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AARON WALKER dêem ⭐

Notificados

Enquanto caminhava pelo Brooklyn eu conseguia ouvir os ruídos da
sola do meu sapato, apertando grãos de areia dispersos pelo chão molhado da
rua escura. Era noite, me sentia cansado para um caralho depois de ter
ganhado uma série de apostas em partidas de Drift com os caras, mas decidi
dar ao meu irmão a dádiva de me ver em sua festinha de comemoração.
Puxei a ponta da manga da blusa. Meu Rolex apontava exatas duas da
manhã. Continuei arrastando os pés, sentindo que o vento culminaria em mais
uma tempestade naquela droga de inverno, que só servia para congelar
engrenagens e deixar as pistas escorregadias.
Estalei meus ombros quando avistei o cume do império escuro. Mais
alguns passos e eu estaria lá. Me dopando por escolha, diminuindo os dias de
vida por vontade própria. Era um gosto singular.
O lugar aonde ele me mandou ir ficava no centro do Brooklyn, e preferi
ir andando a usar o carro que visivelmente precisava de reparos, depois de
tanta pancada. Em outras circunstâncias, eu até roubaria uma máquina qualquer que encontrasse por aí, mas a pedra do fim da corrida resolveu bater
naquela hora, o amargo voltava pela minha glote e conseguia me arrancar
uma careta. Meus demônios perderiam a linha e me fariam correr sobre
quatro rodas de novo.
A única coisa que eu tinha certeza, além de que ficaria ainda mais
louco enquanto aquela porra continuasse no meu organismo, era a de que só
voltaria para casa no dia seguinte.
Com isso em mente e ainda raciocinando direito, puxei o celular e abri
a conversa em grupo com os babacas, para deixar um recado.
Eu:
Esqueçam as apostas dessa madrugada.
Só vou estar por aí amanhã.
Brandon cuzao:
Dando pra trás, fdp?
Nós já trocamos os pneus.
Ryus Yag:
Qual foi, Alien? A localização já foi
compartilhada, geral vai tá lá.
Benedete ruiva:
Eu falei que ele daria uma de "mestre dos magos".
Eu:
Tenho um compromisso, vão sfd!
Encheção de saco do caralho!
Benedete ruiva:
Vai foder quem?

Ryus Yag:
Se falar "você" eu te mato, Alien
Eu:
Tô no John, porra.
Benedete ruiva:
Ihhh ah lá...
Brandon cuzao:
Ah, suave.
Eu:
Vocês mudam pra caralho quando o assunto é meu
irmão, parça.
Benedete ruiva:
Você já deve saber o motivo.
Eu:
Vsf.
Brandon cuzao:
A gente se fala amanhã.
Benedete ruiva:
Se ele voltar vivo...
Eu:
Vai lavar uma louça, Benedete.
Bloqueei o celular e o coloquei no bolso.
Como Benedet disse, eu sabia, sim, o motivo da repulsa pelo meu
irmão. Era o que todo mundo sentia.
John ficava no Burgo, enquanto eu morava em Manhattan. Mesmo que
estivéssemos distanciados por míseros quilômetros, existia um motivo
plausível, mas preferia não pensar no início daquela bagunça, remoer aquele
inferno, as raízes que entregavam o desenho do que, de fato, o fez sair de
casa, no que fez tudo desabar como uma merda sem estrutura, sem o pilar
principal. Eu sempre partia do que já éramos, deixando de lado o que nos
tornou aquilo.

Afinal, a indiferença tinha início ali, no presente, na posição atual.
Eu era o líder da gangue composta por dois babacas e uma vadia, mas
meu irmão comandava o Brooklyn.
Inteiro. Pelas sombras, camuflado entre os pilares de sua própria
facção, evoluindo a cada dia, a ponto de começar a fazer parte da base de
grandes negócios ilícitos e se associado a máfias.
Eu até daria os parabéns pela conquista, se ele não fizesse jus ao seu
caráter quase inexistente e se aliasse a pessoas que tinham a cara cravada no
livro do inferno de nossa casa: inimigos.
Meu irmão se desfez de algo que nos era sagrado, desde que nos
conhecíamos por gente, quando se juntou a inimigos de sangue e de alma.
Inimigos de juramento.
Eu podia ser um demônio de outro mundo, mas existiam juramentos em
minhas costas, e aprendi a honrá-los desde cedo, mesmo que nosso império já
não existisse mais.
Salivava, assistindo a ele fazer o que bem entendia, extorquir da
população e mantê-la sob seus pés, debaixo de ameaças que o tornavam
autoridade ali. Eu compreendia a verdadeira orquestra de facas flutuantes que
só ele exibia dominar, mas enquanto mantivesse aqueles laços, aquilo não me
cabia.
Mas uma coisa não se podia negar: o pedaço de desordem dominado
pelos Skulls, como eram chamados, só crescia a cada dia e, com certeza, John
estava comemorando a conquista de mais um hectare para suas corridas
ilegais e furtos altos.
Com mais alguns minutos de caminhada, comecei encontrar alguns dos
capachos dele, chapados pelos cantos das ruas. Aquilo era sinal de que a festa
estava indo bem. Apressei a porra do passo, abrindo caminho até lá.
Tirei as mãos dos bolsos da jaqueta de couro e agarrei a maçaneta de
ferro de uma singela mansão no centro do lugar. Esbanjar era típico dele.
Master Of Puppets, do Metallica, estourou em meus ouvidos assim que
coloquei os pés no batente. Em poucos segundos, bati os olhos em uma orgia,
no sofá disposto no canto da sala.
Com certeza, o puto do meu irmão não viu isso.
Só precisei pensar alto para que ele surgisse, rugindo como um animal,
e os infelizes desocuparam o estofado em um piscar de olhos.
Ri internamente quando o desgraçado percebeu minha presença e
começou a vir até mim, com o cabelo longo desgrenhado, tatuagens desbotadas do rosto para baixo, alargadores imensos e olheiras de quem
estava há um mês sem dormir.
- Vejo que o mediador do caos ainda preza pela ordem interna, mas
está tendo dias difíceis - falei, cruzando os braços em seguida.
- Todo rei precisa lidar com camundongos nos porões do palácio pelo
menos uma vez na vida - respondeu, abrindo a blusa para tirar dois rolinhos
de lá. - Isqueiro?
Assenti e peguei o baseado.
Estávamos assistindo ao movimento segundos depois, enquanto a
fumaça embaçava a visão que tínhamos do lugar iluminado com muita gente
dançando.
- Ainda com aquela pouca ideia de continuar na universidade? -
Demorou, mas John Walker, o enxerido, perguntou.
- Vamos começar mais uma droga de semestre em poucos dias. Não
tente me tirar de lá, você tem grandes chances de conseguir. - Me adiantei.
Eu tinha certeza de que essa era sua intenção. Ele já tinha deixado
aquilo muito claro.
- Por que ainda continua lá, idiota? É por causa daquela mulher ou
pelas professoras? - perguntou.
John sempre se referia à mulher que nos trouxe ao mundo assim e, para
falar a verdade, eu também não tinha vontade alguma de proferir seu nome.
Ela não merecia.
- Aquela perua já te expulsou da casa quantas vezes? - Evidenciou o
tom zombeteiro.
- Não importa. Ela vai ter que me aturar. Ninguém mandou ter me
jogado no mundo para agradar um... - Engoli as palavras. Não valia a pena.
A mulher que me gerou era abominável, mas o genitor havia
conseguido ser pior quando estava vivo.
- Isso é humilhante e você sabe - meu irmão pontuou, e olhei para
ele, sério.
John não fazia ideia de que eu estava lá, porque nunca quebrava
juramentos. Mesmo que eles fossem feitos quando ainda era uma criança
inútil e burra.
Ele continuou. Fumaça saindo do nariz e boca.
- Esquece universidade, se esqueça daquela velha, cara. Manhattan
ainda está nas rédeas, Aaron. Você não tem espaço para abrir as asas lá sem
que sejam cortadas. - Gosto da adrenalina. Onde o errado continua sendo errado e
proibido. Dá mais prazer - respondi e ele riu.
- Deixa aquele pedaço de merda e vem pra cá, cara. Nós mandamos
aqui.
- Só volto se for para liderar essa joça - pontuei sério e a risada do
infeliz reverberou pelo lugar.
- Talvez em outra vida, mano... isso pode ser um pedaço de terra sem
lei, mas nós ainda prezamos por cabeças vivas. - Me olhou dos pés à
cabeça. - Você quase matou toda a população, infeliz, quando tomou conta
do meu trono por um dia.
- Eles me tiraram do sério.
- Um líder nunca sai do sério com um olhar torto.
- Então precisa conhecer novos estilos de liderança, irmão. - Dei
mais uma tragada e ele balançou a cabeça.
- Você consegue ser pior que eu. - Assentiu, segurando o riso típico.
- E já passou da hora de aprender comigo.
- Então vai vir? - Ele se sentou em uma das poltronas do lugar,
enquanto algumas mulheres o circulavam seminuas. - Conseguimos mais
um pedaço de terra. - E eu sabia que aquele era o motivo da comemoração.
- Tenho uma casa pra você. Coisa boa, no centro, mobília bacana, suítes...
cabem cinco mulheres numa das banheiras... é uma das melhores que
comprei. - Ergueu uma sobrancelha. - A não ser que o riquinho herdeiro
não queira receber...
- Já falei para não me chamar assim - reclamei, ríspido, e ele ergueu
as mãos. Minhas narinas voltaram ao tamanho normal e me concentrei na
fumaça que saía da minha boca. - Se eu disser que não quero, sou um filho
da puta mentiroso.
- A primeira coisa você já é. - Riu. - E a segunda também
consegue fazer com maestria.
- Apareço aqui no fim de semana.
- Para ficar?
- Ainda não.
- Frouxo. - Levantou-se. - Te falta ódio, adrenalina de verdade,
Aaron!
Ele estava enganado. Nada daquilo me faltava. Eu tinha de sobra.
Por ser filho de um defunto criminoso e abominável e ter herdado não
só seu império, depois que meu irmão abdicou de tudo, mas os seus piores traços, eu conseguia mais do que respeito em Manhattan. As pessoas sabiam
quem eu era, do que era capaz, tinham medo e me veneravam para não se
tornarem alvos.
O problema não era a cidade ou a universidade, mas a mulher que por
muito tempo chamei de mãe.
- Ter que segurar sua natureza para tentar se encaixar no que ela quer
é inútil, você sabe - John falou, se referindo a ela, como se lesse meus
pensamentos.
- Não tenho intenção de agradá-la - rebati. - Eu a aturo porque sei
que me aturar é muito pior, e ela merece.
- Claro... e você está na universidade, porque ama a vida acadêmica.
- Ele riu e me entregou um copo com bebida. - Vamos ter um campeonato
de Drift hoje. Sei que você gosta.
Engoli a água quente e cerrei os dentes.
- Não sei, cara.
- Que foi, porra? Rejeitando uma noitada?
Estar ali não era ruim. Quando a adrenalina se misturava ao sangue em
minhas veias e as drogas faziam efeito em um lugar como aquele, sem regras,
sem amarras, eu me tornava um verdadeiro monstro desgraçado, sentia prazer
em cada fucking célula do corpo e não colocava limites em meus impulsos
mais insanos.
Esse era o problema. Quando estava assim, perdia a porra do controle
que eu estava indo bem em manter. Era uma escolha inteligente. Eu não
precisava ser abominável para ter respeito. Bastava ser o delinquente corredor
de racha, que cometia um crime ali ou aqui. Bastava ser eu, o Alien. O filho
do sangue azul.
- Não vai rolar, cara. - Coloquei o copo de volta na mão dele.
No entanto, antes que eu saísse, um burburinho tomou conta da
baderna.
O silêncio reinou. Um dos caras veio até John e cochichou alguma
merda no ouvido dele, o que fez com que a risada do meu irmão reverberasse
mais alto pelo lugar.
- Souberam que estão transferindo um novo delegado para cá? E eu
ouvi um "o melhor" sair da boca dele. - John apontou para o moleque do
recado e todos começaram a rir.
- Foi o que eu soube! - Ele se juntou aos outros, zombando da
própria fala.

Aquilo era notícia nova.
Inicialmente, todos achavam que haviam desistido daquela parte podre
de Nova Iorque. As investidas eram disfarces, o próprio John as tramava,
junto aos farsantes da lei que ponderavam aos arredores, com o mero intuito
de parecer com que eles estivessem fazendo alguma coisa, que se
importavam, que intervinham. Mas, pelo visto, a parte sã da justiça estava
começando a abrir os olhos.
- Um novo animalzinho de estimação? - meu irmão desdenhou. -
Preparem a coleira. Vamos domesticar mais um! - Aproximou-se do
mediador das boas novas. Sua pergunta saiu entredentes. - De onde vem o
porco?

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