AARON WALKER. Dêem ⭐
DESPERTADORevirei pelo chão, sentindo a porra da cabeça latejar. Meus olhos
perdiam a pouca lucidez que tentava manter, mas, em meio a nuances e
borrões, vi que o porco, sozinho, massacrou todos que trouxemos.
Os poucos feridos, mais precisamente dois, arrastaram-se até seus
carros, deram partida e deixaram poeira para trás. Como covardes.
Passei a sentir uma puta fraqueza me abraçar e constatei que precisava
de um choque, um sacode para acordar, me levantar de uma vez, mas da
floresta só saía o som dos animais noturnos se rastejando e chirriando como
os imprestáveis que eram. Precisava acabar com aquela ópera deprimente,
pedia até ao inferno por isso. Só não esperava que fosse saltar junto a um
bando de pássaros ao som de dois tiros altos.
Rolei meu corpo na direção das árvores, à medida que o cenário voltava
a fazer sentido, com árvores verdes, apenas um chão em suas bases e uma lua
iluminando aquele inferno. Me coloquei de pé. Era o puto do meu irmão lá
dentro, não iria deixá-lo para trás, mesmo que ele soubesse se virar.Como previa, uma vez dentro da mata, a escuridão não me deixava
enxergar quase nada direito, mas ainda tinha meus ouvidos e a pouca luz da
lua, que os galhos deixavam entrar pelo caminho.
Semicerrei os olhos quando ouvi o movimento de folhas secas a poucos
passos de mim. Tinha alguém andando depressa por ali, voltando para a pista.
Me esquivei em silêncio, passando pelos galhos. Com certeza era o
John, e, pelo que conhecia, ele havia matado os dois.
Cerrei os dentes e suspirei, aliviado.
O que importava era que sua missão maluca estava cumprida e já era
hora de dar o fora. Com tanta coisa dando errado, ficar ali mais um segundo
era um risco, e mesmo que correr riscos fosse meu combustível, meu tanque
pedia trégua.
Cheguei perto o suficiente dele e, quando senti sua presença, segurei
seus ombros com um único movimento.
Estava diferente.
Pele macia, ofego suave, fios de cabelo mais longos. Uma porra de
cheiro doce, ombros pequenos que se moldaram perfeitamente em meus
dedos.
Nem fodendo.
Puxei quem quer que fosse para o vácuo de galhos que permitia a
passagem da luz da lua e, diante da claridade ridícula, constatei o óbvio.
Não era o John. Era a garota.
Gotas de sangue brilhavam em sua testa como respingos de tinta - ela
esteve perto de quem sangrou - seus olhos cansados se entornaram em
medo e a respiração ofegante passou a ficar ainda mais rápida, quando ela
finalmente percebeu quem estava ali, segurando-a.
Fiz questão de apertar sua pele, de sentir meus dedos deixando marcas,
de permear com minha raiva em sua alma.
Não era ela quem eu queria ver. Não naquela hora, não com aqueles
olhos que entregavam vestígios de um presságio infernal.
- Me solta! - Ela encarou meus olhos, a única parte à mostra sob a
máscara de pano. - mandei me soltar!
- Onde ele está? - rugi em sua direção, tendo o vislumbre de pura
confusão em seus olhos. - Responde! Onde ele está? - Quando iria jogá-la
no chão o motor do Porsche, na pista, ligou.
Eu estava na margem da floresta, ainda conseguia ver o automóvel e
me agarrei àquilo como uma maldita esperança.A garota conseguiu se soltar do meu aperto, mas concentrei minha
atenção em quem estava ao volante. Tinha que ser ele, fugindo com o carro
do velho, como o ladrão miserável e oportunista que sempre foi.
Vamos, seu puto, mostra a cara.
Mas, para a construção do meu inferno pessoal, os fios grisalhos
fizeram minhas narinas se dilatarem. O velho manobrou para dar o fora e a
desgraçada da garota, que eu tinha presa entre os dedos segundos atrás, já
corria para abrir a porta e entrar no carro também.
- Não...
Corri como um louco por aquele inferno escuro, chamando o filho da
mãe, esperando por sua resposta, por um sinal de vida. Esperando encontrá-
lo.
E encontrei. Debaixo de uma árvore, envolvido pelas sombras.
A fivela de seu cinto e seus colares pesados eram os únicos pontos de
luz ali, o que me fez vê-lo de longe.
- John! - Segui a diante e cheguei perto dele, para descobrir o
porquê de parecer tão imóvel.
Ele estava morto.
Um tiro no braço esquerdo perto do cotovelo, aparentemente por tentar
se proteger, e outro na testa. No meio da testa. Pele fria como gelo e folhas
agarradas ao sangue ainda quente, que escorria por sua roupa. Olhos
cinzentos, ainda abertos, e a expressão de quem não estava esperando por
aquilo. De quem foi pego de surpresa.
Caí de joelhos ali e, ao lado dele, tirei minha máscara.
- Não, não, não. John, acorda, cara! - Segurei o rosto sem cor e o
sacudi, mesmo conseguindo enxergar o outro lado pelo buraco que fizeram
em sua cabeça. Não quis acreditar. - Acorda, porra! Levanta, John...
levanta...
Ninguém sabia a dimensão que aquela dor insuportável estava
tomando. O cara no chão poderia ser odiado, malvisto ou rejeitado por
muitos, senão todos os seres viventes que o conheciam, mas era meu irmão.
Ele fez coisas por mim que ninguém nunca teria feito. Me ajudou como
um verdadeiro irmão mais velho. Ele fez seu papel, mesmo sendo torto,
infame. Mesmo saindo como o vilão da história.
Ele era o desgraçado cabeça dura que me faria matar se quisesse, e por
quem eu mataria mesmo se não me pedisse.
John era o vilão, porque escolheu me poupar, e fazia o trabalho sujo para que eu não passasse pelo que ele passou.
Ele era a porra do cara mau para o meu bem. Para que não me vissem
como o viam, e mesmo que insistisse para que me juntasse àquilo, sabia me
colocar em lugares menos ruins do que os quais ele se enfiava.
John era o vilão para que eu não fosse o diabo, mas morreu sendo a
ponte para que eu cruzasse o inferno rumo à terra, em busca de uma única
coisa:
Vingança.BRIANNA:
Eu costumava usar ironia quando me via em situações difíceis. Tentei
fazer isso hoje, mas já deveria saber que aquilo não me daria a mesma
margem de segurança e alívio à tensão, como quando era pega roubando os
doces da Mavi.
Não era o mesmo cenário. Deus! Nunca seria!
Não quando esse cenário envolvia um homem morto em cima de mim.
Olhei para o meu pai na direção. Respiração calma. Sem um pingo de
remorso. A velocidade do carro começava a se estabilizar e ele segurava o
volante com as mãos ensanguentadas, me causando enjoo. Na minha testa, o
sangue que não era meu secava, esticando-a quando minhas sobrancelhas
franziam, me forçando a chorar.
Ele sequer perguntou se eu estava bem. Chegou atirando no momento
em que o cara me alcançou. Ele nem hesitou ou pensou que poderia errar.
Fechei os olhos. A cena se repetia como um looping infernal na minha
cabeça.
A voz do mascarado me mandando parar de correr. Suas mãos me
derrubando. O momento em que ele me puxou pelo pé, repetindo que iria me
matar e enterrar junto ao meu pai.
Meus músculos gritando, tentando empurrar a força brutal para longe,tentando me salvar, e então os tiros.
O som que rasgou o silêncio ao meio, me fez revirar e encolher ao
mesmo tempo, esperando pelo escuro perpétuo até perceber que era ele quem
estava sendo morto, pelo meu pai.
A confusão nas ações dele, a forma horrenda de como olhou nos meus
olhos e percebi o orifício gotejando em sua testa.
Sua queda por cima de mim. Sangrando. Com os olhos
embranquecendo, tendo uns espasmos involuntários aterrorizantes. O quão
quente ele estava, como o coração parava de bater lentamente e a respiração
sumia devagar.
Abri os olhos de novo, o som do rifle batendo ao couro passou de um
porre a um alívio, algo no qual colocar a atenção, em que me concentrar para
parar de tremer, ou pelo menos tentar.
- Pai... você... matou alguém. - Minha voz soou estática para
caralho.
- Matei uns três, se contar com os que ficaram na pista - falou,
conduzindo o volante com uma única mão, enquanto segurava uma flanela na
outra e tentava se livrar do sangue.
Eu sabia que ele fazia isso como algo rotineiro, mas, presenciar uma
ação tão violenta quanto aquela, me destruiu por dentro.
- Pai, você...
- Cala a boca, Brianna! Engula essa frescura! Era ele ou você. -
Olhou para mim pelo espelho. - E agora está começando a fazer com que
me arrependa de ter atirado somente nele - grunhiu e eu tampei a boca com
as mãos.
Quieta, Brianna.
Quieta.
Seu dedo apertou um botão no painel. Era o rádio.
Uma música clássica começou a tocar enquanto ele cobria o volante
com flanelas brancas manchadas e começava a assoviar, me dando uma única
certeza além do recente trauma:
Eu não tinha um pai. Tinha um monstro como genitor, e se minha mãe
não voltasse mais cedo ou mais tarde, seria o meu sangue em suas mãos,
cobrindo o volante do carro ao som de uma orquestra de violinos.

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AO CAIR DA NOITE
FanfictionLivro 1 O homem mais poderoso dos EUA te ofereceu um emprego como babá. Ele precisa de ajuda para cuidar de sua doce filha, que acabou de perder a mãe. Só tem um problema. Ele nunca está em casa. Você o encontrou só algumas vezes - e há meses isso n...