Segredos

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- O que você disse? – Minha voz soa como um sussurro falhado enquanto continuo com a mão na maçaneta da porta. Tenho certeza de que não ouvi bem.
- Disse que estou doente. – Ele repete, seu maxilar contraído e o rosto sério e frustrado demais.
- Como assim, doente? – Pergunto, franzindo as sobrancelhas e sentindo o corpo tremer.
Ele não diz nada por alguns segundos, seu rosto parece... intenso e sério demais, de uma forma que nunca o vi antes. Sinto meu corpo todo arrepiar de uma forma muito ruim.
- Bruno, pelo amor de Deus... – Percebo minha voz trêmula, o nervoso tomando conta de mim. – Fala alguma coisa.
- Câncer.
- O quê?! – Dessa vez, minha voz é menos que um sussurro.
Talvez eu nem tenha dito nada, apenas tenha pensado que disse, tamanho é meu choque. Meu corpo fraqueja um pouco, e me seguro na maçaneta para não cair. Meu coração bate tão forte que chega a doer o peito. Sinto fraqueza e uma leve tontura. Bruno respira fundo, fecha os olhos e passa as mãos pelo cabelo, parecendo... irritado. Então faz um sinal para que eu feche a porta. Devagar, giro a maçaneta, volto a olhar para ele e penso que merda está acontecendo.
- Estou com câncer... no pulmão. – Diz ele, agora colocando as mãos nos bolsos e olhando para mim.
Nunca senti algo assim, mas é como se meu cérebro não quisesse processar essa informação. Entendo as palavras ditas, mas não consigo entender o contexto. Sinto como se estivesse... flutuando. Talvez fora da realidade. Talvez num sonho.
- Câncer no pulmão? – Repito, franzindo as sobrancelhas, me perguntando porque ele está dizendo isso. – Não, não está...
Não sei porque digo isso, mas apenas digo. Talvez eu realmente não esteja acreditando. Bruno parece ser muito saudável. Um pouco cansado, mas... saudável. Não, isso não pode ser verdade. Não pode. É claro que não. Mas porque ele continua falando?!
- Descobri há 3 anos. – Diz ele, totalmente sério.
Ao ver sua expressão e toda sua seriedade, meu cérebro raciocina que, talvez, ele esteja dizendo a verdade. Imediatamente, sinto mal estar. Sinto tontura e dor no peito. Engulo em seco, sentindo também ânsia de vômito, e me agarro ainda mais firme à maçaneta para não desfalecer no chão.
- Estava na The Moonshine Jungle Tour quando, depois de um dos shows, tive uma crise de tosse muito intensa, que me fez ir ao hospital. Alguns exames depois, o médico chega com a notícia. – Ele diz isso me fitando nos olhos.
Não sei exatamente qual é a sensação, mas o que sinto agora deve ser parecido a levar um soco no estômago. Ou pular de um prédio. Me sinto zonza, com enjoo e fraqueza, o que me faz esforçar para conseguir manter o foco em Bruno.
- Isso não pode ser verdade. – Minha voz é ainda um sussurro. Percebo que meus lábios tremem um pouco. – Do que você está falando, Bruno?
- Cigarro. – Ele levanta uma sobrancelha, agora não tão sério. – Não sei se sabe, mas fumo desde a adolescência. É um vício terrível que me acompanha, e que, inevitavelmente, desenvolveu um câncer em meu corpo. – Ele dá de ombros. – Segundo os médicos, com os tratamentos e os cuidados certos, eu talvez consiga me curar.
- Mas... mas... – Gaguejo, não conseguindo ordenar meus pensamentos. – Você está falando sério? Não, não pode ser... – Percebo minhas mãos tremendo tanto que não consigo mais segurar a maçaneta.
- Acredite em mim, queria não estar.
- Mas... como... como... – Meus olhos estão arregalados e não consigo formular frases. O mal estar parece me consumir mais a cada segundo, e o desespero e pânico parecem chegar para fazer companhia. Meu corpo todo treme, e de repente sinto muito frio.
- Durante todos esses anos, me esforcei para que ninguém soubesse disso. – Ele me encara, sério. – Acredite, isso que estou te contando é algo que pouquíssimas pessoas sabem. Eu nem me lembro quando foi a última vez que falei sobre isso em voz alta... – Ele comenta como para si mesmo, parecendo viajar um pouco em pensamentos. Continuo o encarando, meu corpo tremendo e lágrimas voltando a cair de meus olhos. Não sei como ainda consigo me manter em pé. Não sei nem que porra está acontecendo! – Acho que o fato de minhas performances não serem afetadas por conta disso foi ainda mais difícil para a mídia perceber ou descobrir. Meu desempenho sempre foi ótimo, mesmo com todos os tratamentos que já fiz. Mas por conta da turnê, eu não tinha muito tempo livre para isso. Acredite, acabar de sair de um show e passar por tratamentos é... horrível, principalmente quando há o esforço para manter tudo isso em segredo e qualquer movimento em sua vida, por mais simples que seja, ser motivo de notícias e tabloides.
Bruno continua a me contar detalhes e me sinto... paralisada, sem condições de mexer sequer um membro de meu corpo. Lágrimas continuam caindo de meus olhos, mesmo que eu ainda não tenha aceitado a ideia. Sinto como se eu estivesse funcionando em câmera lenta. Como se eu estivesse presa num pesadelo.
- Além disso, há outras coisas, e eu te devo explicações. – Ele me olha e estende sua mão. – Vem.
Ainda receosa e tremendo muito, apenas estendo minha mão para ele. Entendendo que talvez eu não consiga andar, ele a segura. Então caminhamos até a frente do sofá e, quando ele se senta, o acompanho. Engulo em seco, sentindo o coração muito apertado. Ele continua a falar e eu... continuo a chorar. Pode parecer loucura, mas uma parte da minha mente torce para que seja uma piada. Uma piada de muito mal gosto. Presto atenção em cada palavra de Bruno, ansiando o momento em que ele irá dizer que nada disso é verdade.
- Ã... na época eu ainda estava namorando Jessica. Já sabe disso, certo?
Ao invés de responder, apenas aceno com a cabeça.
- Pois então... Na época eu contei somente para ela. Já estava destruído psicologicamente pela morte de minha mãe... – A voz dele falha quando menciona a palavra "mãe", e, novamente, sinto meu peito apertar. Tanto que sinto dor. – E, bem, Jessica me ajudou muito. Sempre que precisei ela esteve lá. Então, quando minha turnê acabou, investi totalmente em meu tratamento, principalmente por ela sempre me cobrar e insistir que eu apostasse em algo mais intensivo.
- Por isso você sumiu naquela época... – Acabo pensando e raciocinando alto demais, enquanto Bruno me olha com um sorriso fechado nos lábios.
- Sim, por isso eu sumi. – Agora, ele parece um tanto mais sério. – Mas, por algum motivo, minha relação com Jessica estava ficando... desgastada. Algo não estava mais funcionando, e, bem... – Ele engole seco, parecendo pensar muito antes de falar. – Você deve saber que já a traí algumas vezes.
Engulo em seco também, o observando. Ele olha para o chão, sua cabeça um tanto inclinada. Parece... viajar em pensamentos. Viajar para o passado, talvez.
- Estou sendo muito honesto com você. Não me orgulho pelo que fiz com ela, e também sei que não há justificativa. É... muito difícil pra mim falar sobre isso. Sei que ela sofreu enquanto estava comigo...
Ele contrai o maxilar, e enxergo dor em seus olhos. Decido não dizer nada, afinal, eu não conseguiria nem se quisesse.
- Brigávamos várias vezes e sempre reconciliávamos. Porém, chegou um momento em que não estava mais acontecendo, simplesmente não estava... funcionando. Jessica me traiu também, e não a culpei. Eu sabia que merecia isso. – Ele engole em seco antes de continuar a falar. – Então, no início de 2015 decidimos terminar, mas, duas semanas depois, ela... – Ele engole em seco novamente, parecendo sentir muita dificuldade em falar. – Ela chega com a notícia de que está grávida.
- O QUE? – Dessa vez, acabo gritando. Imediatamente me arrependo de ter praticamente gritado com Bruno enquanto ele está me contando um assunto tão pessoal, mas não tinha como ser diferente. O que ele disse me choca tanto que penso se ouvi corretamente.
- De uma menina. E sim, minha.
Quando ele diz isso, meu chão some. Sei que, se não estivesse sentada, eu teria desfalecido. Não consigo dizer nada, simplesmente o encaro com olhos arregalados e sinto um misto de emoções. É como se meu cérebro não conseguisse as acompanhar, e entra em curto circuito. Eu realmente ouvi o que eu ouvi? Bruno realmente está me contando essas coisas? Isso está realmente acontecendo? Bruno tem uma... filha?! Pisco forte, sentindo a tontura quase me consumir.
- A gravidez, como também minha doença, foi completamente sigilosa, tanto que somente minhas irmãs e meu pai sabiam na época, nem mesmo a banda estava ciente. – Agora, seus olhos parecem brilhar um pouco, e um início de sorriso toma conta do seu rosto. – Quando Kami nasceu, foi... incrível. Nunca senti nada igual. Segura-la em meus braços foi... inigualável. Me lembro de pensar o quanto ela parecia perfeita. – Bruno sorri. Um sorriso terno, enquanto olha para a frente, parecendo... extasiado. É como se um filme passasse à sua frente. – Somente quando ela nasceu apresentei-a à banda. Todos adoraram ela no mesmo instante. Foi, com certeza, um dos melhores momentos da minha vida. E de certa forma, o nascimento dela uniu eu e Jessica novamente, porém... não era igual, não era a mesma coisa. Mesmo assim, eu e ela estávamos dispostos a nos esforçarmos para o relacionamento funcionar e darmos uma vida incrível para Kami, sermos pais... exemplares. Mesmo com todos os meus problemas, Kami era como uma luz, uma renovação, e eu não podia estar mais feliz. – Agora, de repente, seu semblante muda para algo... sombrio. Seus olhos cerram um pouco, e sua cabeça se inclina, parecendo triste. – Infelizmente seu nascimento foi acompanhado por um problema no coração, e, no início de janeiro de 2016, ela... faleceu.
Bruno diz essas palavras e sinto que levo um soco no rosto. Sinto dor, uma dor física no peito, e a boca amarga. O mal estar parece piorar, o enjoo quase me fazendo vomitar. Meu coração dispara e me sinto sem ar. Sinto que irei desmaiar a qualquer momento.
- Bruno... – Sussurro, sentindo as lágrimas voltando com tudo. É como se eu sentisse tudo de uma vez. Chego um pouco mais perto dele, e... não sei o que dizer, muito menos o que pensar. Eu poderia esperar qualquer coisa, menos isso. Minha nossa, por quantas coisas Bruno já passou...
- Foi aí que as coisas... desandaram. – Continua ele, se esforçando para falar. – Kami havia se tornado a razão para eu... continuar, mas, depois que ela se foi, eu... me perdi. Jessica entrou em uma depressão profunda, e eu não sabia o que fazer. Me sentia impotente, completamente desorientado... – Ele respira fundo e abaixa a cabeça. Imediatamente chego mais perto e acaricio suas costas. Mesmo eu me sentindo tão afetada agora, sei que ele precisa de algum apoio. Não que eu seja a melhor opção, levando em conta o quanto estou me sentindo mal. Mas, mesmo assim, tento. – Foi então que eu e Jessica terminamos. Por mais difícil que tenha sido, sei que foi a decisão certa. Não estávamos mais fazendo bem um para o outro.
Colo os lábios, sentindo certa dor na voz de Bruno. Penso em falar algo, mas... não consigo. Simplesmente... não consigo. Bruno, por sua vez, continua a falar.
- Nessa época, contei tudo para Phil, e ele me ajudou em todos os momentos. Como Jessica é muito amiga de Cindia, esposa de Eric, ela também teve muito apoio. Até minhas irmãs que nunca foram próximas dela se sensibilizaram com sua situação, e a ajudavam sempre que podiam. No início de março do ano passado, Jessica teve um ataque de pânico e acabou tomando vários remédios. Sua mãe me ligou desesperada, e, chegando no almoço de recepção de você e Amber, avisei minhas irmãs. Elas me ajudaram e correram até o hospital.
Enquanto Bruno fala, tento raciocinar. Agora entendo porque aquelas mulheres saíram às pressas do almoço... Eram suas irmãs.
- Eu me sinto culpado por não conseguir ajuda-la. – Os olhos de Bruno brilham um pouco, e penso se não estão marejados. – Mas eu não consigo lidar com isso. Eu não consigo estar com Jessica. Eu me lembro de Kami e aí... – Ele suspira, parecendo se acalmar. – Eu não aguento.
- Tá tudo bem. – Consigo dizer, em meio a lágrimas.
Antes de continuar, ele respira fundo, parecendo... desolado.
- Olha, você queria saber porque eu estava estranho e ausente... As crises de tosse que tenho as vezes me impedem de sair. São... intensas. E tenho me sentindo mais cansado ultimamente.
- Você tem feito exames? – Por um milagre, consigo voltar falar, mas a voz ainda baixa.
Bruno não diz nada, apenas nega com a cabeça. Sinto novamente dor no peito.
- Como... Como você conseguiu trabalhar? Quer dizer, fazer um novo álbum e todo o mais, mesmo passando por tudo isso? Você não deveria estar... espairecendo, ou... se cuidando?!
- É exatamente por isso que trabalhei. Se não fizesse, ficaria louco. – Diz ele, me olhando nos olhos. – Música é o que eu sou. Não me vejo fazendo nada além disso. Quando estou mal, faço música. Quando estou bem, faço música. Não importa o que esteja acontecendo, quando subo em um palco ou entro em um estúdio, esqueço tudo a minha volta e me foco somente na música, no que eu sou. Fazendo isso me sinto... realizado.
Bruno me diz essas coisas e concordo mentalmente com ele. Nos palcos ou no estúdio, ele sempre parece saber o que fazer, e, mais importante, amar tudo o que faz. Talvez seja por isso que nunca imaginei que ele estaria passando por tudo isso.
- E, bom, eu simplesmente... cansei. – Continua ele, suspirando. – Quando perdi minha mãe, achei que não iria aguentar. Quando consigo me recuperar, descubro essa maldita doença, e, logo depois, Kami... – Ele engasga dizendo o nome dela, como se estivesse engolindo choro. Meu coração se aperta novamente. – A partir daí, eu decidi... viver, aproveitar. Continuo fumando, bebendo e, como nunca, saindo. Saí com tantas mulheres que perdi a conta.
Nesse momento, olho para ele, surpresa. Estou totalmente sensibilizada por sua situação, mas o que ele acabou de dizer... Eu realmente fui só mais uma?! Meu coração se parte mais uma vez. Ao ver minha expressão, Bruno arregala os olhos e volta a falar.
- Não é o que você está pensando! Olha, deixa eu te dizer uma coisa. – Bruno, de repente, segura em minhas mãos. Me assusto um pouco. – Desde o momento em que te vi, me senti... conectado. Aquela sua atitude de entrar na sala de testes, nos assustar e logo depois nos impressionar com seu talento foi algo inusitado, mas corajoso, único e incrível. Eu soube, naquele momento, que você era perfeita para a vaga. – Ele olha para mim e meu coração parece dançar dentro do peito. Pisco algumas vezes, temendo estar sonhando. – Como eu te disse, depois que Kami se foi, eu e Jessica nos separamos de vez, e, tentando suprir o vazio, saí com várias mulheres, obviamente com a intenção de me divertir. Mas, quando te vi, foi como... não sei, foi algo diferente. Provocante, que me tirou o sono. Não sei explicar... – Seus olhos brilham um pouco, e pela primeira vez desde que entrei aqui, sorrio. – Eu... eu nunca tive a intenção de te magoar, muito menos de te usar. Em seu aniversário eu só quis te dar uma noite perfeita, passar essa data com você, te conhecer melhor, e foi... incrível. Acho que fiquei tão encabulado porque sei que nunca senti isso com ninguém. – Ele passa a mão no cabelo, parecendo... intrigado. – Mas, quando cheguei em casa, eu... queria mais, entende? Queria você aqui comigo, queria... mais. – Ele não olha para mim enquanto fala, e agradeço aos céus por isso, porque com certeza eu me sentiria constrangida se ele me visse vermelha como estou agora depois de ouvir isso. – A noite toda você ficou na minha mente. Eu não conseguia pensar em outra coisa. Foi um refresco para meus olhos te ver ali, pronta para subir ao palco conosco, mas, ao mesmo tempo, senti uma angústia enorme em não poder te contar o que estava acontecendo, como estava me sentindo.
Sinto meu coração acelerar ainda mais. Presto atenção em cada palavra que ele diz. Me sinto perplexa e, ao mesmo tempo, surpresa.
- Quando o show terminou, Vicky foi atrás de mim, naquela sala. No início eu não queria, mas eu não conseguia parar de pensar em você, no quanto eu te queria, e, infelizmente, usei esse desejo com ela... – Ele nega com a cabeça, parecendo falar consigo mesmo. – Foi errado, mas entenda: eu não poderia te seduzir para uma noite comigo. Eu... não queria te enfiar no meio de toda essa bagunça. Eu nunca seria capaz de te tratar dessa forma, e não por que você trabalha comigo, mas por você ser quem você é. Você é... você é especial demais pra mim, eu jamais conseguiria fazer isso.
- O que...? – Acabo sussurrando. Meu fôlego se esvai, e não consigo dizer mais nada. Meu coração dispara, e penso que irei infartar. Ele realmente disse que sou especial para ele?
- Naquela noite eu que dormi com aquela mulher, mas foi... horrível. – Ele faz uma careta. – Em todo momento eu ficava te imaginando, lembrando da nossa noite, e nem sequer dei atenção a ela. – Bruno ri um pouco mas não olha para mim. Eu, por outro lado, olho para ele, estagnada. Perplexa. – Entende agora porque é tão complicado? Envolve muitos detalhes, muitas pessoas, sentimentos, assuntos mal resolvidos, e não queria te envolver nessa bola de neve que está minha vida. Me desculpe se fui um cretino com você. Minhas intenções eram as melhores, mas talvez eu não tenha agido da forma certa. – Ele ri um pouco de novo, de forma amarga. Então, levanta seus olhos para mim. Um olhar tão intenso que perco o fôlego. – Por favor, me desculpe.
Nesse momento, meu coração está no chão. Tento pensar em tudo o que acabou de acontecer, em tudo o que Bruno acabou de me dizer. Ele acabou de dividir segredos tão particulares comigo que simplesmente... não acredito. Então todo esse mistério, todas essas coisas sem explicações, são, na verdade, frutos de puro sofrimento. Deus, me sinto horrível. Me sinto... nem sei dizer. Na verdade, nem sei o que sentir. Sinto como se estivesse anestesiada, impossibilitada de pensar racionalmente.
- Bruno... Eu nem sei... Nem sei o que dizer. – Digo, gaguejando, literalmente sem palavras e sentindo algumas lágrimas ainda cortando meu rosto. – Eu sinto tanto por você...
Nesse momento, Bruno me olha com um olhar tão terno que temo chorar ainda mais. Penso no que ele disse sobre a doença, e surpreendentemente as palavras saem rapidamente da minha boca.
- Olha, não querendo ser intrometida, mas... – Olho ao meu redor, engolindo em seco e me esforçando para falar. – Você tem condições para ser tratado pelos melhores médicos. Por que o tratamento contra o câncer ainda não deu resultados? Eles disseram que daria, certo? Sei que é uma doença complicada, mas isso não é o fim. Há... caminhos que podem levar a cura, certo?
Bruno fica em silêncio, e sinto meu coração acelerar ainda mais. Seu rosto não demonstra nenhuma expressão, parece... intrigado. Por algum motivo, tenho um mau pressentimento. Ao chama-lo, minha voz demonstra meu nervosismo.
- Bruno?
Sem me responder, Bruno me encara com olhos profundos, e ao enxergar a dor e o sofrimento neles, entendo na hora o que eles dizem. Não sei como, mas entendo. Num sobressalto, assustada, me levanto do sofá, mas ele permanece sentado, com a cabeça baixa. Meu coração dói, fisicamente. Perco o fôlego e temo desfalecer.
- Ai, meu Deus... – Coloco as mãos na boca, sentindo-as tremer. – Bruno, você não quer se curar?
- É claro que quero. Se eu pudesse, faria isso agora. – Ele ri de uma forma estranha, que me causa arrepios.
- Mas não está fazendo nada para isso... – Comento, meus lábios tremendo. – Você... desistiu?
Ele levanta os olhos lentamente, e seu silêncio responde minha pergunta. De repente o mal estar me atinge de uma vez, e sinto que irei vomitar a qualquer momento. Tudo gira ao meu redor, e me esforço para continuar em pés. Bruno, então, se levanta.
- Saphira, olha, deixa eu te explicar...
- Bruno, isso é muito egoísmo! Você pode... morrer! – Falo sem pensar, sentindo emoções demais transbordando em mim.
Sinto também meus olhos encherem d'água novamente e lágrimas incontroláveis rolarem por meu rosto. Tapo a boca para não gritar enquanto choro, o pânico e o desespero me tomam por completo.
- Um dia todos nós vamos... – Diz ele, com naturalidade. O encaro com indignação, sentindo meu peito doer.
- Eu simplesmente não acredito... – O olho com desgosto, sentindo o amargor tomar conta de minha boca. – Não acredito nisso...
- Parei com os tratamentos. – Diz ele, me olhando fixamente. – Tomo somente alguns remédios para diminuir e disfarçar a tosse e para continuar com a mesma disposição para performar e trabalhar.
- Bruno... – Sussurro, sentindo os olhos queimando de tanto chorar. Ao falar, sinto como se eu estivesse implorando. – O que... Por que?
- Eu... – Ele passa a mão pelos cabelos, parecendo tentar encontrar as palavras. Ao começar a falar, parece irritado. – Eu não quero ficar numa maca de hospital pra sempre, Saphira. Acredite, os tratamentos ocupavam um caralho do meu tempo, e mesmo que, como você disse, eu consiga bancar os melhores médicos, eu ainda teria que perder muito tempo com isso, além disso, não há garantia de nada! – Enquanto ele fala, parece querer me convencer. – Eu não posso viver assim, na incerteza, perdendo meu tempo. Eu quero viver, cantar, tocar, produzir, e, além disso, sei que se continuar com todo o tratamento, não vai demorar para alguém descobrir e essa informação vazar por todos os cantos desse mundo. Você sabe que o que não falta por aí são fofoqueiros em busca de qualquer coisa sobre famosos, e a última coisa que quero são fotos e notícias sobre mim saindo em sites e revistas de fofocas. Já foi suspeito o bastante eu ter sumido depois da turnê, e, mesmo com todos esses problemas, estou bem agora. Me sinto bem, e o melhor de tudo: realizado. 24k Magic está sendo um sucesso, e não vejo a hora de iniciar a turnê. – Ele respira fundo, e continuo encarando-o, perplexa. – Olha, eu sei que pode ser difícil entender, e mais ainda aceitar, mas esses tratamentos... eles acabavam comigo. Eu só quero continuar vivendo como antes de descobrir esse câncer e antes de acontecerem todas essas... tragédias. Quero viver como antes, e estou bem para isso, acredite. Só um pouco mais cansado, mas me sinto... ótimo. Quero esquecer dessa maldita doença e só voltar a lembrar dela quando... – Bruno perde as palavras, mas sei exatamente o que ele quer dizer.
Ele só quer lembrar do câncer quando não tiver mais jeito.
Quando já estiver morrendo.
Incrédula, olho para ele. Eu simplesmente... não acredito. Novamente, é como se meu cérebro não aceitasse essa informação. É como se ele se recusasse a processá-la. De repente, sinto muita tontura, e não consigo mais me manter em pés. O chão some, e me sinto flutuando. É quando Bruno me segura.
- Saphira, Saphira! Tudo bem?
- Não. – Digo, apoiando a mão na cabeça. Ela está doendo tanto que parece que irá explodir. Sinto, de repente, muita ânsia de vômito. – Eu preciso... preciso... preciso sair daqui.
- Só um minuto.
Bruno me ajuda a me sentar no sofá. Ao sentar, enterro a cabeça no meio das pernas. Me sinto extremamente angustiada. Essa sala parece ficar cada vez menor, e tudo está girando. Eu preciso sair daqui, agora.
- Vem, o carro está aqui na frente. – Diz Bruno enquanto me segura pela mão e me guia até o carro.
Estou tão esgotada que nem percebo quando sento no banco. O caminho inteiro vou com os olhos fechados, abrindo de vez em quando para ver Bruno dirigir. Choro um pouco, então paro de chorar. Fecho os olhos, depois os abro. As vezes penso estar sonhando, ou dentro de uma piada de muito mal gosto. De qualquer forma, não consigo aceitar tudo o que ouvi. Também não sei quanto tempo levou para chegar em casa. Bruno abre a porta do carro pra mim e, sentindo a brisa bater em meu rosto, começo a me sentir ligeiramente melhor.
- Vem, eu te acompanho. – Diz ele, já puxando meu braço para me dar apoio. – Quer ir ao hospital?
- Não, aqui está ótimo. – Mexo na minha bolsa e pego a chave. Depois, sinto novas lágrimas cortando meu rosto. Não consigo conter as emoções, conter a... tristeza. Meus lábios tremem, assim como minhas mãos. – Bruno, eu...
- Já se decidiu? – Ele me interrompe.
- O que? – Faço uma careta, encarando-o. – Decidiu sobre o que?
- Sobre a turnê. Você estará conosco, certo?
Olho para ele incrédula. Faço uma careta de desgosto e penso que ele só pode estar enlouquecendo.
- Como você pode pensar em turnê num momento desses?!
