Unconscious

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Foi muito tempo acalmando Saphira. Ficamos no chão durante alguns minutos, e, depois disso, precisamos de uma sala para ela poder se sentar e tomar água. A deixei quieta, abraçando suas próprias pernas, sentada numa poltrona enorme e com os pés descalços. Durante muito tempo ela não disse nada, só bebericava a água no copo de vidro como um passarinho, segurando-o firme com as duas mãos e olhando para nada em específico.
- Estou com medo. – Quebrando o silêncio, de repente, ela sussurra.
Saphira fita o chão, os olhos absurdamente vermelhos, assim como o nariz. Sua voz está embargada devido ao choro intenso.
- Calma... Não sofra antes... – Acaricio seu joelho, mas ela não se move.
Minha mente viaja enquanto a observo. Tento imaginar o que ela está sentindo, o que se passa em sua cabeça, mas, óbvio, é impossível. Me sinto ainda pior por não saber o que dizer, nem sequer o que pensar. Pelo que parece, Bruno teve uma crise de manhã, tossindo tão forte que saía sangue de sua boca, algo que nunca tinha acontecido de forma tão intensa antes. Um de seus funcionários o trouxe imediatamente até o hospital, juntamente com Saphira. Logo ele entrou para uma cirurgia de emergência que na verdade deveria acontecer somente daqui 5 dias. Segundo minha amiga, ela não o vê desde então, nem recebe notícias. Ela está nesse hospital desde as 9 da manhã, e, pelo que parece, só conseguiu ligar para alguém depois da 1 da tarde, que foi quando Liza ligou para mim.
Agora, as 6 da noite, sei que, por mais que esteja me esforçando, não consigo demonstrar a calma que desejo, mesmo que tenha pedido o mesmo para minha amiga. Estou tão ansiosa quanto ela, e a angústia aperta meu peito. Quando ela mencionou que Bruno aparentemente não estava respirando quando o levaram numa maca, senti um aperto tão forte no peito que chegou a doer, fisicamente. O que quer que tenha acontecido, irá me afetar tanto quanto Saphira. Sempre foi assim. O que acontece com uma, acontece com a outra. Além do fato de Bruno ter se tornado alguém mais que especial para mim, algo como um... amigo. A grande questão, na verdade, é que ele a faz feliz, e, se minha amiga está feliz, consequentemente também estou. Vê-la sofrendo, aqui e agora, é uma dor... inexplicável.
Como atendendo às nossas preces e angústias, ouvimos batidas na porta, e, logo depois, ela se abre. Saphira, como levando uma injeção de adrenalina, literalmente pula da poltrona, se colocando em pés e arregalando os olhos. Ela se desequilibra um pouco, mas logo se ajeita novamente. Faço o mesmo, ficando ao seu lado. Um senhor nos encara com um sorriso fechado no rosto, mas algo em seus olhos diz que talvez não tenha boas notícias. Ou talvez seja só o pessimismo me atingindo.
- Doutor... – Diz Saphira, com a voz mais alta, de repente. É como se ela ansiasse tanto por notícias que seu corpo dá um jeito de se sustentar. – E então?!
- Ã... – Ele alterna o olhar entre mim e Saphira, depois focando nela. – Podemos conversar a sós?
- Não. – Responde Saphira, agora com a voz um tanto embargada. Ela parece estar quase chorando, de novo. – Só me diz logo o que aconteceu, por favor. Onde está Bruno? – Ela implora, e imagino se não seria capaz de se ajoelhar para isso. O doutor Stuart Cromwell, nome que li em seu crachá, fecha a porta e se vira para nós. Ele une as mãos para falar. Parece profissionalmente treinado.
- Não prefere se sentar?
- NÃO! SÓ DIZ LOGO, POR FAVOR. – Saphira grita, desesperada, os olhos arregalados. A ansiedade é nítida em cada molécula de seu corpo. – Onde Bruno está?!
O médico olha para Saphira com os lábios colados, e depois para mim, rapidamente. Quando volta os olhos para ela, começa a falar.
- Saphira, como já deve saber, pelas condições em que Bruno chegou aqui, tivemos que adiantar a cirurgia e desenvolver o procedimento antes do previsto. – Ele olha fixamente para ela. Minha amiga não tira os olhos dele, como tentando absorver cada palavra que diz. – Como deve imaginar, o procedimento foi longo e arriscado, como já tinha dito que seria... – A tensão é palpável no ar. Não há prestígio nem alívio na expressão de Stuart, o que, consequentemente, não nos alivia também.
- E...? – Pergunta Saphira, uma lágrima escorrendo de seu olho.
- Houveram algumas complicações, principalmente por não completarmos o tempo de preparação e, como já disse, por eu estar lidando com algo muito diferente de tudo que já vi.
- Que complicações? – A voz de Saphira soa tão baixa que parece um sussurro.
Tento segurar sua mão, mas meu coração está tão acelerado e sinto tão fortemente a tensão em mim que o máximo que consigo fazer é continuar com os olhos focados em Stuart.
- Como sabe, Bruno chegou aqui com a atividade respiratória muito prejudicada. Fizemos todos os procedimentos, incluindo a sedação necessária, e, quando achamos seguro, iniciamos a cirurgia. – Ele respira fundo. – Felizmente, a concluímos com sucesso.
Cromwell levanta um pouco os cantos dos lábios, quase um sorriso, como quando alguém dá uma boa notícia mas ainda tem mais para falar.
- E então... Onde ele está? – Saphira, agora quase dando um sorriso, parece sentir esperança e certo alívio.
- Bom... – Ele pigarreia. – Logo depois, esperamos para que os efeitos da sedação passassem, mas Bruno, infelizmente, sofreu uma insuficiência respiratória, mesmo com os aparelhos. – O olhar dele é profissional e transmite calma, assim como sua voz milimetricamente controlada, mas é claro que não é só isso que tinha a dizer.
- Eu só quero saber... – Saphira respira fundo, fechando os olhos. Agora parece que o pânico voltou à sua face enquanto várias lágrimas caem de seus olhos. Ela parece ter, ao mesmo tempo, ânsia e medo em saber o que aconteceu. Me sinto da mesma forma. – Por favor, só quero saber... Onde está meu Bruno, doutor? – Ela implora, olhando nos olhos dele. Uma cena que quebra meu coração em milhões de pedaços. – Eu só preciso saber onde ele está...
- Fizemos tudo o que foi possível, Saphira... – Ele olha no fundo dos olhos dela. Um ato corajoso nessa situação, que me faz arrepiar. – Mas Bruno... entrou em coma.
Uma leve tontura, agora, toma conta de mim. Tudo gira rapidamente, e parece que estou leve demais. Tento raciocinar o que acabei de ouvir, talvez tentar processar, mas sinto que estou caindo. De repente, volto a mim, mas ainda estou desequilibrando. Sinto ânsia de vômito. Olho para os lados, encontrando alguma coisa para me apoiar. É como se eu tivesse acabado de ser socada no rosto. Com certa dificuldade, consigo focar os olhos em Saphira. Ela não move um músculo. Seus olhos estão arregalados e ela não pisca. Parece ter saído de si e só o corpo ficou.
Há um silêncio pesado na sala. Olho para o médico, que continua falando, sua boca mexendo, mas não consigo me concentrar nem ouvir o que diz. Parece que estou numa frequência diferente. Eu nem sequer ouço alguma coisa. Só me desvencilho do transe quando, de repente, Saphira começa a andar para trás. É como se estivesse se afastando de alguma coisa perigosa. Devagar, seu rosto vai se contorcendo, como se estivesse sentindo muita dor. É como se sua mente estivesse processando aos poucos o que acabamos de ouvir, assim como eu, mas, no seu caso, muito mais intenso e doloroso. Ela começa a sussurrar alguma coisa para si mesma, negando com a cabeça enquanto continua com os olhos vidrados no chão. Saphira parece não conseguir sequer focar os olhos em alguma coisa. De repente, um grito gutural sai de sua garganta, que quebra o silêncio e também meu coração.
- EU SABIA!
Um choro abundante começa a acontecer, e a dor é mais que nítida em seu rosto e corpo. As veias de seu pescoço estão saltadas, e ela fica mais vermelha a cada segundo. Ela, de repente, vai em direção ao médico com passos firmes, e, quando percebo, está prestes a esmurrá-lo. Meus sentidos voltam, mas sinto que estamos em câmera lenta. Saindo do transe, consigo me mover e segurar os braços de Saphira antes que ela faça alguma besteira.
- É CULPA SUA! EU SABIA! EU SABIAAAAA! – Saphira grita, os olhos arregalados e olhando para Cromwell.
Agarro ela com todas as forças, segurando firme em volta de seu corpo, travando-a pelas suas costas. Parece que acabou de levar outra injeção de adrenalina, demonstrando uma força que nem sabia que tinha. Posso sentir seu corpo inteiro tremer, e o médico parece, ao mesmo tempo, surpreso e calmo enquanto ela continua gritando.
- EU SABIA QUE A CIRURGIA ESTAVA DEMORANDO DEMAIS! EU TE LIGUEI, DISSE QUE BRUNO ESTAVA PIORANDO A CADA DIA, E VOCÊ NÃO FEZ NADA! VOCÊ NÃO FEZ NADA! – Os gritos se misturam com o choro, e sinto que não vou aguentar segurá-la por muito tempo já que não para de se debater em meus braços.
- Não podíamos adiar o processo! Se adiássemos Bruno correria ainda mais risco de vida... – Ele tenta explicar.
- E AGORA?! ELE CORRE RISCO?! – Ela praticamente cospe as palavras, lutando contra meus braços enquanto sinto o sarcasmo doloroso em sua fala. Nossas peles estão ficando ainda mais vermelhas e sinto meus braços arderem por segurá-la. Não posso soltá-la, se não, além de tudo isso, teremos, provavelmente, algum processo sobre agressão física.
- Saphira, eu fiz tudo o que pude...
- NÃO FOI O SUFICIENTE! POR QUÊ NÃO O AJUDOU?! POR QUÊ?! – Saphira diz essas palavras com tanta dor que não parece ser real.
- Eu o ajudei como pude...
- PARA! PARA DE FALAR! – Saphira, agora, parece se render completamente ao choro. Ela fecha fortemente os olhos e começa a soluçar enquanto sua voz vai diminuindo gradativamente, como se estivesse perdendo as forças. – Para, por favor... Para... – Ela se ajoelha no chão, chorando. Faço o mesmo, acompanhando-a. Finalmente, parece que ela raciocinou a notícia, e seu corpo desfalece no chão. – Não... não... – Ela murmura, talvez sem saber realmente o que está dizendo.
A abraço pelas suas costas e, sentada no chão, posso sentir seu corpo subindo e descendo conforma soluça. O som que sai de sua garganta me mata a cada segundo. Encosto minha cabeça em suas costas, e, finalmente, relaxo os braços, não sentindo mais o risco de Saphira se levantar. Mesmo assim, continuo abraçando-a. Logo depois, tento ser forte, tento resistir pela minha amiga, mas não consigo mais aguentar e começo a chorar também. Um choro silencioso e que me dói na alma.
Vejo algumas enfermeiras entrando na sala, tentando ajudar Saphira, assim como o doutor Stuart. Mas não queremos ajuda, agora. Continuamos sentadas no chão, Saphira à minha frente, ajoelhada, e eu atrás, abraçando suas costas e ensopando sua camisa. Queria ser forte e ajudá-la a pelo menos se levantar, mas a notícia me socou forte demais para isso.
Bruno.
Em coma.
É algo inacreditável, e tão difícil de sequer imaginar.



- Onde ela está?! – Pergunta Liza, chegando as 3 da madrugada na sala de espera com seus cabelos bagunçados. Seu rosto, sempre tão passível, agora demonstra preocupação de uma forma que nunca vi antes.
- Esperando para entrar. – Respondo, baixo. Estou fungando e meus olhos queimam enquanto tomo uma xícara de café. É a quinta em meia hora. – Parece que os médicos estão observando-o, analisando melhor a situação, e, talvez, a visita seja liberada hoje à tarde.
- Mas ela não deveria estar esperando aqui, na sala de espera? – Liza faz um sinal com a mão indicando a sala em que estamos.
- Você conhece Saphira o suficiente para saber que ficaria grudada na porta do quarto até liberarem sua entrada. – Minha voz parece, agora, estar enroscada na garganta. – Ela foi se sentar nas cadeiras perto do quarto onde Bruno está.
- Ela comeu alguma coisa?
- Acabei de levar um copo com suco, mas duvido que tenha tomado.
- Ok... – Liza respira fundo. – Temos problemas. – Ela diz, colocando a bolsa no sofá e sentando-se abruptamente, um tanto desajeitada, obviamente cansada e tensa.
Pelo seu terninho e saia beges e saltos altos amarelos e finos, tenho certeza de que veio direto da AR para cá, assim como eu. No caso, já me libertei dos saltos há horas, usando, agora, um chinelo confortável oferecido pelo hospital.
- Com certeza temos. – Respondo, demonstrando a obviedade do que acabou de dizer.
- Bruno em coma... Minha nossa... – Liza apoia os cotovelos nas coxas e as mãos no rosto, tapando-os. Sua voz está ligeiramente embargada, mas não há sinal de que tenha chorado. Ela é sempre muito forte, mas parece... esgotada. Ela esfrega um pouco o rosto e fico observando-a por um tempo, ambas em silêncio.
- Quem já sabe disso? – Pergunto, indo em direção à poltrona, sentando, dobrando as pernas e colocando os pés na almofada.
- Bom, esse é um dos problemas. – Responde Liza, ainda com as mãos no rosto. Franzo as sobrancelhas.
- Como assim?
Quando pergunto, Liza respira fundo e tira as mãos do rosto, cruzando-as em frente ao corpo. Sua maquiagem está intacta, mas é possível enxergar algumas olheiras, e sua pele parece mais branca que o habitual.
- Alguém vazou a situação de Bruno.
- O quê?! – Franzo as sobrancelhas, não entendendo. Liza respira fundo de novo. Coloco a xícara de café na mesinha ao lado e me sento melhor na poltrona. – Como assim, Liza? Do que está falando?!
- Ontem, no início da tarde, saiu a notícia em todos os sites e telejornais de que Bruno tem... quero dizer, tinha... câncer.
Quando Liza diz isso, meu coração dispara. Olho com olhos arregalados enquanto ela parece cansada demais para sequer demonstrar reações.
- Acredito que vocês não viram nem ficaram sabendo porquê... bem, porque estavam aqui, mas o mundo lá fora está perplexo.
- Mas, Liza... – Não sei o que dizer, me sinto... sem palavras. – Como assim?!
- Como combinado com Saphira e Bruno, postamos de manhã uma nota que dizia que Bruno tinha sofrido um ataque de sinusite, e por isso teria que cancelar alguns shows. Horas depois, a notícia de que isso é na verdade uma grande mentira e que Bruno tem câncer está circulando por todos os arredores do mundo.
- Mas e... – Engasgo um pouco. – E o que mais? E quanto ao coma?
- Não sabem. Só sobre o câncer. – Ela olha, agora, mais firme para mim. Não sei porque, mas me sinto um pouco mais aliviada. Pelo menos não sabem de tudo. O mundo ficar sabendo que Bruno está em coma com certeza traria ainda mais inúmeros problemas para nossa cabeça.
- Minha nossa, o que vamos fazer?! – Não sei como é possível, mas agora me sinto ainda mais angustiada. Saphira não conseguirá lidar com isso agora, principalmente nesse momento tão crítico. – Tem certeza que alguém "vazou" isso? – Cerro os olhos. – Quero dizer, será que alguém não descobriu por conta própria?
- Não. Somos muito sigilosos, inclusive Bruno. Não é possível terem descoberto assim, do nada. – Ela suspira. – Alguém vazou isso. Alguém sabia e vazou a informação. – Liza olha para mim de repente parecendo firme e determinada. Talvez com raiva. – Mas pode ter a certeza de que irei descobrir quem foi.

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora