Não posso deixá-lo

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Saphira ON

- Hm, hoje acordei inspirada. – Diz Jaque, sorrindo demais.
- Que bom! Pelo menos não aturo mal humor. – Digo, rindo e com a boca cheia de espuma enquanto escovo os dentes.
- Ah tá! Até parece que sou eu que acordo de mal humor! – Diz Jaque, rindo, enquanto se arruma para o trabalho.
Ela e Brian tem saído mais vezes, e, segundo ela mesma, nunca teve uma vida sexual tão incrível. Reviro os olhos quando ela fala, para provocar, mas me sinto feliz pela minha amiga. Pelo menos uma de nós está se dando bem no amor.
De qualquer forma, os três dias passaram rápido, e em nenhum momento eu deixei de pensar em Bruno. Chorei muito, e pior, escondido de Jaque. É muito difícil esconder essas coisas dela, principalmente quando ela me conhece tão bem e sabe quando estou mal. Mas, aparentemente, estou me saindo bem ao fingir que nada está acontecendo.
Eu ainda não decidi sobre o convite para a turnê. Bruno despejou tantas informações que até hoje me sinto um tanto zonza ao pensar em tudo. Quanto a turnê, eu teria que prometer praticamente 1 ano ou mais para a banda, rodando o mundo. Não que eu não gostaria, mas... é uma baita decisão. E levar em conta tudo o que já aconteceu entre mim e Bruno... Realmente não sei qual decisão tomar, o que me deixa ainda mais desesperada, já que hoje é o dia que Bruno combinou comigo, ou melhor, que me disse para estar na Atlantic Records para assinar o contrato. Me sinto enjoada por não saber o que fazer, e pior, ter pouco tempo para decidir. Esses três dias parecem que de nada adiantaram, e eu ainda não cheguei numa conclusão. Eu gostaria de uma segunda opinião, gostaria de ligar para minha mãe e perguntar para ela o que acha, mas como explicar essa situação sem explicar TODA a situação? Não, não posso dividir esse segredo com ninguém, e não farei isso de jeito nenhum. Eu só... não sei o que fazer. É como se eu precisasse de uma luz, de algo me direcionasse, mesmo sem eu pedir e sem contar nada a ninguém.
Então Jaqueline aparece no banheiro, e assim percebo que estou estagnada, com a escova na mão, quase babando.
- Ã... é. – Digo qualquer coisa, sorrindo e disfarçando enquanto termino de escovar os dentes.
- O que tá pegando? – Pergunta Jaque, de repente, recostando na entrada do banheiro.
- Nada. – Digo, levantando a cabeça e sorrindo. – Porque?
- Você está esquisita.
Quase engasgo ao ouvir isso. Sabia que ela perceberia em algum momento.
- Estranha como? – Pergunto, me fazendo de desentendida.
- Você não tem comido direito...
- Quem disse isso?! – Faço uma expressão surpresa. Jaqueline revira os olhos.
- Seu prato me disse. Dificilmente você deixa restos no prato, mas nos últimos dias você não tem comido nem metade.
- Bobagem. – Digo, saindo do banheiro e evitando contato visual. Sento na cama e calço os sapatos. – Estou entrando numa dieta. Segundo um site, estarei fitness em uma semana.
- Hm, sei. – Diz Jaque, ainda me encarando.
- Se a internet diz, é verdade, não é? – Digo com uma expressão irônica. Jaque ri.
- Claro, claro. Só não faz loucura, não quero te enterrar tão cedo.
- Tão cedo?! Então pretende me enterrar?! – Faço uma exagerada expressão de surpresa, e Jaque ri.
Porém, quando entramos nesse assunto, meu coração se aperta. Droga, não quero pensar nisso. Parece que tudo me leva a Bruno...
- É, pode ser... – Diz Jaque, rindo enquanto se aproxima de mim. – Brincadeira, amiga. Jamais iria querer isso, te amo demais para te deixar ir. Nunca te deixaria ir antes de mim. Vai ter que me aturar por muito tempo ainda, querendo ou não! – Jaqueline ri enquanto me abraça e, como nunca, sinto meu coração ainda mais apertado.
De repente, as palavras de minha amiga ecoam em minha cabeça, e sinto como se uma lâmpada se acendesse em meu cérebro.
É isso.
Não posso deixar Bruno ir. Simplesmente... não posso deixar isso acontecer!
Eu preciso passar o máximo de tempo com ele para convence-lo a mudar de ideia, a recomeçar o tratamento. Ele precisa de minha ajuda, e eu não posso deixa-lo na mão, não depois de tudo que fez por mim, mesmo sem eu saber. E, além disso, meu coração nunca me perdoaria por deixar Bruno sem ao menos tentar ajuda-lo. Se isso acontecer, nunca irei me perdoar. Mais que isso, sinto que o estimo demais para deixa-lo. Preciso fazê-lo mudar de ideia. Preciso ajuda-lo.
- Estou indo. – Diz Jaque, interrompendo meus pensamentos. – Se eu atrasar hoje, Georgie me mata. Aliás, já estou 10 minutos atrasada.
O QUÊ?
Faço uma conta rápida na cabeça. Jaque entra às 9 hoje, e Bruno pediu para eu estar às 9 se aceitasse a proposta.
Droga, estou atrasada!
- Tchau, amiga, tenha um bom dia. – Diz Jaque, já fechando a porta da frente.
Corro para a sala e olho pela janela, até ver o carro de minha amiga sumir de vista. Mais que rápido, troco de roupa, vestindo qualquer coisa do guarda-roupa. Pego minha bolsa, uma jaqueta e, correndo para a porta da frente, grito um táxi enquanto fecho a porta. Entro tão rápido no carro que penso que irei quebrar uma perna, mas, nesse momento, não consigo me importar com mais nada. O carro dá a partida e sinto o coração batendo forte dentro de mim.
Espera, burra! Se eu ligar para a Liza, ou até mesmo para Bruno, eu talvez consiga adiar a contratação! Pego meu celular em minha bolsa e sinto a raiva crescer em mim ao perceber que está travado. DROGA! Quando mais preciso dele, ele não funciona. MAS QUE MERDA!
Como se mais nada pudesse piorar, o táxi para depois de alguns minutos.
- Moço, o que aconteceu?! – Pergunto.
- Trânsito. O congestionamento hoje está terrível por causa da chuva. – Ele me diz essas palavras como um robô, lento demais. Olho para trás e vejo vários carros parados, em fila, e olhando para a frente, não vejo nada diferente.
- Só pode ser brincadeira... – Resmungo, me sentindo impaciente. – Que horas são?
- Hm... – O motorista procura lentamente provavelmente qualquer coisa que mostre as horas em seu táxi.
Me sinto ainda mais estressada. Quando mais preciso de agilidade, esse cara parece estar em câmera lenta! Finalmente ele encontra um relógio embaixo do banco do passageiro e me pergunto por que essa porcaria de relógio não está em seu pulso. Acho que não pode piorar, mas ele, antes de me dizer as horas, primeiro decide ajustar o relógio em seu pulso. Ah, não, só pode ser brincadeira.
- Me dá logo isso! – Pego abruptamente o relógio de seu pulso e ele se assusta.
Olho rapidamente. 9:20. Olho para fora da janela, ao meu redor, e, mesmo chovendo, me localizo. Não estou tão longe do destino. Se eu correr, talvez consiga chegar em uns 15, 20 minutos.
Rapidamente jogo o relógio e uns trocados no banco da frente e saio pela porta. Sem pensar em mais nada, corro diretamente para a calçada e continuo a correr o mais rápido que consigo, atropelando meia dúzia, recebendo alguns xingamentos e ficando toda ensopada, mas com o pensamento focado no contrato. Eu preciso assinar isso, preciso!
Então, como vindo dos céus, ouço o celular tocar com sons de notificação. Significa que destravou. O pego da bolsa enquanto continuo correndo e procuro Liza nos contatos. Incrivelmente não bato em nenhum poste e em nenhum hidrante, mas tenho certeza que foi por pouco. Paro um pouco para respirar, sentindo meus pulmões em chamas. Já são 9:29 e ainda estou algumas quadras de distância. Merda, talvez meu físico não esteja tão bom assim. Depois de apenas 1 toque, Liza atende.
- Merda, Liza, graças a Deus! – Digo, totalmente esbaforida.
- Mas o que?! – Diz Liza, obviamente sem entender nada.
- Atrase essa contratação, agora!
- Está correndo ou fugindo? Quer que eu chame a polícia?! – Diz ela, parecendo realmente preocupada.
- Liza, só faz o que eu falei, por favor. – Digo, bufando e sentindo meu corpo todo molhado pela chuva. Bom, se eu soubesse que iria correr uma maratona, teria me preparado melhor. Correr de jeans e sapatilha é realmente terrível. – Por favor, não me diga que já assinaram!
- Não se preocupe, seu amiguinho já atrasou a contratação por você.
- Bruno?! – Digo, me sentindo surpresa.
- O próprio. Mas acabei de ter uma conversinha com ele e disse que você não viria, e que é necessário agilizarmos isso...
- O QUE?!
- Pois é. Não me julgue, você não disse que viria! Ele acabou de entrar na sala para assinar os papéis. Contra sua vontade, mas foi.
- Droga, Liza, já estou chegando! – Volto a correr e estico o pescoço, tentando observar quanto mais ou menos falta para eu chegar. – Atrasa isso mais um pouco, por favor! Mais alguns minutos e entro pela porta.
- Para agilizar, você trouxe seu cartão?
- Droga! Esqueci! – Digo, arfando enquanto passo por várias pessoas. Não reparo reações de ninguém, mas tenho certeza de que me encaram com uma careta. Por conta da chuva, não consigo enxergar direito, então quase esbarro numa mulher, que me xinga. A ignoro e continuo correndo.
Felizmente já consigo avistar o prédio da Atlantic Records, porém ainda um tanto longe. Se eu continuar correndo, mais alguns passos e estou lá.
- Liza, me ajuda, pelo amor de Deus... – Digo, sem fôlego, sentindo o coração sair pela boca e minhas pernas doerem demais. – Preciso assinar esses papéis. Me ajuda!
- Te encontro na entrada. RÁPIDO! – Assim, Liza desliga o celular.
Corro ainda mais rápido, e, mesmo sentindo as pernas e os pés doendo e os pulmões queimando, não recuo. Ao finalmente chegar, quase choro de alívio. Abruptamente abro a porta do prédio, quase caindo no chão ao faze-lo, e a secretária imediatamente se levanta, assustada. Ela provavelmente iria barrar minha entrada se Liza não aparecesse imediatamente e pegasse em meu braço.
- Minha nossa, você está horrível! E ensopada! – Diz ela, me guiando.
- Experimenta correr por quase meia hora de jeans e sapatilha debaixo da chuva! Com certeza não estaria digna de tapete vermelho...
Liza olha em seu relógio, ignorando meu sarcasmo. Ao chegarmos no elevador, percebo que ele está no último andar, o que significa que irá demorar para chegar. Imediatamente Liza me puxa pelo braço de novo.
- Merda! Vem, corre, não temos tempo!
Vejo as escadas e quase choro por saber que terei que subi-las. Mas, sem pensar, corro até elas. Subindo as escadas, eu e Liza corremos feito doidas, e vejo seu coque tão delicado e bem arrumado se desmanchar em fios e mechas bagunçadas. Tudo bem, tenho certeza de que não está pior que eu. Chegando no corredor, penso que não irei aguentar dar nem mais um passo. Estou esbaforida e meu corpo todo dói. Então, é aí que avisto a porta no fim. Não sei qual é a motivação que meu cérebro envia para meu corpo, mas eu corro ainda mais rápido. Liza, de repente, me segura pelo braço.
- ESPERA! – Diz ela, arfando.
- O que foi?! – Digo, também sem fôlego.
- Pelo menos prenda esse cabelo. Você vai me agradecer depois!
E, assim, ela corre na minha frente e abre a porta da sala, falando alguma coisa com o pessoal de dentro. Pegando um lacinho em minha bolsa, vou andando enquanto prendo meu cabelo. Com certeza deve estar caótico. Sinto várias gotas escorrerem dos fios enquanto prendo, e tento imaginar o quanto estou molhada. Na verdade, no momento, eu não me importo nem um pouco. Só preciso assinar essa droga de contrato.
Quando chego na porta, Liza olha para mim de soslaio e, assim, a abre completamente. Meu coração já está disparado, mas sinto que terei que pegá-lo do chão ao ver Bruno em pé, com uma caneta na mão e uma folha apoiada na mesa. Todos me encaram, assustados e incrédulos, provavelmente por causa do meu estado e minha aparência, mas, quando Bruno sorri para mim, nem me importo. Sinto imediatamente que fiz a escolha certa. Eu só... sinto que estou no lugar certo, e que esse sorriso foi a resposta que eu precisava. Sim, ele ainda não assinou. Graças a Deus, cheguei a tempo!
- Ã... pessoal. – Diz Liza, sorrindo e se recuperando. – Perdoe o "movimento", mas Saphira está aqui. Ela acabou passando por um congestionamento, por isso o atraso...
- E o que aconteceu pelo caminho?! – Diz um homem, provavelmente o advogado.
- Tive que vir correndo. – Sorrio, tentando ainda regular minha respiração. – Na chuva.
Todos me encaram incrédulos. É quando Craig quebra o silêncio.
- Tudo bem. – Diz ele, olhando para seu relógio de pulso e parecendo totalmente impaciente. – Só podemos... assinar logo? Tenho outros compromissos.
- Claro. – Diz Liza, sorrindo profissionalmente. – Saphira, entre e sente-se.
Obedecendo às suas ordens, me sento em uma cadeira ao lado de uma mulher. Percebo agora que não estou vendo Amber por aqui...
- AH! – Grito ao olhar para o lado e dar de cara com Trisha, em carne e osso.
Ah não, não pode ser.
O que a mulher que me dedurou para o Georgie está fazendo aqui?! Onde está Amber?! Trisha me encara com um rosto provocativo enquanto a observo.
- Assustada? – Pergunta ela, sorrindo ironicamente.
- Ã... desculpe a pergunta, mas... – Digo sem graça enquanto olho para Liza. Bruno ainda está em pé. – Onde está Amber?
- Infelizmente ela não poderá nos acompanhar na turnê. – Diz Liza. – Seus filhos precisam dela. Mas não se preocupe, Trisha irá ocupar seu lugar.
Olho para Trisha de novo e, quando ela sorri ironicamente, não consigo acreditar. Não é possível! Como Liza deixou essa mulher participar do contrato?! Olho para Liza com um olhar fulminante, enquanto ela me devolve um de "não é minha culpa".
- Podemos? – Diz Craig, ainda mais impaciente.
- Claro. Saphira, você já conhece as regras... – Diz Liza, pegando um papel. – Se quiser ler...
- Não, tudo bem. – Digo, com um sorriso um tanto forçado. Bruno me encara, agora também sorrindo. – Onde assino?
- Aqui. – Diz Lane, um dos advogados. – E aqui.
Depois de assinar, Craig, Liza e os advogados também assinam, e, assim, os homens se despedem, e, com um sorriso tímido, Liza dá um "tchau" para Craig. Ele não retribui.
- Bom, meninas... – Diz Bruno, olhando especificamente para mim, com um sorriso no rosto. – Sejam bem-vindas! E, Saphira... – Ele olha em meus olhos. – Bem-vinda de volta.
- Obrigada. – Respondo, sorrindo, me sentindo... extasiada. Bruno continua sorrindo para mim, e parece que nesse momento o mundo para. O encaro por alguns segundos, me sentindo enfeitiçada outra vez. É quando Liza nos interrompe.
- Se não se importam... – Diz ela, pigarreando. – Temos uma recepção para vocês agora. Vamos?
- Claro. – Digo, sorrindo, mas ainda olhando para Bruno.
Ouço Trisha sair da sala e, logo depois, Bruno também. Quando sobra na sala somente eu e Liza, a encaro com uma expressão raivosa.
- Mas que merda, Liza! Trisha?!
- Acredite, eu também não estou feliz com isso. – Diz ela, mexendo em alguns papéis na prancheta que está em suas mãos.
- Porque você não me avisou?!
- Por que até uma hora atrás você não iria aceitar a proposta, muito menos iria assinar esse contrato! – Ela diz. Olho para ela e fico sem palavras. Liza tem razão, como sempre. Ela para de mexer na prancheta e ergue a cabeça para me olhar. – Agora, me diga: o que te fez mudar de ideia?
De repente, me sinto encurralada. Merda, será que Liza sabe de alguma coisa? Será que Bruno já deixou escapar algum detalhe, ou Liza, por sua própria inteligência e sagacidade, já sacou tudo? Enquanto a olho estagnada, Liza volta a mexer nos papéis, como se estivesse fazendo a gentileza de me livrar do constrangimento. Pigarreando, volto à minha pose durona.
- Mas por que Trisha?! Poderia colocar qualquer outra...
- Foi decisão da banda, não minha. – Diz Liza, voltando o olhar para mim. – Se fosse minha, essa não seria a escolha, pode ter certeza.
- Mas qual é! Você é a Liza! Você consegue... tudo! – Digo, arregalando os olhos de uma forma exagerada. Liza me dá um sorrisinho.
- É, eu consigo mesmo...
- Meninas! – Diz Bruno, batendo na porta e nos interrompendo. – Vamos?
E assim, ainda sorrindo, Liza sai da sala. Respiro fundo, pisco fortemente, e vendo Bruno sorrir, o sigo para fora.
- Correr na chuva? Sério? – Sussurra Bruno para mim, caminhando ao meu lado. – Acho que te devo um aumento de salário depois dessa.
- No mínimo... – Digo, rindo um pouco. – Valorize sua backing vocal, ok?
- Eu juro que vou tentar... – Ele diz, apoiando a mão no peito de forma dramática. Rimos juntos.
Então, caminhando pelo corredor, Bruno não diz mais nada. Ele só me olha enquanto estamos num completo silêncio, e esse momento não é nada ruim, nem um pouco constrangedor... pelo contrário: nesse momento, mesmo com o silêncio, é como se nossos corações falassem por si mesmos, como se eles se comunicassem, conversassem, e, ao perceber o olhar profundo e intenso de Bruno, tenho certeza de que é uma conversa boa. Uma conversa silenciosa, mas muito boa. Uma conversa que me faz ter certeza de que tomei a decisão certa.

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