- Faz o seguinte: Iremos assinar o contrato daqui três dias. Se você quiser, apareça na sala de negócios do prédio da Atlantic Records, às 9 horas da manhã. Se você não aparecer, entenderei que não quer, e... bom, aí assino os papéis e cancelo sua contratação. Pode ser?
Apenas olho para Bruno por um instante. Seus olhos estão brilhando, e enxergo certo... alívio. Talvez se abrir e contar tudo isso para outra pessoa tenha sido bom. Mesmo assim, me sinto... desolada. Esfrego minha testa, sentindo dor de cabeça.
- Bruno, você entendeu a gravidade do que me contou? – Olho para ele, e, dessa vez, as lágrimas enchem meus olhos de uma vez. – Você sequer entendeu o que pode acontecer com você?!
Ele apenas me encara, a luz da lua iluminando seu rosto. O observo por um momento, seus traços, e me pego pensando pela primeira vez desde que o conheci como seria perde-lo. Sinto pânico e um arrepio horrível percorrer minha espinha. Imediatamente, me debulho em lágrimas.
- Bruno, não... – Chorando, olho para ele, quase como implorando. – Por favor, não... Não...
Nego com a cabeça, talvez dizendo coisas sem sentido. Ele, então, me puxa para si. Apoio minha cabeça em seu peito e o abraço, forte. É então que choro ainda mais. Sinto como se estivesse chorando minhas emoções, todas de uma vez. Bruno me abraça e acaricia minhas costas de um jeito tão reconfortante que me faz chorar ainda mais. Seu cheiro e o calor do seu corpo parecem me abraçar também, e penso que nunca conheci alguém como ele em toda minha vida. Não só por ele representar tudo o que representa na música, mas por ele ser quem é. Engraçado, divertido, intenso, carinhoso... Ele é único. Não consigo parar de chorar, e percebo só agora que há um novo medo em minha vida: perder Bruno. Talvez seja um dos piores para mim.
Não sei quanto tempo se passa. Quando finalmente consigo afastar meu rosto do seu peito, percebo que molhei toda sua camiseta. Penso em me desculpar, mas antes que eu faça isso, Bruno seca as lágrimas do meu rosto com seus dedos. Ele me observa com um sorriso no rosto, e me sinto... enfeitiçada. De alguma forma, me sinto reconfortada.
- Você precisa entrar. – Ele diz, a voz baixa e carinhosa. – Está frio aqui fora, e você parece estar um pouco rouca... – Ele me observa com uma expressão também carinhosa. – Ficou gripada quando voltou para cá?
Não digo nada, apenas afirmo com a cabeça. Ele sorri, esfregando levemente seu dedão em minha bochecha, ainda me observando.
- Esse é um dos pontos negativos em se viajar tanto, principalmente em turnês. Os climas diferentes acabam com a gente. – Ele ri. – Mas também tem muitas coisas boas, ok? Por favor, não leve ao pé da letra e desista da ideia de aceitar o convite. – Ele ri de novo, e quando olha em meus olhos, sinto meu coração dançar. – A turnê não vai ser a mesma sem você.
Não consigo dizer nada. Apenas o encaro, sentindo muitas coisas ao mesmo tempo. Abaixo a cabeça, sentindo ainda algumas lágrimas rolando pelo meu rosto. Ele acaricia minhas bochechas, uma sensação acalentadora.
- Olha, por favor, não diga nada para ninguém sobre o que eu te contei, tudo bem? – Ele pergunta, suavemente.
- É claro que não. – Respondo, sentindo um nó na garganta.
Ele me encara por mais alguns segundos e, sem saber o que dizer, decido ir para casa.
- Você vai ficar aqui até eu entrar? – Pergunto, percebendo só agora a fumaça de frio que sai da minha boca.
- Vou. – Ele responde, ainda sorrindo. – Espero você entrar.
- Tá bom... – Respondo, sentindo novas lágrimas se formando em meus olhos.
Caminho até a porta de casa e olho para trás. Bruno está encostado no carro, os braços cruzados enquanto me observa com um sorriso no rosto. Noto mais uma vez o frio e decido entrar de uma vez. Consigo acenar um tchau antes de abrir a porta. Ele acena de volta e, assim, entro em casa. Permaneço alguns segundos em pés, ouvindo minha própria respiração.
Fecho a porta e imediatamente meu coração aperta dentro de mim. Tanto que chega a doer.
É quando simplesmente... não aguento. Já chorando novamente, abro a porta e vejo Bruno ainda encostado em seu carro. Ele olha para mim parecendo confuso. Negando com a cabeça, imediatamente corro até ele. Novamente o abraço forte, e o choro se torna intenso.
- Eu sinto muito... sinto muito... – Tento falar, mas as palavras todas enroscam em minha garganta e minha voz está embargada. Sinto tanta angústia no coração, de uma forma que nunca achei que fosse possível. Uma angústia que me faz chorar copiosamente. – Sinto muito por isso. Muito mesmo. Eu... – Gaguejo, soluçando de tanto chorar. – Estou preocupada com você. Muito preocupada. Eu... – Choro novamente, as palavras saindo estranguladas de minha garganta. – Eu não sei... Não sei o que dizer...
Sinto um turbilhão de emoções que não me permitem formular frases com sentido.
- Não precisa dizer nada... – Bruno me abraça também, acariciando minhas costas e beijando o topo da minha cabeça. – Tá tudo bem. Prometo que está.
Levanto meu rosto para ele pronta para dizer que não, não está tudo bem. Porém, Bruno beija de leve meu nariz, depois minha testa e meus olhos. Então ele suavemente levanta meu rosto até o seu. Sorrindo, ele segura meu rosto com suas mãos e... me beija. Um beijo suave, terno... carinhoso. Apenas uma pressão nos lábios que me faz chorar ainda mais. Sinto carinho e... tristeza. Ele roça de leve seu nariz no meu, e penso mais uma vez no medo de perde-lo. Sinto... desespero. Então ele sorri ao olhar para mim, e penso que nunca esquecerei desse olhar.
- Boa noite. – Ele diz, suavemente.
Não digo nada. Apenas afirmo com a cabeça e, de uma vez, corro para dentro. Tranco a porta de casa para ter certeza de que não voltarei até lá. Alguns segundos depois e ouço o carro indo embora. É quando volto a chorar. Escorrego minhas costas pela porta e fico alguns minutos sentada no chão, chorando. Chorando muito. Depois, decido ir até o quarto.
Já deitada na minha cama, penso em tudo o que aconteceu nessa noite. Tudo o que Bruno me contou. Ele já passou por tanto... e ainda passa. Penso no que ele disse sobre o que aconteceu naquela noite depois do show. Realmente, tudo parece fazer sentido agora. Bruno não me queria muito próxima porque sabia que tudo isso iria respingar em mim em algum momento. De uma forma caótica, ele tentou... me proteger. Minha nossa, agora tudo se encaixa! Por isso Bruno chegava atrasado algumas vezes. Estava... mal. Penso sobre sua doença e novamente o desespero toma conta de mim. Talvez o pior seja pensar que Bruno não quer se tratar. Não quer investir em tratamentos, o que quer dizer que, a qualquer momento...
Não. Não pode ser. O mal estar parece voltar e se intensificar quando penso nisso. Penso em me levantar para tomar um remédio quando ouço um carro estacionando e a risada já tão conhecida de minha amiga ecoar. Jaqueline não tem nem ideia de que fui até a casa de Bruno, muito menos sobre o que ele acabou de me contar. Sei que não posso contar sobre isso para ela, afinal, Bruno confidenciou somente a mim. Sempre contei tudo para minha melhor amiga, mas, dessa vez, guardarei somente para mim. Além disso, tenho certeza de que quando ela entrar pela porta, vai imediatamente perceber meu estado, perceber que estou mal, e irá me encher de perguntas. Sei que minha amiga com certeza quer me contar tudo o que aconteceu em seu jantar, mas hoje... não consigo.
Não, não posso conversar com Jaqueline essa noite. Primeiro preciso me recompor.
Me ajeito embaixo das cobertas e finjo que estou dormindo enquanto ouço Jaque se despedindo de Brian. Ela chega já falando algo sobre "melhor noite", mas, quando entra no quarto, para de falar. Sinto ela chegar perto da cama e temo não aguentar sustentar esse fingimento. Gentilmente, Jaque ergue a coberta até meu ombro, e, assim, segue para o banheiro. Aproximadamente 10 minutos depois, ela deita e, rapidamente, dorme. Ao contrário de mim, que passo a noite toda acordada, repassando cada palavra de minha conversa com Bruno e pensando no que talvez estou me envolvendo. Aquele mesmo pressentimento sobre minha vida nunca mais ser a mesma volta a me assombrar, e penso no que virá pela frente.


Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora