CAPÍTULO 66

213 34 7
                                    

               NATÁLIA AMARAL

Virei a noite preocupada com William. Com o passar das horas, a preocupação deu espaço à raiva e ao ódio. Ele sempre age assim comigo. Me afasta, me joga de lado. Estou cansada de lidar com William e sua bipolaridade. Por isso, quando Ângelo me afirmou que William estava bem e em algum chalé da pousada, pedi a Meire que me levasse até lá. Não iria ficar em casa esperando pela boa vontade de William voltar para mim, para novamente receber suas migalhas. Sempre que ele se abre um pouco, em seguida me abandona como se eu não fosse nada para ele. Estava tão perdida em minhas divagações que nem percebi a aproximação de Lauro com um copo de café nas mãos para mim.

— Está viajando para qual universo? — indagou, sentando-se ao meu lado e colocando o copo de café à minha frente.

— Obrigada. — Sorrio e tomo um longo gole, depois de soprar por um bom tempo, arrancando um sorriso de Lauro. — Vocês homens são tão complicados.

— Em que sentido?

— Em todos. Vocês têm uma armadura impenetrável, não são abertos como nós, mulheres. Se afastam quando acham que as coisas estão indo longe demais, ou no momento em que percebem que deixaram a vulnerabilidade à mostra. Vocês pensam que não podem demonstrar fraqueza, o que eu acho ridículo. — Quando percebo, já estou desabafando com o pobre coitado, que apenas ouvia. — Para a maioria das mulheres, quando vocês se abrem para nós, seja contando algo do passado ou mostrando uma parte que ninguém antes viu, isso nos faz amá-los. Não é aparência, dinheiro ou bens materiais. É a companhia, o aconchego, o sorriso, a vulnerabilidade, o abrigo. — Sussurro chateada, e Lauro apenas me encara, parecendo enxergar mais do que eu digo.

— Às vezes, nós homens temos dificuldade em deixar que as pessoas vejam nosso eu real. Alguns de nós. — Ele abre um sorriso tranquilizador. — Eu, por exemplo. Fui ferido, me entreguei ao mesmo sentimento que você está defendendo. Fiz de tudo que possa imaginar pela mulher que amava. E recebi apenas traição. Cada pessoa oferece aquilo do qual está cheia, Natália. — Olho para ele, confusa.

— Como assim?

— Ao meu ver, todos nós, seres humanos, somos cheios de sentimentos. Mesmo que não os demonstremos, escondendo-os em uma máscara de indiferença, eles existem. Alguns são movidos por raiva, rancor. Outros, por futilidade, inveja. No meu caso, foi a ganância que levou a mulher que eu amava. Ela não estava satisfeita em viver a vida ao lado de um simples engenheiro agrônomo, ter uma casinha simples, um carro popular e uma família grande. Ela era cheia de ambições e sonhos que eu não poderia realizar. Como disse, cada pessoa oferece aquilo de que está cheia. — Eu o encaro por minutos intermináveis; ainda existe muita mágoa e dor nos olhos dele.

— Você ainda a ama, não é? — sussurro baixinho.

— Procuro não pensar mais em sentimentos. E também não confio nas mulheres. Não quero desfazer de você, mas é como sou.

— Te entendo. Os homens também são complicados. Estamos quites. — Ele sorri, meneando a cabeça.

— Seu namorado está se aproximando com a moto dele, e pela fúria com que está dirigindo, sei que, se não fugir para longe, ele vai cumprir a ameaça que me fez outro dia. Segure sua fera, bonita. — Com essas palavras, ele sai, e eu me viro para ver William, que chegou a desviar de onde estava para perseguir Lauro. Entretanto, me coloco de pé e cruzo os braços. Ele parece perceber minha irritação e volta para onde estou. Observo-o descer da moto, deixando-a mal estacionada. Eu estava sentada em um tipo de pracinha bem no meio da pousada rural, mas não havia ninguém ali àquela hora da manhã. Geralmente, todos estariam procurando algo para comer. Essa pousada parece mais um vilarejo do que apenas uma pousada. O povo é tão hospitaleiro e alegre.

Ligados Pela ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora