Reviravoltas

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Liza ON

Estava pensando em uma forma de contar à Saphira sobre Trisha. Sei que Saphira está num momento tão delicado que qualquer notícia pode deixa-la ainda mais fragilizada. Claro que já tentei contar a ela várias vezes, mas nunca consegui, já que o receio de como ela irá reagir sempre me deixa na dúvida. E, além, do mais, preciso saber mais sobre essa história. Mesmo com todas as provas, ainda não me sinto... convencida. Meu sexto sentido apita em mim. Tenho certeza de que há ainda mais por trás disso, e por isso decido não contar ainda.
Enquanto termino os sanduíches na cozinha, sinto uma sensação ruim, além de um silêncio total, logo após eu terminar de contar a história do novo estagiário da empresa. Franzo as sobrancelhas. Não ouço nem a respiração de Saphira. Tem algo errado. Então, sinto aquela sensação. De repente, meu coração acelera. Tem algo acontecendo.
Arregalando os olhos e prevendo algo muito ruim, olho para o lado, e a única coisa que encontro é a banqueta em que Saphira estava há 5 minutos, agora vazia. Minha bolsa está aqui, mas o envelope com as provas, não. Sinto como se meu rosto tivesse sido socado. O prato que está em minhas mãos cai no chão, se espatifando em mil pedaços. Em segundos estou correndo.
- ALARIC! ALARIC! – Grito, chegando na sala e sentindo os cabelos voando. Ele chega em segundos.
- Senhorita Liza, o que des...
- Saphira saiu com o carro? – Pergunto, segurando em seus ombros. Pelo seu olhar, sei qual é a resposta.
- Sim. Saiu há pouco, parecia nervosa...
- Droga... – Resmungo, já correndo para fora.
Alaric continua falando, mas o deixo sozinho enquanto corro o mais rápido para o carro, impulsionada pela dor de cabeça tinindo em mim, como me alertando que Saphira fará uma loucura. Sei bem como minhas intuições funcionam, e o que sinto agora prevê algo muito ruim. Entro no carro, sentando no banco do motorista. Dei o dia de folga à Max, o que me obrigada a ir dirigindo. Enquanto ligo o carro, pego o celular em mãos e digito freneticamente. Em segundos estou saindo da garagem da casa de Bruno.
- BIG JOE! – Grito quando ele atende, ao mesmo tempo em que presto atenção na direção. – PRECISO QUE ME ENCONTRE, E TEM QUE SER RÁPIDO!

Virando a última rua depois de ultrapassar os limites de velocidade durante todo o caminho, encontro o carro branco de Saphira em frente a casa de Trisha. Está torto, parecendo ter sido estacionado com pressa. Sentindo a mesma urgência, estaciono atrás, abrindo a porta do carro e praticamente pulando para fora, já correndo. Minha mente está a milhão, e meu estômago está embrulhado. Aquela sensação parece aumentar mais a cada segundo.
Chego na porta e a percebo aberta, o que me deixa com ainda mais certeza do que está acontecendo. Com a respiração descompassada, corro para dentro da casa, entrando na sala. Não consigo ver e ouvir nada, o que me aflige ainda mais. Paro no lugar, sentindo o peito subindo e descendo enquanto aguço os ouvidos para ouvir qualquer coisa. Meus olhos correm pelo lugar, e milhões de hipóteses passam pela minha cabeça. De repente, ouço o que parecem burburinhos ao fundo, e, seguindo meus instintos, caminho até lá. Não muitos passos depois, chego na porta da cozinha, e a imagem que vejo me atinge em cheio, me fazendo paralisar. Minha dor de cabeça atinge meu cérebro, e pisco forte, tentando me segurar.
Saphira e Trisha na cozinha. Saphira segurando Trisha contra a parede enquanto encosta uma faca enorme em seu pescoço e sussurra coisas. Trisha parece desesperada, chorando como nunca vi. As fotos do flagra de Trisha chegando no prédio da AR estão espalhadas pelo chão. Já sabia o que poderia estar acontecendo no momento em que percebi que Saphira não estava mais na cozinha de sua casa, por isso decido não perguntar nada sobre o que está acontecendo. Sei que Saphira descobriu tudo e está agindo por impulso. A primeira coisa que consigo dizer é:
- Saphira... Solta ela.
Saphira, que até agora estava com os músculos enrijecidos, parece fraquejar um pouco, talvez surpresa, porém não se move um milímetro, nem ao menos olha para mim. Parece totalmente concentrada no que está fazendo. Vejo os músculos de suas costas pela camiseta que está vestindo, e tento imaginar quanta raiva e adrenalina estão a impulsionando nesse momento para estar tão evidente assim. Respiro fundo, analisando a situação e pensando em como resolvê-la da melhor maneira. Como sempre, a racionalidade fala mais alto em mim. Me concentro, escondendo todo o nervoso que estou sentindo.
- Saphira, você precisa soltar Trisha. Agora.
- O que está fazendo aqui?! – Diz Saphira, ainda encarando Trisha. Só sei que está falando comigo porque aumenta um pouco o tom de voz.
- Te impedindo de fazer uma besteira. – Respondo, o tom de voz neutro, transparecendo a calma que sei que preciso transmitir agora. – Agora solta ela e vamos conversar.
- Você sabia... – Sussurra Saphira, a voz um tanto... assustadora. – Você sabia que ela fez da minha vida um inferno e não me disse nada.
- Se te consola saber, eu tentei te dizer várias vezes. Quis te poupar, e, além do mais, há mais detalhes para investigar.
Devagar, começo a andar em direção a elas, tentando encurtar a distância e conseguir maior confiança por parte de Saphira. Olho para o relógio na parede da cozinha. Considerando o tempo em que liguei para Big Joe e a distância que ele precisa percorrer, deduzo que em 2 ou 3 minutos estará aqui. Preciso controlar esse tempo, ocupar a mente de Saphira para que não faça nada que irá se arrepender depois.
- Saphira, não foi Trisha quem fez de sua vida um inferno. Não é culpa dela o que está acontecendo, e você sabe disso.
- Ela piorou tudo. Tudo. – Saphira, agora, parece vacilar nas palavras enquanto encosta ainda mais a faca no pescoço de Trisha.
Talvez seus olhos estejam lacrimejando. Percebo suas mãos tremendo. Chego mais perto, tentando enxergar seu rosto. Há alguns fios de cabelo colados em sua bochecha, enquanto, mesmo com um tempo um tanto frio, escorre suor pela sua testa. Seus olhos estão vidrados, como sugando a alma de Trisha. Saphira não parece Saphira. Se não a conhecesse, diria que acabou de fugir de um manicômio.
- Saphira, não está pensando direito... Larga essa faca e solte Trisha.
- Eu odeio. – Diz Saphira, agora, mais alto, e ao que parece chorando, ainda encarando Trisha. – Eu odeio isso. Não aguento mais. Eu não aguento mais!
- Saphira, por favor... – Chego mais perto, sentindo o peso do ambiente. Trisha continua chorando, tremendo, totalmente horrorizada. – Você não está sã, essa não é você... Precisa pôr a cabeça no lugar. – Olho no relógio de novo. 1 minuto. A dor de cabeça está latejando em mim como nunca antes.
- Já faz mais de um mês, Liza... – A voz de Saphira parece, agora, menos ameaçadora. Parece estar, de certa forma, se rendendo. Pelo menos é o que eu tento acreditar. – Eu tento ser forte, eu realmente tento...
- Todos percebemos isso.
A mudança de Saphira realmente foi nítida. É claro que continuou triste, sofrendo, mas se deixou ser ajudada, e, óbvio, se ajudou com isso. Parece que, agora, depois de segurar tanta coisa, está liberando tudo de uma vez, da pior maneira possível.
- Eu juro que tentei... Fingi que não chorava mais, comecei a comer melhor... Mas não adianta, Liza. – Ela, ainda olhando para Trisha, agora sussurra de um modo tão aterrorizante que me arrepio. – Sinto que estou enlouquecendo...
- Não está, Saphira. Não está. – Chego um pouquinho mais perto enquanto Trisha continua paralisada. Se ela se mover um milímetro, seu pescoço será comprometido. Me sinto nervosa, mas consigo continuar mantendo o controle da situação, levando em conta que Saphira parece estar fraquejando. – Saphira, não faça nada que irá se arrepender. Bruno precisa de você. – Ouço, ao fundo, um carro estacionando. Big Joe. A sensação ruim continua em mim, mas consigo sentir a dor de cabeça diminuir, além de certo alívio. Tudo vai dar certo. Tem que dar.

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora