Deixa comigo

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- AAAAAAAAAAAAH, EU SABIAAAAA! – Jaque grita imediatamente quando entro no carro. Ela me abraça.
- Amiga, você está me sufocando! – Consigo dizer, entre gemidos de dor.
Imediatamente ela me solta. Quando olho para ela, seguro uma risada ao ver sua expressão. Idêntica à de uma criança alegre.
- E sabia o quê?! Eu nem disse nada!
- E nem precisa! – Imediatamente ela me estende o celular, sorrindo.
Franzo as sobrancelhas e, desconfiada, o pego em mãos. Jaque fala antes que eu possa sequer entender o que é.
- Acabou de sair na página da Atlantic Records as duas novas contratações, e adivinha o nome que eu encontrei...!
- Mas já?! – Arregalo os olhos, olhando a atualização do site. E, é claro, não consigo conter um sorriso. E a alegria transbordando em mim. – AH, ESTOU TÃO FELIZZZ! – Grito de repente, chorando e abraçando Jaqueline.
- EU TAMBÉEEEM! – Jaque também chora e grita. – Viu? Eu disse! Eu disse que você conseguiria! Da próxima vez, não duvide do meu "sexto sentido". – Jaque diz de uma forma cômica, como se estivesse imitando Liza. Rio alto, sentindo a alegria do momento.
Depois, olho Jaque nos olhos. Vejo uma expressão orgulhosa que quase me faz voltar a chorar.
- Você vai ver... – Jaque coloca uma mecha de cabelo atrás de minha orelha. – Tudo vai melhorar agora.
- Obrigada por me apoiar, amiga. – Sem conseguir segurar, volto a chorar. – Eu te amo.
Abraço Jaque novamente e ela também volta a chorar. Segundos depois e ela praticamente me empurra.
- Ok, ok. Chega dessa melação senão não paro de chorar.
Rio, vendo Jaque secando os olhos enquanto olha no retrovisor do carro.
- Isso merece uma comemoração à altura... – Olho para ela sorrindo e dizemos ao mesmo tempo. – Vinho e pizza!
E depois de Jaque chegar do trabalho, nos entupirmos de pizza e bebermos juntas quase duas garrafas de vinho, penso que já comemoramos e já nos emocionamos o suficiente. Além disso, já contei a ela tudo o que aconteceu. Como foi a revelação e tudo o que senti na hora. Mas é claro, não contei nada sobre Bruno Mars. Comentei que ele veio me parabenizar, mas... Não contei sobre o que senti.
Não contei porque sei que é loucura da minha cabeça. Sei que estava muito alegre e nervosa devido a tudo o que aconteceu, e com certeza meu estado afetou aquele momento. E, além disso, ele é Bruno Mars! Qualquer um ficaria nervoso perto dele. Com certeza várias mulheres sentiriam "arrepios". Afinal, Bruno Mars é... lindo. E também muito charmoso. Só agora consigo relembrar da covinha que forma em seu rosto quando ele sorri. E em como seus olhos grandes parecem reluzir. E em como seu cabelo cacheado parece combinar perfeitamente com seu rosto. E em como...
- Saphira...? SAPHIRA!
Me assusto ao ouvir Jaqueline gritar meu nome. Pigarreio, voltando a mim e tentando sorrir. E, mais importante, tentando tirar todo e qualquer pensamento desses da minha cabeça.
- Meu Deus, você está bêbada?! – Pergunta minha amiga.
- Não, só estou... feliz demais. – Sorrio novamente, e Jaque sorri também.
Segundos depois, quase de repente, sua expressão se fecha num misto de tristeza e angústia. Uma expressão específica. Sei que, quando ela assume essa expressão, só pode ser aquele assunto.
- Sei que não é o melhor momento, mas... Meus pais me ligaram hoje. – Diz ela como quem não quer nada, passando os dedos sobre a borda da taça em suas mãos. Me ajeito melhor no sofá.
- O que eles disseram?
- Ah, o de sempre. – Ela sorri de canto, sem olhar para mim. – Perguntaram como estou, e obviamente não se esqueceram de salientar que estou perdendo meu tempo e sendo idiota ao não aceitar o dinheiro e a ajuda deles.
Observo Jaque, parecendo tão... pra baixo. É sempre assim quando ela fala dos pais. Meu coração aperta.
- E o que você disse a eles?
- Ah, o de sempre também. Que estou bem e que não preciso da merda do dinheiro deles. – Sua voz transparece sua raiva e ressentimento, e posso ver esses sentimentos estampados em seu rosto quando ela bebe o último gole da taça.
Me lembro de quando Jaque me contou que é filha única e seus pais são empresários. Segundo ela, eles possuem uma empresa muito bem-sucedida de decoração, "ADecor", e levam uma vida, digamos, no mínimo luxuosa. Quando era mais jovem, estava cursando faculdade de administração, justamente para seguir o mesmo ramo de seus pais, mas acabou engravidando deu seu namorado na época e foi mandada embora de casa. Seus pais, sem pensarem duas vezes, a expulsaram. Seu ex namorado, Trevor, logo quando ficou sabendo, sumiu do mapa e nunca mais voltou. Sem o apoio dos pais e completamente sozinha, Jaque começou a trabalhar como garçonete e utilizou seu salário para sobreviver. A boa notícia era que sua faculdade já estava paga, então não precisou se preocupar com mensalidades. Porém, graças a todo o nervoso e a todos os problemas que enfrentava diariamente, desde homens a assediando no restaurante em que trabalhava a até não conseguir dormir nem 5 horas por noite, aos três meses de gravidez, acabou perdendo o bebê. Depois que seus pais souberam do acontecido, se arrependeram e pediram que ela voltasse, mas, ainda muito ressentida com seus pais, Jaque recusou o pedido e decidiu viver por si só, sem depender de mais ninguém. Jaque me disse que essa foi a pior fase de sua vida. Ela me contou que continuou estudando e trabalhando, dando tudo de si à faculdade. Então recebeu uma proposta de estágio, largou o serviço de garçonete e começou a trabalhar na área. O tempo foi passando, ela conseguiu concluir o curso e recebeu uma proposta na MidiaRecords. Ela disse que no início foi um desafio administrar uma empresa, por mais pequena que fosse, sozinha. Mas Jaque fez tão bem que está lá até hoje. Conseguiu se estabilizar, comprou uma casa, um carro, e hoje tem uma vida melhor. No decorrer de seu trabalho na gravadora, Georgie já aumentou seu salário quatro vezes, mas ainda é pouco pensando no quanto ela é boa no que faz.
De qualquer forma, mesmo conquistando tudo isso, Jaque não consegue lidar com esse ressentimento. E tudo piora quando ela pensa no bebê que perdeu. É por isso que, quando Jaque me dá espaço para conversar sobre isso, tento ser o mais delicada e respeitosa possível. É um assunto muito difícil e delicado.
- Sabe, as vezes eu penso que é minha culpa... – Jaque diz, de repente, fitando o chão.
Franzo as sobrancelhas, temendo ter perdido uma parte da conversa.
- Sua culpa o que?
- Eu ter perdido o bebê.
A voz de Jaque parece tão mecânica e sem vida que faz meu peito doer. E sua declaração é tão pesada que parece pairar no ar.
- Eu devia ter me cuidado mais... – Ela continua, agora uma lágrima escorrendo de seu olho. – Sabe... É uma culpa que carrego comigo todos os dias.
Meu coração dói quando ouço Jaque dizer isso. Seguro as lágrimas.
- Por favor, não diga isso, Jaque. – A abraço forte, sentindo necessidade em acolhê-la. – Você não tem culpa de nada. O que poderia fazer?!
Pego em seu rosto e o levanto. Seus olhos são uma mistura de tristeza, raiva e lágrimas.
- Jaque, não foi sua culpa. Você precisava sobreviver, tinha que trabalhar. A situação não foi nada favorável pra você. – A abraço forte novamente e ela retribui.
São nesses momentos que me sinto impotente. Incapaz de fazer algo. Sinto que tudo o que eu disser não irá ajudar. Só Jaque sabe como se sente. Só Jaque sabe porque foi ela quem passou por isso. Mesmo assim, tento ajudar da melhor forma que posso. E agora, nesse caso, é cuidando de minha amiga.
Tiro a taça de suas mãos e olho para o relógio na parede. Já são 23:30.
- Olha, você precisa descansar um pouco. Vai se sentir bem melhor amanhã.
- É, acho que preciso mesmo. – Ela diz, fungando e tentando sorrir. – Vou tomar um banho, tá?
- Vai lá. – Sorrio para ela.
E, quando ela some pela casa, choro rapidamente. Dessa vez, de tristeza por minha amiga. Depois dela tomar seu banho e finalmente deitar, me sinto mais aliviada por saber que, realmente, ela vai se sentir melhor amanhã. Sei que esses sentimentos não vão sumir, mas uma boa noite de sono é o que Jaque mais precisa, agora.
Depois de também tomar um banho, vou checar meu e-mail. Encontro a planilha com os compromissos do mês que Liza prometeu enviar. Imprimo uma cópia e colo na mesa de cabeceira, ao lado da cama. Leio os compromissos de amanhã:

Too Good To Say GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora