BRIANNA ABERNATHY. Dêem ⭐
moldura
Alguns anos antes
Arrastei meu urso de pelúcia contra o peito e encostei o ouvido na
porta do escritório do meu pai.
Eu sabia que aquela mulher loira estava lá com ele, ouvi sua voz
quando entrou. Contei nos dedos e era a terceira vez só naquela semana.
Era difícil pensar que, depois que a mamãe foi embora, ele nunca mais
brincou de caça ao tesouro comigo e não fazia um esforço sequer para ir
buscar mamãe de volta, já que não tinha tempo para mim.
Mas o que um homem sem tempo fazia com aquela mulher quase todos
os dias no seu escritório particular?
Era isso que eu estava tentando descobrir, mas quando cogitei
empurrar a porta, alguém segurou o meu ombro.- O que você está fazendo aqui, mocinha? - Era Yume, minha babá.
Ela pegou minha mão. - Você deveria estar dormindo. Acha que não
percebi os travesseiros na cama?
Começamos a sair de lá bem rápido, mas eu ainda olhava para trás, na
esperança de vê-lo sair do escritório.
E eu vi.
- Pai! - berrei, me soltei de Yume e corri até ele.
- Deveria estar dormindo. - Sua voz era grossa e seus olhos feios
encararam minha babá. Senti que ele já estava mudando de novo. Como se
não estivesse feliz em me ver.
- Eu queria saber quando vamos...
- Depois - falou, sem nem esperar eu terminar e puxou a mulher
pela mão para sair dali.
- Mas e a mamãe? Quando vamos buscar ela?
Ele parou e a mulher fez uma cara estranha. Os dois trocaram olhares.
Ele voltou até mim, abaixou um pouco e olhou nos meus olhos.
- Onde está a sua agenda? Aquela que sua mãe te deu no seu
aniversário. - Apontei para o meu quarto e ele suspirou. - Todos os dias
faça um pontinho em cada linha. Quando terminar, será o dia em que iremos
buscá-la.
Meus olhos cresceram, tristes.
- Mas... são tantas linhas e tantas folhas...
- Vai passar rápido, tenha paciência. É uma tarefa simples. Só tem
que pegar o caderno e fazer, Brianna. Você disse que gosta de estrelas,
lembra? Vai desenhar inúmeras constelações. - Deu aquele sorriso
quadrado que eu quase nunca via e que não parecia ser de verdade.
- E quando poderemos brincar? Só passa o seu tempo com ela... -
Olhei com cautela para a mulher .
- Amanhã, nós conversaremos. - Meu pai decidiu encerrar a
conversa e sair de perto de mim o mais rápido possível.
- Quero conversar, agora! - gritei. - A mamãe está por aí em algum
lugar e você nem me disse onde ou por que ela foi embora! - Comecei a
caminhar atrás dele. - Só precisa ir buscar ela e trazer de volta, mas só
perde tempo com o seu trabalho e com essa mulher!
- Já chega, Brianna! Vá para o seu quarto! - gritou também.
- Eu não vou! Quero buscar a minha mãe!
Senti a pele da minha bochecha ardendo em milésimos de segundos.Começou a esquentar. Minha boca ficou com gosto de sangue e ardeu por
dentro. Quando a abri, o sangue manchou o Senhor Coelho.
Minha respiração sumiu e corri de volta para Yume, sem conseguir
falar.
- Nunca vou buscá-la, se continuar com essa palhaçada! - O medo
me fez fechar os olhos. A voz dele se tornava assustadora quando estava com
raiva e me fazia tremer mais.
Minha voz estava entalada, eu só sentia as lágrimas, nada mais saía de
mim.
- Você vai continuar com a Yume por anos e anos! Só você e ela, sem
a sua mãe e sem mim. - Minhas mãos apertavam a barra da saia da mulher,
enquanto ele apontava o dedo indicador na direção do meu rosto. -
Continue com esse mau comportamento e será só a sua babá que vai querer
estar com você, e por obrigação. Só porque ela é paga para isso.
Tentei engolir o choro, mas era impossível. Me virei e corri até o
quarto, enxugando o rosto.
Limpei a boca com água, como mamãe me ensinou, e esfreguei a
minha pelúcia no tapete. A mancha não saía, mas a Yume daria um jeito.
Ela sempre dava.
Fechei a porta e arrastei o Senhor Coelho comigo até a cama. Voltei a
apertar os olhos quando senti uma mão no meu ombro. Já sabia que era
Yume.
- Vai ficar tudo bem, e eu não estou aqui por obrigação. Gosto de
você.
Sacudi a cabeça em sinal positivo e desci da cama. Caminhei até
minha estante cor-de-rosa, peguei minha agenda e a deixei em cima da
minha mesinha.
- Por que deixar aí? - Yume perguntou.
- Para me lembrar de fazer pontinhos todos os dias quando acordar.
- Ela me olhou nos olhos e então desviou, puxando ar pelo nariz de forma
engraçada. - Está com alergia de novo, Yume?
- Sim. Deve ter sido o pó do carpete. Tirei para limpar e troquei por
outro. Seu quarto já estava acumulando uma poeira...
Olhei pela janela.
A lua estava tão grande e bonita que se parecia com um dos olhos de
uma preguiça gigante. Aquilo me fez lembrar de algo.
- O pai da minha amiga, Mavi, disse que vai levar ela em um museu para ver preguiças gigantes.
- Sério? - Yume parecia estar entusiasmada, e isso me fez sorrir.
- Sim! - Assenti e me deitei, enquanto ela ajeitava os travesseiros. -
Ela disse que eu poderia ir, se meu pai deixasse.
- Que legal, Bri... talvez eu possa falar com ele amanhã, que tal?
- Faria isso?
- Claro!
- Obrigada, Yume! Você é a melhor! - Saltitei na cama enquanto ela
fazia sinal de silêncio.
- É hora de dormir, mocinha!
- Tudo bem, eu vou, mas antes só me diga: qual vestido você acha que
posso usar?
- Aquele rosa com bolinhas brancas, que tal?
- Não sei se o pai da Mavi vai gostar...
- Ora, por quê? - Ela ergueu a sobrancelha.
- Ele não gosta de rosa.
- Mas ele não tem que gostar, querida. É você quem precisa gostar.
Rosa não é sua cor favorita, Brianna?
- Brianna? - Senti o sussurro do vento bater em meu rosto e pisquei
algumas vezes. Minhas pupilas diminuindo sob o brilho da luz do sol me
causou injúria. Encolhi, franzindo as sobrancelhas, e a imagem da minha
melhor amiga, Mavi, começou a surgir diante dos meus olhos. - Brianna?
- Eu estou viva, Mavi, só me deixe respirar. - Suspirei, sentindo meu
corpo funcionar como deveria.
Era dia, eu estava lúcida, inteira. Foi aliviador.
- Quantos dedos tem aqui? - A mão dela dançou em frente aos meus
olhos, me mostrando dois de seus dedos magros.
- Ai... para com isso! - resmunguei, minha tontura se esvaía
depressa. Em pouco tempo, estaria pronta para sair andando. - Eu estou
bem.
- Só vou parar quando você parar de ser uma idiota! - reclamou e
comecei a me levantar, passando as mãos pelo rosto para tentar acordar de
verdade. - Que porra foi aquela? Fez aquilo tudo pra ter a validação daquele
ridículo? Que necessidade de aprovação é essa, cara? - perguntou,
evidenciando o balanço dos fios escuros extremamente alinhados e os olhos
amendoados, bem desenhados.- Eles disseram que era só uma brincadeira, eu tinha bebido alguma
coisa, não me lembro nem de ter aceitado... mas estou bem... - A frase saiu
como quem segreda um importuno. Foi o fio de percepção de exaustão que
até eu percebi.
- Que brincadeira saudável e como você está maravilhosamente bem!
- Riu, irônica.
- Cadê o meu celular? - Tateei pela cama, minha cabeça vibrava
como quando me embebedei pela primeira vez.
- Pra que você o quer? Para falar com o Michel? Acho que não vai
rolar - impôs, me olhando nos olhos.
- Tenho cara de quem está brincando, Mavila? - perguntei. Ninguém
tirava meu celular de mim. Era quase um amuleto.
- E acha que eu estou, Brianna? Você quase morreu, caralho. Já olhou
as marcas na sua cintura? - Sua pergunta serviu como um dissipador da
sensação anestésica, logo senti o ardor nu e cru na pele.
Puxei a blusa para ver linhas vermelhas de quase cortes, inflamadas e
latejantes, que pareciam flamejar ao toque.
- Você ficou pendurada lá, sem consciência por uns vinte minutos
enquanto o perfeito Michel Cameron e seus amigos fodiam as meninas atrás
do prédio abandonado.
Gemi de dor e encostei a cabeça na cabeceira da cama para só então
perceber que estávamos em sua casa.
Senti a formação de um vinco no meu coração, quando me lembrei do
mediador da lei.
- Meu pai...
- Ele não sabe. - Mavi se adiantou, e engoli o tremor. - Desconfiei
que você estaria fazendo merda e, quando descobri que estava certa, te
arrastei até aqui.
A sensação de alívio era absurda. Me permiti suspirar devagar sob o
olhar cauteloso de Mavi, que sabia o porquê de eu ter tido aquela reação.
- Precisa fazer as coisas certas, Brianna - bedelhou.
- E o que quer que eu faça? - Meus olhos arregalaram. - Sou uma
boa filha, estou na faculdade, cursando medicina! - exclamei. - Tenho
notas altas, só namorei uma vez, ele ainda acha que sou virgem e, se
depender de mim, morrerá achando. Só preciso me distrair um pouco, Mavi,
só preciso de intensidade.
- Talvez, se você encontrar um cara legal... - Bati na mão dela e virei o rosto.
- Qual o problema com os meus caras legais?
- Todos eles parecem precisar de ajuda psicológica! Esse é o
problema - falou e fechei os olhos.
Era uma discussão antiga. Ela sempre me tratava como a "dedo pobre",
mas sequer namorou na vida. A discrepância dos nossos gostos era algo
compreensível, mas ela já deveria saber que não era como se eu fosse me
entregar a qualquer maluco em qualquer lugar.
Eu conhecia o meu genitor, sabia que não estaria acordada para
explicar quem era o cara de jaqueta de couro e piercings, caso ele me visse
com um.
O meu telefone tocou. Tentei me levantar para pegá-lo, mas Mavi
chegou até ele antes. Quando estava me preparando para lhe dar um olhar
feio, afrouxando as cordas vocais para proferir o pior dos xingamentos, ela
simplesmente estendeu o aparelho na minha direção.
- Só porque não é o traste do Michel - falou, e meus olhos piscaram
algumas vezes.
- E quem é? - Me mostrou uma feição um tanto quanto
desesperadora, da qual só descobri o motivo quando olhei para a tela do
celular.
Meu pai.
Atendi de uma vez. Se ele tivesse descoberto e fosse me dar um
sermão, que fizesse logo.
Mas não foi isso que aconteceu, e à medida que ouvia cada palavra que
diferia, tinha certeza de que meu rosto esmorecia como o de um morto.
Aquilo, com certeza, era bem pior que qualquer coisa que eu estivesse
esperando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
AO CAIR DA NOITE
FanfictionLivro 1 O homem mais poderoso dos EUA te ofereceu um emprego como babá. Ele precisa de ajuda para cuidar de sua doce filha, que acabou de perder a mãe. Só tem um problema. Ele nunca está em casa. Você o encontrou só algumas vezes - e há meses isso n...