Surpreendidos

193 9 5
                                    

Saphira ON

Não sei quanto tempo se passou.
Trisha entrou em meu quarto e disse alguma coisa, mas depois de me ver, deu meia volta e saiu, fechando a porta e não dizendo mais nada.
Não sei que horas são.
A luz do dia já se foi, mas a cortina está fechada, então não sei dizer ao certo.
Meu celular apitou diversas vezes, e tenho certeza de que a ligação que não atendi foi de Jaque.
Não consegui dormir até agora, e meus olhos ardem.
Lentamente estico minha mão até a mesa de cabeceira e olho as horas no celular.
18:37.
Não durmo desde ontem, depois que saí do quarto de Bruno, e obviamente a preparação para o show deve estar acontecendo.
Mas agora não consigo pensar em nada.
Só o que consigo sentir é... dor.
Tento fechar os olhos e, depois do que se parecem horas, finalmente consigo dormir.

- Saphira... Saphira!
Abro os olhos lentamente e enxergo Trisha ao meu lado, me chacoalhando. O quarto está iluminado pela lâmpada, e tenho a sensação de ser madrugada. Quando Trisha olha para mim, faz uma careta.
- Meu Deus, o que você tem?! Um zumbi te mordeu?! Está horrorosa!
- O que você quer, Trisha? – Digo com uma voz nada agradável.
- Te levantar daí pra partirmos! Na verdade, não sou eu quem quero, mas você tem um contrato e eu uma ordem para te acordar, então, vamos!
Solto um gemido abafado, bufando.
- Aliás, o show de hoje foi incrível, obrigada por avisar que estava mal e, tipo, não poderia participar. – Ela faz outra careta. – Acho que isso vai ser descontado do seu salário, o que seria o justo.
- Caralho, para de me encher a porra do saco! – Digo, apoiando o braço em cima dos olhos que ainda não acostumaram com a iluminação.
- Ingrata. Por sorte sua, você tem um tempinho para tomar um banho antes de voarmos, o que, convenhamos, no seu caso é mais que necessário.
- Vai se foder. – Minha voz está rouca e demonstra minha impaciência.
Depois de um risinho, Trisha finalmente sai, batendo a porta. Com muita força de vontade, consigo me sentar na cama. Minha cabeça, na hora, gira e dói como nunca.
- Caralho! – Apoio a mão em minha cabeça e fecho os olhos, tentando amenizar a tontura.
Depois de alguns minutos, os abro novamente, e, lentamente, me levanto da cama. Sinto como se eu fosse cair a qualquer momento, porque, por algum motivo, sinto o corpo fraco. Pensando bem, estou sem comer, o que justifica essa sensação. Vou até a suíte, arranco as roupas e solto meu cabelo. Quando entro debaixo da água quente, sinto como se meu corpo agradecesse, relaxando totalmente e sentindo a água escorrer. Lavo o cabelo, esfrego meu corpo e saio do banheiro, vestindo qualquer roupa pela frente. Estou penteando meu cabelo quando Trisha aparece, novamente.
- Nossa, acredite, bem melhor. Obviamente um banho não faz milagre, mas sua cara tá pelo menos apresentável. – Ela ri novamente, e a olho como se pudesse fuzilá-la com os olhos.
Na próxima hora, termino de pentear meu cabelo, arrumo minha mala e sinto a fome me consumir de uma forma inacreditável. Vou até a cozinha e preparo um sanduíche, porém, quando cai em meu estômago, ao mesmo tempo mata a minha fome e causa um transtorno. Mais que rápido vou ao banheiro e vomito tudo, sentindo o enjoo por todo meu corpo. Depois de conseguir me recompor, levanto cuidadosamente do chão do banheiro. Sentindo uma sede incontrolável, pego uma garrafinha de água e bebo aos poucos, já que, obviamente, o estômago está sensível. Percebo minhas mãos tremendo, provavelmente de fome e sede, mas, depois do que acabou de acontecer, sei que preciso ingerir alimento aos poucos, se não boto tudo pra fora. Aproveito e coloco óculos escuros para esconder as olheiras horríveis que formaram em meus olhos.
- Ok, garotas, vamos? – Dwayne aparece na porta depois de dar três batidas enquanto estou deitada no sofá, de forma nada cordial, bebericando a água. Ele arregala os olhos e depois tenta disfarçar. – Saphira, está tudo bem com você? Quer dizer, óbvio que não, afinal, nem no show você conseguiu ir... Trisha disse que você aparentava estar mal.
- Estou melhor. – Digo, sentindo mau humor. – Vamos.
- Ã... Claro. – Dwayne parece confuso, mas não diz mais nada. – Prontas?
- Com certeza. – Trisha sai do quarto levando sua mala de rodinhas, e, ao vê-la rebolando tanto assim, reviro os olhos.
Ao sentir dificuldade em pegar as malas, justamente por serem três e meu corpo estar fraco, Dwayne prontamente me ajuda. Penso em recusar, mas é inviável. Se eu tentasse levar tudo sozinha, provavelmente cairia de cara no chão. Então, finalmente, chegamos ao aeroporto. Não consegui observar a cidade pela última vez, já que a escuridão está por toda parte, e somente as lâmpadas das ruas não conseguem iluminar de forma justa a beleza que há. Saímos do carro e entramos no avião, e, só quando vejo Bruno novamente pegando uma bebida é que me lembro daquela dor, na qual volta com tudo, e instantaneamente minha mente se inunda com pensamentos da noite passada, me fazendo relembrar o que me fez ficar sem dormir. É como se minha mente estivesse esquecido, ou talvez fingido que isso não aconteceu, como se eu estivesse ligada no automático, e, ao ver Bruno, tudo em mim desperta novamente. Ele também me percebe, e parece arregalar os olhos, mas rapidamente viro a cabeça e sigo para a frente, buscando qualquer assento vago, me sentindo muito mal humorada e... triste. Encontro uma poltrona e simplesmente jogo as malas para cima no compartimento com certa brutalidade, demonstrando toda minha raiva, enquanto todos parecem me observar, um tanto confusos. Tiro os sapatos e sento na poltrona ao lado da janela, evitando contato visual com todos. Bruno passa por mim para ir até seu pequeno cômodo, aquele que estive com ele, e, ao sentir seu perfume, instantaneamente memórias daquela noite me vem à mente: eu e Bruno no sofá, abraçados, totalmente extasiados pela presença um do outro. Não consigo conter as lágrimas de caírem ao pensar que fui uma idiota, outra uma vez. Simplesmente não consigo acreditar. Como é possível ele ter feito uma coisa dessas comigo?!
Choro silenciosamente, totalmente envergonhada por parecer tão frágil na frente de todos.


- Saphira? Eiii.
Abro os olhos lentamente e vejo Dwayne em minha frente, tentando me chacoalhar com delicadeza, o que é quase impossível, dado seu tamanho e sua força.
- Oi, Duggy. – Tento ser simpática enquanto meus olhos estão acostumando com a luz entrando pela janela. Já prevejo uma dor imensurável no corpo por ter dormindo de mal jeito, de novo.
- Chegamos. Vamos?
Olho para ele através dos óculos escuros, tento sorrir e dou a mão para que ele me ajude a levantar. Dwayne me puxa com certa força, e, quando estou em pé, sinto a dor pulsar em minhas costas.
- Droga. – Digo, colocando a mão para trás. Dwayne rapidamente me segura.
- O que foi? – Ele parece estar um pouco preocupado, enquanto meu estômago ronca e sinto mal estar.
- Nada, só mal jeito. – Digo, me ajeitando e já seguindo andando. – Pode pegar minhas malas, por favor?
Em minutos, estamos no carro, em direção ao hotel. Estamos em Lille, França, e como já estive no país, não é tão diferente para mim, mas, mesmo assim, sinto um pingo de empolgação ao ver essas ruas tão bonitas. Essa empolgação logo some ao ver Bruno saindo do carro e entrando no hotel com flashes por todo lado. Ele também está de óculos escuros, mas, vindo dele, é totalmente normal, como um acessório casual. Ao sair do carro, cerro os olhos perante tantos flashes, e, mesmo com óculos escuros, minha cabeça dói. Enterro a cabeça no peito de Dwayne na intenção de fugir disso tudo. Ele me diz logo depois que a informação dos hotéis em que ficaremos será muito mais sigilosa nas próximas viagens, o que agradeço mentalmente. Chegar em algum lugar com tantos paparazzi é um inferno.
Como o outro, na Bélgica, esse hotel na França é totalmente luxuoso, com toques clássicos e vitorianos, além de lustres embelezarem ainda mais o local. Depois de sermos paparicados por todos daqui, finalmente nos mostram nosso quarto de hotel, e é o mesmo nível de luxo que o anterior. Como da outra vez, eu e Trisha escolhemos nossos quartos, até porque esse tem mais um, além de uma cozinha maior. Quando finalmente deito na cama, sinto um certo cansaço tomar conta de mim, além da minha barriga roncar demais. O fuso horário da Bélgica é o mesmo da França, então não sinto tantas mudanças. Aproveito para checar o celular. Infinitas mensagens, notificações e 6 ligações perdidas de Jaque, mais 3 da minha mãe. Respiro fundo e ligo para minha amiga.
- Oi, Jaq...
- VOCÊ QUER ME MATAR?! – Jaque grita, mas só ao ouvir o som de sua voz, quase começo a chorar. Me seguro.
- Desculpa por não ligar... – Respiro fundo. – Foi tudo muito corrido ontem e...
- Vi que você não esteve no último show. – Consigo sentir a preocupação pelo telefone. – O que aconteceu?!
- Eu... – Engulo em seco, pronta para inventar qualquer coisa. – Como imaginei, o fuso horário e o clima acabaram comigo. Fiquei mal e não consegui trabalhar.
- Ai, meu Deus... Você está bem?! – A voz de Jaque sobe uns dois tons. Novamente, me seguro para não chorar.
- Sim, amiga, estou. Agora está tudo bem.
Engulo o choro, pensando no quanto odeio mentir pra Jaque.
- Já estou vendo o quanto vou ficar preocupada durante essa turnê... – Jaque suspira talvez como uma mãe cansada. Consigo soltar um riso frouxo, e, obviamente, minha amiga percebe. – Aconteceu mais alguma coisa? Está esquisita...
Óbvio que não irei contar pra ela, afinal, como iria explicar?! Ainda mais por telefone...
- Nada, amiga, só cansaço mesmo. Essas mudanças de horário acabam comigo.
- Entendo, amiga. Agora... ME CONTAAAA! – Jaque grita de repente, e levo um susto, apoiando a mão no peito.
- Quer me matar, Jaqueline?!
- Me conta como foi! O show, o país... os países, né? Porque, se não me engano, está na França agora.
- Sim, estou na França. – Digo, rindo, mas um tanto desanimada.
- Então vai, me conta!
Perante a empolgação de Jaque, não poderia deixar de contar os detalhes. E, durante isso, sinto... alegria ao relembrar os momentos do show. Contei tudo o que vi até agora e tudo o que aconteceu, exceto a situação entre mim e Bruno. Como já disse, odeio mentir para minha amiga, mas esse assunto eu não posso dizer, mesmo que tenha custado uma interpretação horrível e o choro sempre querendo me vencer. Depois de quase 1 hora, desligamos o celular, e logo em seguida ligo para meus pais. Com eles são a mesma coisa, só que há choro e dizeres de saudade, que me cortam o coração. Preciso visita-los, logo.
Depois de desligar o celular e tentar fechar os olhos para sentir melhor a cama e relaxar, o telefone toca novamente. Praguejo e, depois de ver no visor o nome, respiro fundo e tento fingir que tudo está bem.
- Oi, Liza.
- Ei! Como está?! – Sua voz parece mais animada que o normal.
- Hmmm, bem e você? – Franzo as sobrancelhas, estranhando a pergunta. Não que seja algo estranho, mas vindo de Liza é, no mínimo, intrigante.
- Ótima. Está na França agora, certo? Tudo bem por aí?
- Sim! – Sorrio um pouco. – Lembrei de você ao percorrer as ruas da cidade.
- E foi tudo bem durante os shows? – Liza parece estar insistindo na pergunta sobre como estou. Franzo as sobrancelhas, estranhando ainda mais.
- Foi, sim. Tudo ótimo. – Faço a voz mais animada que posso, mas sei que não consigo esconder de Liza o que está acontecendo. Ninguém consegue esconder nada dela.
- Ah, sim, eu acredito.
De repente a porta de meu quarto se abre e Liza está lá, em pés, apoiada no batente da porta. Sufoco um grito de susto. Ela ainda está com o celular na mão, continuando a falar como se estivéssemos a quilômetros de distância.
- Você faltar ao segundo show da turnê, passar mal e falar com voz de morta enterrada há 3 dias é estar bem? – Liza levanta uma sobrancelha para mim, sua expressão séria, e desliga a ligação. – Você sabe que não me engana. O que aconteceu?
Ao ver alguém que conheço na minha frente, especialmente Liza, alguém em quem posso confiar, não aguento e... começo a chorar, sem ao menos perguntar por que ela está aqui. Choro amargamente, já sentindo o rosto ficar vermelho, enquanto junto minhas pernas e as dobro, agarrando-as, tentando sentir menos dor. Liza larga sua bolsa em qualquer lugar e caminha até mim, com seus saltos tilintando no chão de madeira. Ela não diz nada, simplesmente se senta ao meu lado e, timidamente, me abraça, cada vez mais forte. A abraço e choro ainda mais, sentindo aquela recente dor me alcançar bravamente, enquanto as lágrimas descem queimando em meu rosto.
- Desculpa, eu... – Tento falar, mas não consigo. Apenas soluço de tanto chorar.
Liza também não diz nada. Ela apenas continua aqui, ao meu lado. Então, quando finalmente consigo respirar fundo, tento falar.
- Bruno... – Seco as lágrimas dos olhos. – Bruno foi... minha nossa, eu nem sei como dizer. Ele foi horrível comigo.
Liza está com uma expressão indecifrável, como compaixão e... dor.
- Quando? – Ela pergunta, sua voz suave.
- No primeiro dia depois do show, quando estávamos no hotel. Fui ao quarto dele, e ele simplesmente cuspiu palavras em minha cara, dizendo que não estava mais interessado e outras coisas horríveis.
Sinto dor ao lembrar e falar em voz alta. Uma dor física que parece atingir meu peito. Me faz sentir usada por ele, uma sensação horrível. Respiro fundo e apoio a mão no peito, tentando me concentrar. Liza não diz nada, apenas encara o chão, como... pensando.
- Acho que aconteceu alguma coisa. – Ela diz, por fim.
- Ã? – Faço uma careta, demonstrando minha confusão.
- Deve ter algum motivo para isso... – Ela apoia a mão no queixo, como pensando demais. Talvez tentando encaixar peças de quebra cabeça em sua mente. É aí que sinto... raiva.
- Um motivo?! – Faço uma careta, sentindo meu coração acelerar. – Motivo?! Não há motivo nenhum além dele ser um babaca! – De repente, me sinto muito irritada. – Bruno sempre faz isso, Liza! Ele me quer, e depois não quer mais, e eu sempre caio! Droga, eu sempre caio! – Volto a chorar novamente, e Liza volta a me abraçar.
Durante esse momento, achei que Liza iria dizer um "eu te avisei", ou "ele é um idiota", mas nada disso sai de sua boca, pelo contrário, ela fica um bom tempo em silêncio, me ouvindo chorar. Ao perceber minha própria situação, novamente a raiva cresce dentro de mim. Penso em meu estado, em como estou mal, e o ódio por Bruno começa a... aflorar. Paro de chorar e começo a refletir sobre tudo o que Bruno já me fez. Me levou para jantar, com direito a uma experiência inesquecível e uma maldita pulseira de safiras, e, um dia depois, se agarrou com outra mulher. Foi em casa, no dia de Natal, me convidando para uma conversa, e, depois, de repente, nada mais pode acontecer entre a gente. Me deixa deitar ao seu lado, correspondendo ao meu afeto, e depois, me chuta, como se eu não fosse nada.
Minha respiração ainda está pesada, mas o choro não está mais presente. Olho para Liza, com os olhos ainda marejados, mas, dessa vez, cheios de ódio.
- Não sei qual foi a merda de motivo que ele achou, Liza. – Digo, sentindo a raiva emanar por minha voz. – Mas eu juro, juro que ele nunca mais vai fazer isso comigo. Nunca mais.
Liza me observa, seu olhar clínico dando as caras. Ela segura em minha mão e sorri um pouco.
- Sabe que sempre irei te ajudar, não é? Estou aqui para o que precisar. Pode contar comigo.
Olho para Liza e, pela milésima vez desde que a conheci, penso na sorte que tive.
- Você é uma das minhas pessoas preferidas no mundo, sabia? – Digo, sentindo meus olhos marejarem de novo. – Obrigada por tudo. Obrigada mesmo.
- Para com essa melação, por favor. – Liza tenta disfarçar, mas seus olhos estão marejados enquanto me abraça.
Então passamos certo tempo assim, Liza conversando comigo, me fazendo, de certa forma, me sentir mais tranquila. Decidi não contar sobre a doença de Bruno nem nada relacionado, já que, independentemente de qualquer coisa, dei a minha palavra de que não contaria, e não irei quebrar essa promessa.
Já está na hora da passagem de som para o show quando Liza decide ir comigo.
- Tem certeza, Liza? Você não veio aqui só pra me ver, não foi?
- Claro que não. Aproveitei que estão na França e decidi vir visitar meus pais.
- Então, por favor, faça isso. – Digo, olhando-a nos olhos.
- Também preciso conversar rapidamente com os meninos. Craig quer mais algumas assinaturas.
- Bom, tudo bem, então. – Dou um pequeno sorriso e Liza retribui.
- Agora vá tomar um banho, porque já estamos atrasadas.
Depois de fazer o que Liza pediu, trocar de roupa e pentear o cabelo, decido fazer uma maquiagem. Tanto para esconder as olheiras e melhorar a expressão do meu rosto quanto para me sentir bem. Enquanto isso Liza traz um pequeno lanche pra mim, com sanduíche natural, água, suco de laranja e frutas, incluindo suas preciosas blueberries.
- Toma, tenho certeza de que nada disso vai fazer mal ao seu estômago.
- Obrigada, Liza. – Digo, terminando a maquiagem e pegando a garrafa d'água.
- Nossa, bem melhor... – Diz ela sobre a maquiagem. – Aquela sua cara estava até me assustando. – Liza ri e jogo uma blueberrie nela. Ela para de rir e fica séria, pegando a blueberrie do chão.
- Nunca, jamais, em toda a sua vida, desperdice uma blueberrie. Tá ouvindo?! – Ela limpa a bluberrie com a mão e enfia na boca.
- Você é louca. – Digo, terminando a maquiagem e rindo. É bom rir, pelo menos um pouco, quando o que você mais fez em praticamente dois dias foi chorar. – Aliás, onde está Trisha?
- Já foi. – Liza agora está lixando a unha.
- Como assim?!
- Eu disse que estávamos atrasadas. Trisha foi no horário, e, bem, como já era de se esperar, te deixou para trás.
- Filha da p...
- Com licença, Senhorita Liza? – A porta do quarto se abre e Max, o chofer da Liza, aparece. Como sempre, está impecável.
- Pois não, Max? – Liza sorri, olhando para ele.
- Me perdoe o incômodo, mas temo estarmos atrasados... A viagem até seu antigo vilarejo é cansativa, e, se me permite, creio que seja melhor irmos agora para não termos nenhum imprevisto pelo caminho.
Quando Max termina de falar, não evito abrir a boca e ficar pasma. Acredito que nunca tinha ouvido tanto a sua voz, que é tão máscula quanto ele todo, e esse vocabulário do tipo "até seu antigo vilarejo" me faz pensar mais sobre ele. Olho para Liza, atônita, enquanto ela dá um sorrisinho com seus dentes perfeitamente alinhados.
- Mudança de planos, Max. Iremos para o Stade Pierre-Mauroy. – O sotaque de Liza é tão perfeito que me causa inveja.
- Ah, sim, tudo bem, me desculpe pelo transtorno. Estarei esperando lá embaixo. Senhorita. – Com um sorriso, Max sai e fecha a porta, me cumprimentando. Ainda estou boquiaberta.
- Esse cara realmente existe? – Olho para Liza, meus olhos ainda arregalados.
- Existe, sim. – Liza ainda está olhando para a porta, sorrindo. – Agora vamos, se não quiser ser demitida por faltar a dois dias de trabalho!
Já chegando no estádio, vários flashes nos atingem, e Liza consegue sorrir para todos eles enquanto usa óculos escuros, contrastando incrivelmente com sua pele branca. Ao entrar no local, ouço imediatamente a voz de Trisha cantando On My Mind, de Ellie Goulding. Caminho até o palco enquanto Liza segue para o corredor.
- Está atrasada. – É o que Bruno diz quando chego.
Obviamente, sua voz soa ríspida. Contraio o maxilar, me sentindo triste mas ao mesmo tempo com raiva. Ao responder, falo da mesma forma que falou comigo.
- Isso eu já notei. Não irá mais acontecer.
Minha voz soa tão ríspida quanto a dele. Ele apenas me encara por alguns segundos e segue para a frente, no pedestal. Idiota. Engulo a raiva e a vontade de chorar, principalmente por Trisha soltar um risinho. Respirando fundo e então sigo para meu lugar.
A passagem de som acontece e tudo parece ótimo. Bruno então sai do palco e, depois de ensaiar minha música com os meninos e Trisha e também algumas partes do show, vamos ao camarim nos trocarmos, já que já está escurecendo.
Depois de um banho quente, maquiagem, cabelo e roupa, estamos prontas. Olho no espelho e gosto do que vejo. Dessa vez não vestimos um cropped, mas uma blusa enorme, que nos serve como vestido. Há os mesmos escritos HOOLIGANS na frente e 24k atrás. Meu cabelo está solto dessa vez, e botas de cano alto calçam meus pés até meus joelhos, enquanto o brinco Chunky reluz em minhas orelhas. Trisha está da mesma forma.
- Pessoal, camarim. – Chama Kam, batendo e abrindo a porta. Ele sorri e eu e Trisha concordamos, saindo da sala de preparação. Ao chegarmos lá, os meninos nos olham novamente com admiração, e Bruno finge não nos ver.
De repente, ouvimos a plateia gritando, e DNCE iniciando a abertura do show. Sinto meu corpo arrepiar, não só por estarem indo muito bem, mas por pegar Bruno me olhando, de soslaio. Como sempre, meu coração acelera, mas, dessa vez, e todas as outras que possam acontecer, não irei dar atenção. Pela primeira vez, irei agir com a razão, não importa o que aconteça. Continuo conversando com Kameron, ainda sentindo os olhos de Bruno em mim, mas só o que eu faço é ignorá-lo, algo que já estou começando a acostumar.

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora