Descoberta

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Quinze dias se passaram, e Jaqueline não desconfiou de nada. Pelo menos não totalmente. Eu talvez tenha chegado depois dela algumas vezes, mas inventei algumas desculpas como encontros, procurando emprego e trânsito. Não que eu goste de estar fazendo isso. Sei que a hora certa vai chegar e eu terei que falar, de um jeito ou de outro. Enquanto esse momento não chega, continuo enrolando.
De qualquer forma, os ensaios estão a todo vapor, todos animados e dando tudo de si, e claro, ficando ótimo. O instrumental está impecável, e os backings que Bruno e Phil nos passaram estão incríveis. Estamos aprendendo algumas danças também, para interagir com os meninos. Tudo está... perfeito. Exceto Bruno.
Notei que ele tem andado muito estranho ultimamente. A última vez em que conversamos decentemente e que, bem, nos aproximamos um do outro, foi no dia do almoço na casa dele. Quando ele me deixou em casa, rolou um baita clima entre a gente, e não é possível só eu ter sentido isso. Mas, mesmo assim, ele está me... ignorando. Parece não querer estar nos mesmos lugares que eu, e nunca, absolutamente nunca fica sozinho comigo, o que antes parecia que era o que ele mais queria. Me sinto... confusa. Bruno me disse que me contou o segredo mais íntimo dele, e ele parece ter ficado feliz quando soube que aceitei estar na turnê... Por que agora está agindo assim, então? Por que está tão... distante? Será que se arrependeu de ter dito tudo aquilo? Não pode ser coisa da minha cabeça. Ou pode?
- Ok, pessoal, deu por hoje. – Diz Bruno quando terminamos de ensaiar Too Good To Say Goodbye.
Bruno é o tipo de artista que insiste em uma música até ela ficar boa, mesmo que isso dure dias, semanas ou meses. Nesse caso, ensaiamos a mesma música várias e várias vezes, e o cansaço toma conta de mim antes mesmo do ensaio acabar. Até Trisha parece sentir a mesma coisa, já que, rapidamente, pega suas coisas e sai pela porta. Penso que ainda nem ensaiamos tudo o que precisamos. Há várias músicas que nem sequer passamos uma vez, o que me deixa um tanto... desesperada. Porém sei que Bruno e Phil tem tudo sob controle, e que com certeza sabem o que estão fazendo. Bruno, como eu já sabia, se mostra um profissional muito exigente, o que nos causa certa... exaustão, mas sei que é a melhor forma de tudo sair perfeito. Além disso tudo, confio no trabalho deles. Sei que no final tudo dará certo.
Quando vou pegar minhas coisas, percebo Bruno me observando de canto de olho, como quem não quer nada. Quando olho para ele, ele desvia o olhar. Argh! Por que ele fica me torturando com esses olhares e não me fala nada?! Eu preciso fazer alguma coisa, não vou aguentar isso. Se ele não fala nada, falo eu!
Determinada, ando com passos firmes em sua direção, quase bufando. Ao perceber minha determinação, Bruno olha para mim com olhos desesperados, como se não me quisesse por perto. Percebo só agora que esse olhar me magoa profundamente. Antes que eu possa chegar até ele, Phil cria uma barreira entre nós.
- Ei, Saphira, quer acompanhar nosso ensaio hoje?
- Ã? – Faço uma careta. – O ensaio já não terminou? Dá licença... – Digo, tentando me esquivar, afim de encontrar Bruno, mas, infelizmente, em vão, já que Phil perto de mim é como uma muralha.
- Não, não é isso. – Diz Phil, rindo. – Vamos ensaiar para o Grammy.
- Phil, eu realmente precis... – Arregalo os olhos ao raciocinar o que ele disse. – Espera, Grammy? – Pergunto, surpresa, querendo saber se realmente entendi o que acho que entendi.
- Oh, yeah! – Diz Phil, de forma engraçada. – Depois de muito tempo, iremos apresentar no Grammy esse ano. O que acha de nos acompanhar nos ensaios? Se quiser, é claro...
- Ã... – Fico nas pontas dos pés e olho para Bruno por cima do ombro de Phil. Ele ainda está me encarando. Sorrio. – Claro! Eu adoraria!
- Beleza. Pessoal, vamos começar. – Diz Phil, batendo palmas e chamando a banda que, no momento, está dispersa.
Olho para Bruno mais uma vez e ele finge que não me vê. Fecho minha cara como uma criança birrenta enquanto sigo para um sofá, afim de assistir ao ensaio. Enquanto eles se ajeitam, percebo que estou nervosa e irritada. Argh, que droga! Mas que merda há com Bruno?! De repente, assim, ele muda? Ele pode estar passando por problemas, eu sei, mas... Argh, por que não fala comigo?! Ele não entende que posso ajuda-lo, ou melhor, que quero ajuda-lo?!
Calma, Saphira, se acalma. Ele está passando por muita coisa, talvez tenha acontecido alguma coisa... Não seja insensível! Tento me recompor enquanto me ajeito no sofá de uma forma bem confortável. Tá, ok, isso pode ser até coisa da minha cabeça. E outra, Bruno tem muitos problemas para lidar. Preciso colocar minha cabeça no lugar.
- Ok, pessoal, vamos lá. – Diz Bruno enquanto todos já estão posicionados.
Esqueço tudo o que aconteceu e começo a prestar atenção, agora me sentindo extremamente ansiosa para saber qual música eles irão apresentar, o que irão fazer e como irão fazer. Penso rapidamente no quanto eles devem estar cansados. Já ensaiamos por horas, e eles continuam aí. Só quem é músico sabe o quanto um ensaio pode ser cansativo. Mais uma vez sinto muita admiração pelos Hooligans. Sei o quanto eles são bons e determinados quando o assunto é música.
Eric dá o tempo na bateria e, de cara, percebo o início de 24k Magic. Os meninos não parecem tão elétricos, obviamente o cansaço os consumindo. Eles ensaiam uma vez, duas, três, e, depois de praticamente meia hora, Bruno se pronuncia. Eu tenho quase certeza do que ele vai dizer, e sei também o porquê.
- Isso não tá legal. – Ele diz, passando a mão pelo cabelo já bagunçado. – Não está... funcionando.
- O que tem de errado? – Pergunta Jamareo.
- Não sei, só... – Bruno olha para mim de relance, e, quando penso que irá sorrir para mim, ele desvia o olhar. – Não está legal. Acho que não estou gostando de 24k Magic para o Grammy...
- Posso dar uma sugestão? – Digo decidida enquanto me sento ereta no sofá e cruzo as pernas.
Todos me olham, ao mesmo tempo. Dou de ombros, sorrindo.
- Bom, depois de aceitarem minha ideia em Calling All My Lovelies, abriram as portas para minha intromissão. Parabéns.
Todos riem, mas Bruno continua apenas me olhando. Todos então ficam em silêncio, me encarando, e quando Bruno finalmente abre a boca para falar alguma coisa, o interrompo.
- Eu também acho que 24k Magic não seria a melhor opção para o Grammy. As vezes parece que o álbum só possui 24k Magic e Chunky... – Digo isso e todos eles me encaram, perplexos. Nem eu acredito que estou falando dessa forma, mas as palavras simplesmente... saem. – Olha, só nós sabemos o duro que demos pra fazer esse álbum ficar incrível, e, não sei... Parece que vocês não conhecem outras músicas a não serem essas duas. The Voice: 24k Magic. Victoria's Secret: 24k Magic e Chunky. American Music Awards: 24k Magic. MTV EMA's: 24k Magic. – Enquanto começo a numerar todas as performances já feitas pela banda, todos continuam me encarando, atentos. – SNL: 24k Magic e Chunky. Japão: Chunky. Querem que eu continue? Asseguro vocês de que a lista não sofre alterações.
Todos ainda me observam, uma mistura de surpresa e... surpresa? Bruno é o que mais parece estar impressionado. Penso que talvez eu esteja sendo um tanto agressiva, mas eles me deixaram dar minha opinião, então...
- Entendem? Parece que todo lugar que vocês vão já está predestinado: 24k Magic e/ou Chunky. Sei que vocês precisam divulgar as músicas carro-chefe, mas, nesse caso, não podem mudar?
Quando termino de falar, todos ainda continuam estagnados, parados, me olhando. É como se eu tivesse dado pause em um filme. De repente, o arrependimento recai sobre mim e começo a pensar no que acabei de dizer. Fala sério, o que estou fazendo aqui?! Não posso ficar interrompendo o ensaio dos meninos, muito menos para me intrometer! Quem eu penso que eu sou?! Quem sou eu pra ficar dando palpites pra eles?! Talvez minha irritação com Bruno tenha ajudado para isso, mas não justifica. Droga, que merda estou fazendo? Tenho certeza que nunca mais serei convidada para assistir outro ensaio.
Decidida e envergonhada, pego minha bolsa, minha jaqueta e me levanto do sofá. Melhor eu ir embora antes de falar mais merda.
- Boa noite. – Digo, séria, enquanto sinto todos me seguindo com os olhos. Abaixo a cabeça sentindo meu rosto queimar enquanto me considero uma completa idiota por ter falado tudo isso.
- O que sugere, então?
Paro de andar ao ouvir a voz de Bruno e, ao me virar, ele está... sorrindo. Como se acendesse uma chama em meu coração, sinto-o queimar. Mesmo depois de tudo o que eu disse ele está... sorrindo?! Sorrio de volta e, com uma certa felicidade, digo:
- That's What I Like.
Ainda sorrindo, saio pela porta e vou embora.

- Ok, pessoal, por hoje é isso. – Diz Bruno quando nosso ensaio acaba, no dia seguinte.
Quando cheguei em casa ontem, Jaque chegou segundos depois de mim e, bem, quase tive que inventar alguma coisa de novo. É claro que ela tem me notado mais cansada e sumida que o normal, mas até agora não parece desconfiar. Quer dizer, não tanto... Sei que essa ideia não é legal, mas sempre que tento falar para ela o que está acontecendo, simplesmente... não consigo. É como se as palavras entalassem na minha garganta e eu não conseguisse contar pra ela. Sei também que quando eu disser que estarei em turnê com Bruno e que a deixarei sozinha em casa, será um choque para ela. Realmente, não sei o que fazer.
Olho para o lado e Trisha já está indo embora. Os meninos começam a reajustar os instrumentos, acredito que para o ensaio do Grammy, e eu, sem graça, vou até o sofá pegar minhas coisas. Quando a coloco no ombro, ouço Phil quase gritar.
- Onde a senhorita pensa que vai?
- Embora. – Digo, arqueando as sobrancelhas e me assustando um pouco. – O ensaio já acabou, certo?
- Ouvimos o que você disse e ontem e, bem... você tem razão. – Ele sorri, e pisco forte, pensando se realmente ouvi corretamente. – Por favor, peço que acompanhe nosso ensaio, e veja nossas novas ideias para a música. – Ele sorri novamente. – Se sinta à vontade para expressar sua opinião. Por algum motivo, parece ser sempre... certeira.
Olho ao meu redor e todos os meninos estão sorrindo, como se concordassem com Phil mentalmente. Me sinto... sem graça, mas ao mesmo tempo muito privilegiada por ter ouvido isso. Sorrio, me sentindo... animada e ansiosa.
- Vamos ver o que vocês estão preparando, então.
Dessa forma, os meninos se ajeitam em suas posições. Bruno, ainda sorrindo para mim, fica atrás do pedestal com um microfone. Me pego pensando no quanto eles devem ter trabalhado de um dia para o outro. Com certeza a noite toda.
- 3, 4! – Grita Eric, batendo as baquetas e me tirando de meus devaneios.
De repente, ouço uma introdução modificada. Eles cantam algo diferente e, rapidamente, começam That's What I Like. Diferentemente do ensaio passado, Bruno e os meninos parecem estar mais animados, excitados com a música e provavelmente com a ideia de apresenta-la pela primeira vez. Eles estão dançando e curtindo enquanto cantam. Presto atenção e percebo o quanto o clima mudou, o quanto está... mágico. Percebo também que a música possui mais arranjos e uma parte diferente quando fala sobre Porto Rico, uma mudança de estilo, literalmente, porto-riquenha. Bruno atinge notas altíssimas com perfeição, e toda a banda toca e canta de forma impecável. Me sinto... extasiada. Animada. Feliz demais.
- Bom... e aí? – Pergunta Phil, cansado, quando terminam de ensaiar. Fico séria, encarando-os, enquanto eles parecem tensos. O silêncio é tão grande que posso ouvir uma mosca passando.
- Está... Muito bom. Mais que bom! Está incrivelmente incrível! Não dá pra melhorar! – Dou pulinhos no lugar, batendo palmas, realmente sentindo a felicidade do momento. A performance está, realmente... perfeita. – Minha nossa, vai ser perfeito! – Sinto meus olhos marejarem um pouco.
Os meninos riem e Phil chega até mim, me puxando pelo ombro para um abraço.
- Realmente... – Diz Kameron. – Está incrível.
- Sim! Aquela parte de Porto Rico... argh, ficou muito bom! – Digo, animadíssima.
- Bom, então... acho que é isso. – Diz Bruno, sorrindo, parecendo animado.
Claro, não podia estar menos, já que o Grammy já é amanhã. Durante os ensaios, ele postou alguns vídeos e provocou os fãs sobre a música que seria apresentada, então obviamente todos estão muito ansiosos. Eu também, mas mais que isso, estou extremamente feliz por eles.
- Ok, meninos... – Olho o relógio. Arregalo os olhos ao perceber que já são 9 da noite. – Minha nossa, preciso ir.
Quando acho que dessa vez Bruno irá me oferecer uma carona, ele apenas abre a boca, parecendo que irá dizer algo, mas depois fecha a cara. Argh!
- Obrigada por nos acompanhar durante os ensaios. – Diz Phil.
- Eu é que agradeço por participar! Vocês são fodas! – Faço uma careta e todos riem. – Antes de ir, gostaria de desejar boa sorte pra vocês amanhã, e uma ótima performance. Sei que vocês vão arrasar, mas, de qualquer forma... boa sorte!
- Obrigada. – Dizem todos, em uníssono, sorrindo.
- Trouxe também um agrado pelo bom trabalho de vocês...
Sorrindo, pego da minha bolsa uma sacola cheia de bombons e distribuo.
- São bombons brasileiros. Sou suspeita a falar, mas... são maravilhosos! – Digo isso abrindo um e enfiando na boca.
Todos riem e agradecem.
- Ok, estou indo agora. – Digo, pegando minhas coisas.
- Espera, Saphira. – Diz Phil. – Bruno pode te levar, não pode, Bruno? – Phil olha para Bruno. – Está tarde, e, bem, não é bom ela ir sozinha...
Olho para Bruno e ele está encarando Phil, sério demais. Seus olhos parecem pedir socorro. Ele então me olha de uma forma sem graça. Me sentindo totalmente sem graça também, tento contornar a situação antes que o clima constrangedor me engula de uma vez.
- Não, tudo bem, Jaqueline já está vindo me buscar. – Minto e tento sorrir. – Boa noite. – Digo, saindo apressada.
Corro pelas escadas e, rapidamente, consigo um táxi. Chego em casa e percebo que Jaque não está. Provavelmente deve ter saído com Brian. Entro no banho e, ao pensar em Bruno, não consigo conter uma lágrima. Por que ele mexe tanto comigo com tão pouco?! E por que ele está agindo assim? O que está acontecendo?!

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