CAPÍTULO 73

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              NATÁLIA AMARAL

As palavras de William eram frias e carregadas de dor. Senti um leve temor ao final, percebendo seu corpo tenso. Encarei seus olhos, querendo que ele visse a verdade em mim.

— Não. Eu não senti nojo nem repulsa. Eu senti prazer, me senti mulher, sua mulher. Eu me senti viva, feliz por sentir sua pele contra a minha, seus braços nus segurando meu corpo, seu quadril se movendo contra o meu. Eu me senti no paraíso, William. Eu me senti amada — sussurrei, escondendo meu rosto em seu pescoço. Não vou mentir e dizer que não senti algumas cicatrizes grossas na sua pele, especialmente nos braços, o que achei estranho. Como alguém poderia ter cicatrizes nos braços? Suas coxas também pareciam ter algumas marcas que consegui sentir, mas estava tão envolvida no que seu corpo fazia com o meu que mal prestei atenção na sua pele marcada.

William ficou em silêncio, e seu corpo relaxou sob o meu. Até pensei que ele estava dormindo quando começou a falar tão baixo que precisei parar de respirar para ouvi-lo.

— Quase um ano depois de ser resgatado do galpão onde os Rocco mantiveram Francesca e eu, resolvi me aventurar sexualmente. Eu tinha uma submissa que sempre estava sob meus cuidados; eu pagava pela casa, o carro, os estudos, tudo. Tínhamos um lance de três anos e meio — William fez uma longa pausa, e percebi que ele cobriu os olhos. — Ela sempre me ligava dizendo que sentia saudades. Na minha ingênua imaginação, pensei que ela saberia lidar com minhas marcas, minhas cicatrizes e dores — sua voz se tornou levemente mais grave e vulnerável. Percebi que ele parecia não querer contar, mas eu precisava saber o que aconteceu. Então, joguei minha perna por cima da dele, quase deitando todo meu corpo sobre o dele, e continuei com minha cabeça encostada na base de seu pescoço.

— Continue, o que aconteceu? — sussurrei. Até pensei que ele não iria terminar de me contar, pois ele ficou em silêncio por muito tempo.

— Quando cheguei ao apartamento dela, como sempre fazíamos, ela me esperou na cama nua. Quando me viu, levantou-se e caminhou até onde eu estava. Começou a abrir minha camisa, depois desceu minhas calças. Ela não tinha visto meu corpo totalmente descoberto, mas, quando viu, ela soltou um grito fino e estridente e, então, zombou de mim. Disse que eu estava deformado, que nenhuma mulher sentiria desejo por mim, que qualquer uma que olhasse para meu corpo nu sentiria nojo, que era repulsivo, que eu parecia um monstro. Ela me mandou vestir minhas roupas e sair do apartamento dela — ele sorriu sem humor, um sorriso quase sombrio. — Um apartamento que eu pagava, até as roupas que ela vestia eram presentes meus — o vi engolir seco, e ele parecia incomodado. Para não pressioná-lo, tirei minha perna de cima da dele, mas continuei deitada em seu ombro, esperando, esperando até que ele continuasse. — Até aquele dia, eu nunca havia matado uma mulher. Para mim, as mulheres eram e são sagradas. Entretanto, as palavras dela tocaram profundamente meu ego, e eu me tornei o monstro que ela acusou. Pela primeira vez na vida, vi uma mulher como igual, e não como a fragilidade em pessoa.

Involuntariamente, meu corpo ficou tenso, e uma vontade de correr para longe dele me invadiu, mas não o fiz. Continuei onde estava, controlando até a maneira de respirar e o batimento acelerado do meu coração.

— Você a matou, William? — perguntei, sem coragem de encará-lo. Novamente, pensei que ele não me responderia.

— Não. — Quando ele respondeu, soltei o ar que estava prendendo, mas sabia que ele não tinha terminado. — Não a matei. Mas a deixei cega. Antes de cegá-la, deixei algumas marcas pelo corpo dela. Foram marcas sutis, mas que, de alguma forma, fariam com que ela se sentisse como eu. — Ele confessou, e desta vez eu não consegui continuar deitada em seu ombro. Precisava de espaço, de tempo. Ele pareceu entender, permitindo que eu erguesse meu corpo, me levantasse e procurasse uma de suas camisas. Vesti a camisa e, então, o encarei. Seus olhos estavam tempestuosos e tão sombrios que me fizeram prender o ar. Ele parecia vulnerável, mas não deixava de ser intimidante, feroz e perigoso. Naquele momento, tive a prova de que William não era um homem qualquer, nem alguém com quem se pode envolver acreditando que sairá ilesa. Ele vai tomar tudo, vai quebrar você em fragmentos, vai levá-la ao fundo do poço e deixá-la lá.

— Depois daquele dia, para não ter que mutilar ou matar cada mulher que zombasse de mim, jurei não deixar que vissem meu corpo. Jurei não deixar mulher alguma se aproximar de mim ou me tocar. Elas teriam apenas o meu pau; eu lhes daria prazer e as descartaria da mesma forma que fui descartado. — William se levantou, caminhou até a porta, abriu-a e saiu do quarto, batendo a porta atrás de si.

Eu fui para o banheiro, me tranquei lá e chorei, chorei baixinho diante do furacão de sentimentos que me invadiram. Fiquei tão atordoada que tirei a camisa dele e entrei debaixo do chuveiro. Não tenho ideia de qual atitude mais me impactou: a da mulher, que, pela forma como ele disse, tinha um relacionamento fixo com ele por anos, ou a dele. Acredito que foi o conjunto. Como uma pessoa pode ser tão cruel ao zombar da dor do outro? Pessoas vazias e fúteis, que só pensam no exterior e não consideram os sentimentos alheios. Nossa, ela mereceu o que teve. Sei que William agiu errado, cometeu um crime, mas se alguém me ferisse como ela fez com ele, talvez eu quisesse agir da mesma forma. Ele confiou nela, e ela esmagou sua confiança, zombou de sua vulnerabilidade. Talvez, se ela tivesse tido empatia e cuidado, ele não seria tão amargo e fechado como é. Talvez ele não teria se distanciado das pessoas, talvez fosse mais leve, mais feliz. Ele errou? Errou, mas ela errou muito mais. Eu nem consigo imaginar o que deve ter passado em sua cabeça, como ele deve ser traumatizado com seu próprio corpo e suas marcas.

Termino de lavar meu corpo, me enrolo em uma toalha e, quando saio do banheiro, o encontro sentado na cama, com a cabeça escondida entre as mãos. Ele sente a minha presença, mas não ergue o olhar.

— Pedi a Ângelo que disponibilizasse o helicóptero para levá-la novamente ao Vale do Café. — Sua voz era fria e desprovida de sentimentos. Teimosa como sou, retiro a toalha do meu corpo, me jogo na cama e puxo a manta que estava por cima dos lençóis, enrolando-me nela enquanto me deito sobre os travesseiros. Vejo o exato momento em que William percebe o que fiz, levantando a cabeça para me olhar, com um misto de confusão e descrença em seu rosto. Ele deveria me conhecer melhor.

— Estou cansada e com sono. Você também não está? Já deve passar das três da manhã. — Bocejo e me enrolo ainda mais na manta. Ele balança a cabeça, e vejo um meio sorriso dançar por seus lábios. Ele pega o celular e parece digitar algo antes de tirar os sapatos e apagar as luzes, deixando apenas uma lâmpada fraca acesa perto da porta. Quando ele se deita ao meu lado, puxo seu braço e o faço envolver minha cintura, soltando um suspiro. Seus braços ficam tensos e sua respiração é contida.

— Não está com medo de mim? — sussurra. Balanço a cabeça em negação.

— Não. — Afirmo sem hesitação. — Você agiu de maneira impulsiva, mas apenas fez o que julgou certo no momento. Não vou dizer que apoio sua atitude, entretanto, não o julgo. Ela foi cruel com você e teve o que mereceu. — William permanece em silêncio, mas percebo que ele relaxou. Me aconchego melhor, encostando minha bunda em sua ereção. — Só não compare todas as mulheres como iguais, William. Não estou com você por dinheiro, status ou bens materiais. Estou com você porque gosto de estar. E nada que me mostre de você me assustaria ou causaria nojo. — Explico e não espero uma resposta, sei que não virá. Bocejo outra vez, deixo um beijo na manga da camisa dele e fecho meus olhos. — Boa noite, William. — Solto um suspiro feliz. Mais uma vez, estou dormindo em seus braços.

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