- Senhorita Saphira... – Diz Rita, batendo na porta e já colocando a cabeça para dentro.
Ainda não perdeu esse costume de "senhorita", e não consegue disfarçar sua preocupação, sempre de olho em mim. Para poupar energia, não respondo nada. Ela, depois de correr os olhos pelo quarto, os fixa em mim. Estou sentada na cama com as costas apoiadas na cabeceira.
- Senhora Tahiti está aqui. – Quando Rita diz isso, olha para ela surpresa, que me corresponde com um sorriso. – Ela quer te ver.
- Tahiti? – Pergunto, cerrando os olhos. – Tem certeza que não é Tiara?
- Me desculpe, mas, conhecendo bem a família de Bruno, posso ter a certeza de que não confundiria Tiara com Tahiti por nada. – Rita ri baixinho e levanto uma sobrancelha.
- Ok... – Respondo fungando e limpando o nariz.
Então penso no que ela está fazendo aqui. Tahiti, aqui? Talvez eu esteja sonhando...
- Sabe o que ela quer?
- Não diria se soubesse. – Rita sorri, e também sorrio, apreciando seu bom humor.
- Ela parece brava?
- Quando não parece?!
- Tem razão... – Digo, respirando fundo. – Por favor, diga que já estou descendo.
Rita assente e fecha a porta. Com alguma dificuldade, me levanto da cama, arrastando o corpo. Mesmo me alimentando melhor, minha terapeuta disse que é normal nos sentirmos muito cansados e doloridos quando nosso emocional está tão abalado. Ela tenta me fazer acreditar que consigo superar isso, mas sei que, enquanto Bruno não voltar, não conseguirei.
Prendo meu cabelo num coque, algo já tão rotineiro. A última vez que consegui deixa-lo bonito foi quando Liza e Jaque o arrumaram para mim, no hospital. Agora, ele está seco, um tanto ressecado e parecendo um pouquinho mais curto, talvez por alguns fios caírem e quebrarem regularmente. Visto um jeans e troco a camiseta de Bruno por uma minha. Saio do quarto usando os chinelos dele.
Descendo as escadas, posso ver Tahiti em pés, no meio da sala. Está usando tênis e um vestido, além de segurar sua bolsa com as duas mãos, na frente do corpo. Pela sua expressão, desconfio que tenha passado no hospital. A mistura de esperança e desespero no olhar de todos que visitam Bruno é gritante. Consigo perceber a quilômetros de distância, justamente por eu carregar esse olhar desde o primeiro dia desse terrível pesadelo. Sei como é.
- Oi, Tahiti. Que surpresa! – Tento dizer da forma mais animada e simpática que consigo.
Não posso negar que me sinto nervosa. Eu e Tahiti nunca tivemos um bom relacionamento, e depois que ela descobriu que eu e Bruno escondemos aquele segredo por tanto tempo, tudo piorou. Não a vejo regularmente, afinal, deu à luz recentemente, então é óbvio que não consegue vir visitar Bruno sempre e não possuo recursos para tentar me aproximar dela. Por algum motivo, ela sempre parece brava, e isso e intimida um pouco.
- Oi, Saphira. – Ela responde, tentando sorrir.
Paro a certa distância, talvez temerosa em levar um tapa na cara a qualquer momento. Quando se trata de Tahiti, não sei o que esperar. Posso notar seus olhos um tanto vermelhos. Esteve chorando, com certeza.
- Como está? – Ela pergunta.
- Levando. – Dou um sorriso fechado. Tahiti nunca foi de muito carisma, isso é óbvio, mas posso sentir certa preocupação em seus olhos. Ou talvez eu só esteja ficando louca. – E você?
- Também.
- Como está Liam? – Pergunto, tentando deixar o clima leve.
- Está mais gordinho que nunca. – Ela responde, rindo.
- Ele é uma graça.
- É, sim... – Ela diz, ainda sorrindo. Depois, olha para baixo, parecendo... insegura. – Acabei de chegar do hospital. – Quando seus olhos voltam para os meus, não sei o que dizer. Ela pigarreia. – Bruno parece... bem, apesar das circunstâncias.
- Sim... – Digo, colocando as mãos nos bolsos de trás da calça.
De repente noto um clima pesado, aquele tipo de silêncio que incomoda. Me sentindo cansada e ainda não entendendo o que está acontecendo, decido ir direto ao ponto. Olho em seus olhos.
- Por que está aqui, Tahiti? – Minha pergunta, obviamente, a surpreende. Depois, ela respira fundo. Parece um tanto nervosa também.
- Eu só quero... – Ela olha para o chão, torce as mãos nas alças da bolsa e sorri torto para mim. O que quer que veio fazer, se sente insegura a respeito. Depois de respirar fundo de novo, olha em meus olhos, parecendo mais decidida. – Olha, não é segredo para ninguém que nós duas nunca fomos... digamos... nós nunca fomos... amigas.
Fico encarando-a quando diz isso, querendo saber onde quer chegar.
- Ã... – Digo, franzindo as sobrancelhas. – Onde quer chegar?
- A questão é que... – Tahiti respira fundo de novo. – Bom, eu nunca tinha sentido confiança em você... – Ela confessa, olhando para mim. Fico encarando-a, tentando expressar em meu rosto que isso, com certeza, é óbvio há muito tempo. – Por favor, entenda... Várias garotas já se aproximaram de meu irmão com intenções... bem, com más intenções. É difícil aceitar uma mulher aparecendo na vida dele, entende? Sendo apresentada como namorada, sem ao menos eu conhecê-la direito... – Ela continua me fitando nos olhos e sorri, parecendo totalmente sincera no que diz. – Mesmo que já não esteja mais perto, me preocupo demais com Bruno. Qualquer um que faça mal a ele, faz a mim também.
- Sei como é. – Não sei porque, mas minhas palavras soam um tanto ácidas. Encaro Tahiti cerrando os olhos. – Por que está me dizendo isso?
- Eu... – Ela parece procurar as palavras. – Não sei, na verdade. – Uma lágrima cai de seu olho. – Acho que minha consciência está me deixando louca. Vendo o quanto você está sofrendo com a situação de Bruno, o quanto se preocupa com ele... Agora entendo a relação de vocês... É algo... real. É amor. – Tahiti parece, pela primeira vez, desarmada. Pisco forte algumas vezes. Ela está dizendo o que estou ouvindo? Sinto vontade de chorar, talvez emocionada por isso. Tahiti é a última pessoa de quem eu esperava ouvir essas palavras. – Não posso negar, fiquei puta da vida quando me contou que sabia sobre o câncer todo esse tempo e não nos disse nada, mas, depois de um tempo refletindo, percebi que faria o mesmo por Billy. No amor, às vezes, existem sacrifícios, e eu nem imagino o quanto você sacrificou durante todo esse tempo... – A sinceridade em suas palavras me comove. Quando percebo, meu queixo está tremendo e uma lágrima cai de meu olho. Tahiti se aproxima, também chorando. Não sabendo o que responder, fico encarando-a. – Me desculpe por tudo, ok? Sei que meu jeito é difícil as vezes, mas eu sou assim. Não dá pra mudar. – Ela ri e dá de ombros, e o máximo que consigo fazer é continuar encarando-a. Tahiti parece perceber minha surpresa, assim, chega ainda mais perto e apoia uma mão em meu ombro. – E, além do mais, você ainda me deve uma luta.
Ela levanta as sobrancelhas sugestivamente enquanto me lembro de quando conversamos sobre o boxe e prometi uma luta com ela depois que Liam nascesse. Sorrio amargamente.
- Acho que não estou em condições para isso, agora.
- Você sabe que a condição é perfeita, agora.
Ela pega gentilmente em meu braço, num de seus poucos atos de simpatia e carisma desde que a conheci. Olho para ela e percebo o quanto é, no fundo, um tanto sentimental e extremamente preocupada. Talvez a mais preocupada das irmãs. Seus olhos denunciam suas intenções de ajuda. Talvez tenha ficado sabendo sobre minha situação no hospital, quem sabe? A admiro por vir até aqui e ter feito o que fez. Sinto que, agora, temos uma chance para recomeçarmos.
- É, talvez seja. – Sorrio, e ela faz o mesmo, parecendo, agora, animada.
Depois de desenterrar as roupas e acessórios de boxe e aquecer o corpo, estou recebendo instruções de Tahiti na academia de casa. Nunca cheguei a lutar com alguém, e considerando o tempo que não pratico mais nenhum tipo de exercício físico, prevejo talvez algumas lesões pelo corpo. Mesmo assim, consigo pensar em alguns movimentos que já treinei quando praticava boxe, e tento lembra-los mais especificamente. Sinto o cansaço em meu corpo, e, além disso, os olhos queimando. Com certo esforço, tento prestar atenção em tudo que Tahiti diz. Ela está incrivelmente bem para quem deu à luz recentemente. Seu short de academia e seu top a deixam parecendo a esportista que é, enquanto eu estou mais para uma quase anêmica.
- Ok. Pronta? – Ela pergunta, batendo as mãos forradas por luvas de boxe uma na outra. Olho para ela ainda um tanto desanimada.
- Não sei se conseguirei fazer isso. Faz tanto tempo... – Digo, a voz um tanto baixa.
- É claro que consegue. Vai, posição de guarda. – Tahiti se posiciona e, respirando fundo, faço o mesmo, com os pés separados, as mãos na frente do rosto e os joelhos um tanto flexionados. As luvas, antes parecendo leves, agora parecerem pesar. Com certeza estou destreinada, diferente de Tahiti, que parece profissional no esporte. – Ok, vou te dar o privilégio de principiante... Dê um golpe.
- Tahiti, acho que não vai dar certo... – Digo, obviamente desanimada. Minha mente não para de pensar nos problemas, e é óbvio que se não me concentrar, não conseguirei sequer andar.
- Vamos, Saphira! Começa! – Ela insiste.
É óbvio que ela está tentando me incentivar e, por respeito e admiração ao seu ato, respiro fundo e soco sua mão com minha mão direita. Depois disso, ela desfaz a pose, abaixando os ombros e jogando a cabeça para trás, parecendo entediada.
- Qual é, tá brincando?! Liam consegue dar um soco mais forte que esse. – Sem querer, acabo rindo. – Eu sei o que estou fazendo, Saphira. Confia em mim. – Tahiti diz, me olhando nos olhos. Depois, volta à posição. – Agora, me dá um golpe de verdade.
Olho para ela, respiro fundo, e decido, agora, me entregar a situação. Mexo um pouco o pescoço e dou alguns pulinhos, depois, volto à posição. Olho fixa para ela, pensando em estratégias. Dou uma de direita, e, depois, de esquerda. Tahiti defende os dois e me olha, agora, surpresa e sorrindo, obviamente aprovando minha tentativa.
- É só isso? – Pergunta ela, me provocando.
Sinto, agora, a empolgação que sentia quando praticava o esporte. Olhando-a com um sorriso no rosto, aplico outros golpes. Direito, esquerdo, gancho. Tahiti defende todos, e, quando dá um de direita, instintivamente agacho e desvio. Ela olha para mim surpresa, levantando as sobrancelhas. Me sinto, agora, determinada. Numa sequência de golpes, vou para cima de Tahiti, que desvia, e, logo depois, parte para cima. Nós duas desviamos, atacando quando há brecha.
Enquanto aplico golpes, Bruno vem em minha mente. Não que não viesse sempre, mas, agora, penso em toda a situação que estamos passando, e certa raiva toma conta de mim. Penso no escândalo da mídia, em meus amigos sofrendo, em minha saúde, e, principalmente, em Bruno deitado naquela maca. Ele não merecia isso. De jeito nenhum. Imediatamente começo a socar mais forte, minha mente viajando entre pensamentos e estratégias de luta enquanto a raiva me consome. Tahiti percebe que aumento a intensidade e faz o mesmo, se defendendo dos golpes. A raiva, o desespero, o medo e a preocupação parecem formar uma mistura em mim, me fazendo, agora, socar ainda mais forte. Estou tremendo, e é como se todas essas emoções estivessem jorrando de mim. Bruno ainda desacordado. Alguém entregando seu segredo para a mídia. Atlantic Records pressionada e me pressionando. Fãs enlouquecidos e preocupados. Ingressos comprados para a 24k Magic World Tour sendo devolvidos. Lucro decaindo.
Sentindo os olhos arregalados, paro de lutar e estaciono no lugar, me sentindo congelada. Meu coração está muito acelerado e sinto gostas de suor pingando de minha testa. Imagens de Bruno e toda essa confusão passam pela minha mente, me irritando ainda mais. Tudo está uma confusão, uma loucura que estou tentando, com todas as minhas forças, lidar. Todos podem tentar me consolar, ajudar, mas só quem passa por isso sabe como é. Seu mundo parecer seguro e, em segundos, virar de cabeça para baixo, sem certezas de quando irá voltar ao normal, se é que um dia voltará.
- Saphira? – Chama Tahiti, de repente, o que me faz piscar forte. Ela me olha nos olhos como se entendesse o que estou sentindo. – Não pense. Apenas libere. Você precisa disso.
Ela novamente se posiciona, e, no momento, sinto a angústia me consumir por completo. Em segundos estou partindo para cima, lutando com tudo o que tenho, seguindo seu conselho.
- Eu odeio tudo isso. – Digo, sem querer, enquanto aplico golpes diversos em Tahiti. Meu coração está acelerado, meus sentimentos a flor da pele. Sinto tudo jorrar de mim, vinculando diretamente à minha luta. Talvez extravasar fisicamente ajude a me aliviar mentalmente. – Ele não merecia isso... – Sinto suor escorrer por todo meu corpo enquanto Tahiti vai andando para trás, se desvencilhando dos golpes. Não consigo enxergar direito, tamanha é a raiva que estou sentindo. Meu coração está disparado. Minha respiração descompassada. Sinto meus músculos rígidos. Uma vontade de chorar imensa enquanto grito. – ELE NÃO MERECIA ISSO! – Meus golpes ficam mais rápidos e intensos, e Tahiti se esforça para se proteger, já não conseguindo reagir de acordo. Por alguns milésimos de segundos ela desprotege seu rosto para conseguir respirar melhor, obviamente já um tanto cansada. Sentindo meu ápice de força e percebendo seu descuido, levanto um braço para finalizar com um direito em seu rosto. Vejo Tahiti arregalando os olhos, já esperando o soco diretamente em seu rosto. Me desvencilhando dela, aplico o golpe no saco de pancadas ao meu lado. O mesmo já estando um tanto rachado antes, agora, a rachadura se abre ainda mais, despejando areia até o chão.
Apoiada no saco de pancadas, choro enquanto respiro pesadamente, obviamente cansada. Depois de tanta energia saindo de mim, me sinto absurdamente esgotada. Olho para Tahiti, que me encara gentilmente.
- Se sente melhor? – Ela pergunta, também olhando para mim. Chorando, faço que sim com a cabeça. Ela caminha até mim, e, sem pensar, a abraço. – Sabia que te ajudaria. É muito estresse para uma pessoa só... – Ela diz, tirando suas luvas de boxe e retribuindo o abraço. – Precisa se aliviar de vez em quando.
- Eu... sonhei com Bruno. – Digo, chorando e arfando. – Sonhei com ele quando criança...
- E como foi? – Sua voz soa suave.
- Ele estava correndo por um gramado e chutando uma bola. Parecia jogar futebol, ou praticar corrida... algo assim. – Dou de ombros.
- Que estranho... – Tahiti franze as sobrancelhas. – Bruno nunca gostou muito de futebol quando criança.
- Não? – Faço uma careta.
- Não. Na verdade, ele adorava cantar. Óbvio. E também adorava basquete. Mas futebol... – Ela faz uma careta, como pensando. – Não era muito sua praia.
Franzo as sobrancelhas, ainda pensando sobre o sonho. Então decido esquecer isso por enquanto.
- Eu só quero que ele acorde, Tahiti. – Digo, sentindo a garganta doer. – Só isso.
- Eu sei, querida. Eu sei. – Ela sussurra em meu ouvido, ainda me abraçando. – É o que todos queremos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Too Good To Say Goodbye
FanficO amor é fácil. Deve ser fácil. Mas o caminho até ele pode ser difícil. Postagem da fanfic Too Good To Say Goodbye. Trabalho original e de autoria privada. Não será tolerado nenhum tipo de plágio.