Joelhos, aniversário e vazio

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"She should have stayed away from friends. She should have had more time to spend. She should have died when she was born"

- Been a son

Harry se lembra de sentir frio, de caminhar entre as paredes brancas demais sentindo como se o sangue de seu corpo não fosse suficiente. A leveza de seus passos não combinava com seus pensamentos, e o barulho do piso era homogêneo demais, grave contra seus sapatos.

Ele grudou seus olhos no calendário pendurado na parede. Um circulo imperfeito feito com uma caneta vermelha destacava o dia seis de julho de 1999. Harry podia ouvir sua própria respiração e o tik tak do relógio, eram quase oito da noite.

Engolindo em seco, ele tentou controlar o quanto suas mãos tremiam, mas falhou. Se a ambiguidade fosse um sentimento, Harry tinha certeza que seria exatamente aquela sensação.

O alívio parecia brigar com a tristeza dentro de seu peito. Ele tirou os olhos do calendário melancolicamente e sentiu um calafrio envolver cada uma de suas costelas. A frieza que moldou seu espírito no início o consumiu por inteiro, como um buraco no meio do tempo.

Ao seu redor tudo se silenciou e ele suspirou com raiva. Haviam memorias amargas derramadas sobre suas sardas quando ele cerrou os dentes e franziu o nariz para conter as lágrimas.

- Você quer uma cadeira, uma água talvez? - Ofereceu um policial, que estava na sala com ele.

Harry negou com a cabeça, ele sentia que ia sufocar a qualquer momento.
Cair sobre suas asas quebradas, como um erro que fez morada no céu e se queima com o brilho das estrelas.

Harry desejou que houvessem velas para ela dentro de qualquer igreja da cidade, e também desejou que elas queimassem sua pele. Como em tantas outras vezes, Harry desejou sentir alguma dor que fosse capaz de explicar.

Sobre a maca gelada do necrotério estava o corpo de Jane, e ela parecia tranquila. Seus lábios não tinham mais cor, mas seus olhos fechados ainda tinham cílios longos. Seu longo cabelo tinha mais fios brancos do que Harry se lembrava, mas a cicatriz em sua bochecha permanecia a mesma. Assim como a beleza que sempre foi dela, mas que ninguém além dele jamais reconheceu.

Harry reconheceu a falsa beleza de muitas pessoas, todas as vezes em que sua carente imaginação nublou seu julgamento.

- Eu sinto muito pela sua perda - O policial voltou a dizer - Eu sei o quanto pode ser difícil vir reconhecer o corpo de alguém e...

- Não é difícil - Harry o interrompeu friamente, mas as lágrimas que escorriam por seu rosto o faziam soar como um mentiroso.

- Eu sinto muito de qualquer forma - O policial lamentou mais uma vez.

- Eu posso segurar a mão dela?

- Claro... E pode ficar o tempo que o senhor precisar - Ele orientou sem jeito, e deixou a sala.

Harry nunca foi ignorante quanto a sua completa falta de noção de tempo. Essa era uma das razões pelas quais ele era tão fiel ao seu diário.

Mas naquela noite, ele perdeu completamente a ideia do que eram segundos, horas, dias ou anos. Ele segurou a mão de Jane com cautela, fez carinho em seu cabelo como em tantas outras vezes, cada fio continuava frágil e laranja como sempre foi.

As sardas tão bonitas de seu rosto, eram ofuscadas pela longa marca ao redor de seu pescoço. As duas coisas juntas não faziam muito sentido para Harry, ele queria que a morte não combinasse tanto com o fim da história de sua mãe.

I can't look up to the sky ☆ (l.s.)Onde histórias criam vida. Descubra agora