo depois vou até a cozinha decidir o que comer antes de sair. Sem muitas opções, coloco na mesa pão com manteiga e um copo de leite com café. Quando termino, vou até a pequena janela do meu quarto assistir ao nascer do sol e sentir a luz espalhando-se em meu rosto.
A óbvia consequência de um salário baixo é morar num apartamento pequeno e simples, assim como o meu, mas acho que no fim das contas acabei dando sorte. Depois de muito procurar, encontrei esse apartamento. Era de uma mulher que acabou mudando de cidade, e, por sorte, a encontrei no supermercado no mesmo dia em que ela estava saindo para encontrar alguém para alugar. No mesmo momento vim até aqui e fechamos o negócio.
O apartamento possui uma vista uma vista perfeita da janela, onde posso observar o tempo lá fora e principalmente o nascer do sol, costume que sempre tive desde que morava com meus pais, e que faço questão de praticar até hoje. Do restante não posso reclamar, afinal, os vizinhos são silenciosos e o apartamento possui uma ótima iluminação e água quente no chuveiro, além dos móveis estarem bem distribuídos, o que faz o apartamento parecer um pouco maior do que realmente é. Dessa forma a vivência nele fica confortável, e pensando bem, não preciso de um espaço maior que esse. É claro que seria melhor, mas não necessário.
Sim, acho que no fim das contas acabei dando sorte.
Em meio aos meus devaneios, ouço o celular tocar, e penso que a essa hora só pode ser uma pessoa...
- Porque não estou surpresa? - Levanto uma sobrancelha enquanto sorrio ao atender.
- Essa é sua maneira de atender sua melhor amiga?
- Deixa eu pensar...
- Não, não pense, só me conte como foi ontem.
Jaque é minha melhor amiga e também minha companheira de trabalho. Quando vim para L.A investir em meu sonho, me senti sozinha nos primeiros dias, e conseguir um emprego numa gravadora como backing vocal foi realmente um milagre. Ela já trabalhava lá, na área administrativa, e logo fomos nos aproximando e construindo uma amizade. Jaque é a pessoa mais sincera e amável que eu conheço.
- Como foi ontem o quê?!
- Você sabe exatamente do que estou falando!
- Na verdade, não... - Tento me lembrar do dia e noite anterior e nada interessante ou específico me vem à memória, e claro, essa dor de cabeça não ajuda em nada.
- Miguel... esse nome não te lembra alguém?
De repente, como um clarão, me lembro do que ela está falando. Arregalo os olhos.
- Ah... o Miguel...
- Sim, o Miguel! - Jaque retruca com aquela voz aguda que fica ainda mais quando está irritada. - Não me diga que não saiu com ele ontem...
- Er... Não.
- Por favor, me dê uma justificativa plausível.
Aperto minha mão contra minha boca para segurar o riso. É muito engraçado quando Jaque aprimora seu vocabulário, outro sinal de indignação ou irritabilidade.
- Bem... digamos que Miguel não faz muito meu tipo... Você sabe, já conversei com ele algumas vezes e nunca deu certo... - Respiro fundo. - Por que você não esquece?
- Porque ele gosta de você e acho que devia dar outra chance... - Jaque suspira. - Ele é legal, Sa. Prometo que é.
- Desculpa, amiga, mas ele não é não.
- E por que?
- Porque ele só sabe falar de futebol e coisas toscas!
- Que tipo de coisas toscas?
- Na última vez ele me perguntou como era a África.
Jaque não diz nada, mas posso imaginar seu rosto expressando uma incógnita.
- Eu disse que também não sabia porque nunca fui pra lá. Então ele disse: "como não? Você não é de lá?!"
Jaque continua calada, mas dessa vez a imagino fechando os olhos de desgosto.
- Ele achou que o Brasil ficava na África, amiga. ÁFRICA!
- Ok... digamos que o Miguel não seja um poço de inteligência...
- Não, não é mesmo. - Rio. - Mas a questão maior não é essa...Na verdade não temos química nenhuma.
- Então ontem você simplesmente o dispensou quando foi te buscar para jantar?
- Sim, mas de uma forma educada. Disse que estava trabalhando e terminaria tarde. Não disse nada que não fosse verdade.
- Você sempre arruma uma desculpa para não sair, Saphira. Impressionante.
- Amiga, você sabe que as coisas ficam corridas em finais de semana! Depois das gravações de ontem aconteceram dois shows, e eu tive que ir. - Suspiro, de repente me sentido cansada. - Afinal, porque você quer tanto que eu saia com o Miguel?
- A questão não é sair com o Miguel, a questão é você sair! Você não vive, amiga. É como se sua vida fosse só trabalho, e eu quero que você se divirta um pouco, só isso... - Jaque faz aquela voz de criança chorona arrependida, e por um instante a imagino fazendo um bico.
- A minha vida é divertida, amiga. E além disso, tudo depende do que você considera diversão... - Olho rapidamente para o relógio. - Olha, por que você não espera chegarmos ao trabalho para conversarmos melhor sobre isso, como qualquer pessoa normal faria?
- Porque eu sou uma mulher profissional, Saphira. Não converso em trabalho.
- Aham! - Rio.
- ... e também porque não sou normal.
Rio novamente e em meu consciente concordo plenamente com ela.
- Tá OK. Vou aprontar as coisas e ir trabalhar, a gente se encontra lá! Beijos.
- Beijinhos
E desligando o celular, tomo coragem para me trocar e iniciar mais um dia de trabalho. Mais um dia normal e cansativo de trabalho.

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora