É preciso arriscar

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Saphira ON

Os três dias passaram tão rápidos como uma lesma. É claro que estou acostumada com esses tipos de testes, tive que fazer vários deles quando cheguei na cidade e ninguém me conhecia, mas nunca para uma gravadora tão grande. Pensar nisso, no salário, nas pessoas que terei que competir para alcançar, e principalmente pensar que essa oportunidade poder mudar minha vida, me deixa enjoada, meu coração acelera e fico nervosa.
Mas, finalmente, o dia chegou. É domingo e faz calor. Um lindo dia de verão em L.A. Depois de assistir ao nascer do sol, tomar banho e ensaiar milhões de vezes o que irei cantar, escolho uma calça que modela muito bem minhas pernas e uma blusa ciganinha branca, bem refrescante. Onde eu morava, no Brasil, parecia sempre estar quente, pelo menos na maior parte do tempo, mas aqui em L.A é diferente; a mudança é constante, então preciso de várias peças de roupa diferentes pra cada estação.
- Só pra certificar se você já acordou, do jeito que é dorminhoca. – Jaque diz quando atendo o telefone.
- Não dá pra acordar quem nem ao menos conseguiu dormir... – Suspiro, sentindo a ansiedade.
Jaque ri do outro lado da linha.
- Vai dar tudo certo, amiga. Relaxa... Daqui a pouco estou chegando pra te buscar.
- Ok, tô te esperando.
Jaque faz questão de me acompanhar, e isso me deixa muito mais tranquila. Ter alguém que você ama e acredita em você faz toda a diferença, principalmente quando se está tão longe de toda sua família.
Faço uma maquiagem básica e deixo o cabelo solto. Ele está enorme, comprido, e sua cor castanho-escuro parece reluzir. Hoje, por um milagre, acordou de bem com a vida e está formando um cacheado bonito.
Depois de algum tempo, ouço Jaque buzinar. Esqueço totalmente do meu cabelo ou de qualquer outra coisa. Meu coração acelera, e tudo o que eu consigo pensar é nesse teste. E no quanto eu preciso conseguir essa vaga.

Chegando no local, percebo que a banda escolheu um lugar simples, reservado; um salão com um confortável local de espera. Logo me deparo com uma mesa enorme de escritório, mais à frente um salão e uma porta ao fundo. Vejo no salão torno de 15 garotas sentadas nas cadeiras e dois sofás disponíveis para a espera. Vejo mais umas 3 chegando depois de mim; não sei porque, mas me sinto um tanto intimidada. Não que eu nunca me sinta, estou acostumada com isso. A indústria musical é sempre muito competitiva. Mas, por algum motivo, sinto algo a mais hoje. Como num nervoso adicional.
Tentando esquecer isso, respiro fundo e vou direto à secretária confirmar minha presença. Quando a olho, me impressiono com sua beleza. Possui um cabelo loiro quase branco, comprido, com ondas perfeitas. Seu terninho parece cair perfeitamente em seu corpo, como feito sob medida. Seu rosto parece ser intimidador ao mesmo tempo que parece simpática.
- Pois não? – Ela pergunta, seus olhos correndo por mim.
- Oi! – Sorrio, a voz soando mais empolgada do que pretendi. – Sou Saphira, vim para o teste de hoje.
- Um minuto. – Ela diz, logo depois começando a teclar freneticamente no notebook à sua frente. Jaque, ao meu lado, me olha com uma expressão empolgada. Sorrio para ela, me sentindo num sonho. E logo caindo na real quando ouço a secretária falando comigo.
- Sinto muito, não consta nenhuma Saphira aqui. – Sua voz soa neutra, sem nenhuma emoção. Ao contrário de mim, que sinto tudo ao mesmo tempo. Meu coração dispara e só consigo pensar em: "O QUE?"
- Ã... – Olho para Jaque, forçando um sorriso. Ela também parece tão confusa quanto eu. – Pode verificar novamente?
Com uma cara de poucos amigos, ela verifica novamente e me responde dessa vez com uma voz parecida com a de um robô programado para responder questões já ensaiadas.
- Desculpe, não consta seu nome aqui. Talvez você tenha confundido com alguma outra coisa ou não validaram sua inscrição. – Ela mal olha para mim enquanto digita. – Não posso te deixar entrar, me desculpe.
Agora, além do coração disparado, sinto desespero. E raiva. Sinto meu peito subir e descer rapidamente, e o nervoso tomando conta de mim.
- Como assim não validaram minha inscrição? Eu fiz a inscrição! E como não vai me deixar entrar? Eu preciso entrar!
- Senhora, como eu disse, não posso te deixar entrar. – Dessa vez, ela parece impaciente. Ótimo, porque também estou.
Quando estou prestes a surtar, Jaqueline toma a frente.
- Senhora, você tem certeza? – Jaque demonstra sua angústia no rosto. – Minha amiga fez a inscrição. Eu vi! Por favor, não tem como você verificar novamente ou deixá-la passar?
A secretária para tudo o que está fazendo e nos olha nos olhos. Seu olhar, por algum motivo, me faz estremecer. Por alguns segundos, me sinto intimidada.
- Meninas, de verdade, eu sinto muito. – Ela olha para mim. – Não posso deixar você passar sem a confirmação da sua inscrição aqui. Realmente, sinto muito. Agora, por favor, saia. Tenho outras garotas para atender.
Sinto meu coração quebrar. Como a sensação de pular de um prédio. Não sei como é, mas deve ser assim. Ter tantas expectativas e nem ao menos poder tentar.
- Mas... Não pode ser... – Só quando falo percebo que minha voz está embargada. Talvez eu comece a chorar.
É nesse momento que Jaque me puxa pelo braço e me faz sentar num pufe perto da porta de entrada. Percebo que estou tremendo e meus olhos marejando.
- Amiga, calma, olha... – Jaque parece tão triste quanto eu, mas mesmo assim tenta me consolar. – Olha, me desculpa, talvez eu tenha feito alguma coisa errada na inscrição... Me lembro de ter feito tudo certo, mas, não sei... Algo pode ter saído errado... – Percebo Jaque forçando a voz para parecer controlada. – Olha, me desculpa, eu... eu não sei o que te dizer.
- Tudo bem, amiga, não é culpa sua. – Digo enquanto uma lágrima corta meu rosto. – Eu só não entendo... Você fez a inscrição, certo?
Jaque afirma com a cabeça.
- Então... Não entendo! – Agora começo a chorar ainda mais. – Droga... – Suspiro, me sentindo desesperada. – Não pode ser, amiga. Não pode ser! – Abaixo a cabeça, sentindo a tristeza invadir meu peito e o choro me consumir. – Esperei tanto por isso, por essa oportunidade... Quero tanto fazer esse teste. Deus, eu juro que faria qualquer coisa par...
Nesse momento, ouço a secretária falando com as meninas que estão no salão. Parece estar dando um recado geral para elas. Fico quieta no mesmo instante, e como um gato, levanto a cabeça e sinto minhas orelhas atentas para ouvir.
- Bom dia, meninas. Nos desculpe pelo atraso. O teste irá começar agora. Antes de mais nada, preciso pedir que desliguem seus celulares e, antes de entrarem no teste, os entreguem para mim. É estritamente proibido qualquer foto, gravação ou algo do tipo. – Todas as meninas prestam total atenção. A secretária continua. – Após saírem da sala, peço que venham direto para minha mesa e logo depois vão embora. Qualquer comentário sobre o teste terá que ser feito depois de todas acabarem, por pedido próprio da banda. Qualquer revelação sobre quem são ou o que acontece lá dentro antes de todas terminarem acarretará uma desclassificação automática. Alguma dúvida? – Algumas meninas respondem não e outras só negam com a cabeça. De qualquer forma, todas parecem um tanto nervosas. – Então tudo bem, vamos começar... – A secretária checa uma lista que está em suas mãos – Brenda Robert?
- Aqui. – Acena uma garota pequena e magra.
- Me entregue seu celular e pode entrar por essa porta. – Ela aponta para a porta que provavelmente separa a sala de espera da sala de testes. – Corredor direito, terceira porta à esquerda. Eles estão te esperando. – A moça obedece e segue em frente.
Cerro os olhos, olhando a porta. Encarando-a. Pensando em mim coisas. Logo depois me assusto com a voz de Jaque.
- Ei, Sa, para de olhar para elas. Vamos embora. Te pago um sorvete, tenho certeza que você vai se sentir melhor. – Ela sorri, obviamente tentando me fazer sentir melhor. – Quando eu ficar sabendo de qualquer outro teste, irei confirmar sua inscrição umas 3 vezes, no mínimo. Darei um jeito de te arrumar outra oportunidade, prometo...
Não presto atenção no que Jaque diz. Ao invés disso, sinto meu cérebro trabalhando como uma máquina. Não consigo aceitar isso. Não consigo aceitar que não terei a oportunidade de mudar minha vida e alcançar o que tanto almejei na vida. Uma carreira digna. Não, não mereço isso. Eu preciso dessa oportunidade, e não de outra. Tem que ser agora.
Talvez seja a mistura do desespero, da ansiedade e da coragem que me fazem, de repente, ter uma ideia. Uma ideia louca e arriscada, mas que sei que preciso tentar. De alguma forma, eu nunca tive tanta certeza de algo na vida.
- Amiga? Saphira? OOOOI! Planeta Terra chamando! – Jaque acena em frente ao meu rosto. Olho para ela, agora sorrindo.
- Amiga, tive uma ideia... Mas vou precisar da sua ajuda.
Jaque me encara, e só o que penso é que torço para que ela aceite me ajudar. Essa é minha única chance. Tenho que fazer dar certo.

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora