CAPÍTULO 17

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WILLIAM CARDINALLI

NO DIA SEGUINTE

Nunca me deixei levar por arrependimentos; sempre fui calculista e centrado. Desde que perdi minha humanidade, nunca olhei para trás ou quis desfazer qualquer decisão tomada, até conhecer Natália. Não entendo por que não consigo parar de pensar nos olhos magoados dela, em suas mãos trêmulas e lábios pálidos. Por que não consigo parar de pensar no choro que ouvi ou desligar as câmeras da casa dela? Por que tudo relacionado a ela é difícil e complicado? Uma luta onde ninguém vence ou cede. Estou exausto, não só fisicamente, mas mentalmente. Meus soldados aguardam ordens, Matteo e a organização me cobram estratégias, e Matteo continua insistindo para que eu execute um trabalho que não posso realizar. Vivo num labirinto de enganos e mentiras, sempre jogando de um lado para o outro, esperando o momento em que a última bala da roleta russa dispare e acerte direto no meu peito ou entre meus olhos. Não temo esse dia; talvez assim eu tenha algum alívio de todo o caos que habita em mim.

Levanto-me nu da cama e sigo para o banheiro, deixando que a água gelada banhe meu corpo e esfrie a aflição da minha carne. Há anos não sei o que é dormir sem pesadelos: sempre os mesmos gritos de dor, a mesma tormenta, o mesmo sangue e tortura, tudo intenso demais para qualquer ser humano suportar. Às vezes duvido se estou realmente vivo ou se este é o purgatório, e estou pagando meus pecados no inferno. Depois de me sentir melhor, me enxugo, entro no closet, pego um par de roupas e uma jaqueta qualquer com capuz, me visto, escolho as chaves da minha moto e desço pelo elevador. Às vezes, ir ao clube me ajuda a focar e a voltar ao meu normal. Assim que monto na moto e acelero pelas ruas da cidade, sinto meu corpo relaxar e minha mente se aquietar. Era o alívio que eu precisava sentir.

Chego ao clube em poucos minutos, estaciono e vou até minha sala. Ao passar pelos corredores, vejo Ângelo em mais uma de suas orgias. Mas, por incrível que pareça, ele não está participando, apenas assistindo três mulheres se divertirem. Invado sua sala de jogos e sigo para o bar, servindo-me de duas doses de bourbon e tomando-as de uma só vez. Sento-me em um dos bancos perto do bar e observo as mulheres, tentando encontrar algo que me agrade, mas nada me chama a atenção. Ângelo se aproxima, com a camisa de botões aberta.
- Sai para lá, está fedendo a sexo. - incomodo-o, e ele rosna.
- Antes eu tivesse mesmo trepado.
- Qual é o problema? - indago. Ele vai até sua mesa e retira um pacote envolto em papel marrom simples, sem remetente identificável. Joga o pacote à minha frente e faz sinal para que eu abra. Um bilhete dentro dele, endereçado a mim.
- Leia em voz alta. - exige Ângelo com sua voz controlada. Ergo os olhos e o encaro.
- Cazzo! Não vou ler isso em voz alta. - No bilhete, estavam me acusando de ser o traidor que está fodendo os negócios de Ângelo, que todos os ataques que estamos recebendo foram orquestrados por mim. Sinto os olhos desconfiados de Ângelo sobre mim.
- Fora, meninas. Quem sabe outro dia vocês façam por merecer meu pau. - as garotas saem nuas e decepcionadas da sala. O sorriso sádico brinca em sua boca.
- Quem enviou?
- Impossível rastrear, já usei todos os meus meios e nada. - solta um suspiro cansado e senta-se ao meu lado.
- Você sabe que não estou por trás de nada disso. Se eu fosse te trair de alguma forma, teria muitos outros meios e formas de fazer isso, e não seria brincando de gato e rato, Ângelo. - sou sincero, e ele meneia a cabeça, olhando-me de soslaio.
- Sei que não, nos conhecemos muito antes de tudo isso ser construído. Entretanto, alguém está tentando minar nossos negócios, William. Sinto que um dos nossos soldados está nos traindo, e a falta de uma resposta me deixa frustrado. Odeio me sentir impotente, William. Construímos um império a partir do nada, somos conhecidos como os reis do submundo, e ainda assim temos ratos entre nós, prontos para destruir o que levamos décadas para construir. - reclama, e eu engulo em seco.
- Vamos pegá-los, Ângelo.
- E, quando isso acontecer, quero matá-los com minhas mãos, William. Não aceito traições. Já informei Salvatore, e ele disse que viria até mim, mas não julguei necessário; não podemos ter dois líderes no mesmo lugar.
- Ainda não entendo como dois homens de natureza dominante podem trabalhar juntos. - debocho, e Ângelo abre um sorriso psicopata.
- Nós dois somos dominantes e comandamos um império. - expõe.
- Eu deixo corpos no chão; você deixa pessoas falidas. São trabalhos opostos.
- No final, destruímos vidas, William. Não importa se são por meio de armas de fogo, faca ou extorsão. No fim, nossa alma está corrompida.
- O que me alegra é que possuo limites que você cruza! - digo para irritá-lo, e ele me encara entediado.
- Você pode não ser sádico, mas não é tão diferente de mim. Todos nós apenas usamos e descartamos as mulheres. Somos o que somos, William. Perversos e sombrios. Nosso passado não nos deixa seguir em frente; sempre seremos monstros. - profere ao pegar uma garrafa de sua adega e servir a bebida em nossos copos.
- Vamos fazer o que sabemos de melhor. - e então passamos horas tramando a queda de quem quer que esteja disposto a enfrentar a fúria de I Lupi Nero.


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